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Processo n.º 854/2011
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., arguida nos autos de processo comum com o n.º 82/07.4TAMTS, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, neles foi condenada pela prática de um crime de difamação.
Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, porém, confirmou a condenação.
Veio, então, a arguida arguir a nulidade do acórdão condenatório, o que foi indeferido por Acórdão do Tribunal da Relação de 9 de junho de 2010, tendo deste último interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 87.º, n.º 5, do Estatuto da Ordem dos Advogados, 125.º, 399.º, 400.º, n.º 1, alínea c), e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, «com a interpretação dada [pelo Tribunal recorrido] que as inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente a tais preceitos legais (…), por violação das normas constitucionais [dos artigos 32.º, nºs. 1 e 8, e 16.º, n.º 2, da CRP], configuram uma situação de irregularidade que se encontra sanada»..
Por decisão sumária, o relator considerou que o objeto do recurso, tal como acima delimitado, carece de conteúdo normativo e, ainda que se pretendesse sujeitar à apreciação do Tribunal Constitucional, como parece decorrer de uma leitura integrada do requerimento de interposição do recurso, o entendimento normativo segundo o qual «a valoração, como meio de prova, do depoimento de uma testemunha prestado com violação do segredo profissional constitui mera irregularidade», sempre se revelaria inútil a sua apreciação de mérito por não ter sido essa a razão jurídica determinante do indeferimento da arguição de nulidade decidido pelo acórdão recorrido.
A recorrente reclamou da decisão sumária para a conferência, invocando, em síntese, que, contrariamente ao decidido, é útil o conhecimento daquela questão de inconstitucionalidade porquanto da eventual procedência do recurso pode resultar modificação de julgado, sendo certo que toda a jurisprudência tem considerado nulo o depoimento prestado com violação de sigilo profissional.
O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento da reclamação por se lhe afigurarem acertados os fundamentos da decisão sumária dela objeto.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Tendo a decisão sumária ora em reclamação admitido que, numa leitura integrada do requerimento de interposição do recurso, esteja afinal incluído no respetivo objeto, não o que expressamente se invocou como tal, mas questão de inconstitucionalidade atinente às normas legais acima referidas, na interpretação segundo a qual «a valoração, como meio de prova, do depoimento de uma testemunha prestado com violação do segredo profissional constitui mera irregularidade», apenas cumpre decidir, no presente incidente, se se mantém a utilidade do conhecimento de mérito.
Como sublinha a decisão sumária reclamada, na esteira do que o Tribunal Constitucional tem entendido, só se justifica apreciar dada questão de inconstitucionalidade quando ela verse norma ou interpretação normativa que constitua o efetivo fundamento jurídico da decisão recorrida, pois que só neste caso a sua eventual invalidação, por violação de normas ou princípios constitucionais, pode implicar modificação de julgado.
A esta luz, considerou o relator que, tendo o Tribunal recorrido indeferido a arguição de nulidade por considerá-la inverificada, e não por julgá-la sanada, seria inútil aferir da inconstitucionalidade da interpretação que qualifica o vício decorrente da prestação de testemunho com quebra de sigilo profissional como de mera irregularidade.
Ora, analisando o teor da decisão recorrida, facilmente se verifica que assim é.
Com efeito, aí se afirma, por referência ao caso concreto, que «os atos praticados pelo advogado dispensado pelo arguido do sigilo não podem ser qualificados como constituindo violação de segredo profissional e, portanto, podem fazer prova em juízo», considerando-se, pois, que, contrariamente ao alegado pela arguida, não ocorreu violação do segredo profissional, pois que, «tendo a testemunha sido indicada pelo recorrente, é óbvio que a dispensou de segredo profissional».
Assim sendo, não tendo a decisão recorrida, pelas transcritas razões, julgado verificada a ocorrência do arguido vício – juízo que não pode ser sindicado pelo Tribunal Constitucional cuja competência é restrita à verificação da conformidade constitucional das normas aplicadas pelos tribunais e não à bondade dos seus julgamentos –, afigura-se, de facto, inútil verificar se, ocorrendo um tal vício, é inconstitucional interpretação que considera tratar-se de mera irregularidade a correspondente sanção jurídico-processual.
É que, se é certo que o Tribunal recorrido assim terá opinado, afirmando que, de todo o modo, a violação do sigilo profissional, por preterição de autorização legalmente imposta (artigo 87.º, n.º 4, do EOA), sempre configuraria irregularidade já sanada, por não arguida nos termos do artigo 123.º do CPP, a verdade é que, conforme salienta a decisão reclamada, fê-lo em «discurso hipotético e condicional» para o caso de se considerar ter ocorrido efetiva violação de segredo profissional.
Não tendo, sido, porém, essa a avaliação judicial do caso, não há que aferir da inconstitucionalidade de uma tal interpretação da lei, revelando-se, nesse contexto, completamente inócuas as referências jurisprudenciais que a reclamante, em ordem a demonstrar a sua incorreção, invoca no presente incidente, sendo certo que não compete ao Tribunal Constitucional corrigir o julgado mas apenas utilmente aferir da inconstitucionalidade das normas nele aplicadas.
É, pois, de manter a decisão sumária que, com tal fundamento, não tomou conhecimento do objeto do recurso.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação deduzida, nos presentes autos, pela recorrente A..
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades conta.
Lisboa, 6 de março de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.