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Proc. nº 32/92
1ª Secção Rel. Cons. António Vitorino
Acordam, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. O Ministério Público requereu ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a declaração de nulidade de diversos actos administrativos da Câmara Municipal de Portimão atinentes ao processo de licenciamento de um projecto de construção de uma moradia em terreno situado nos
--------------------------------. Tal pedido foi fundamentado no facto de o terreno onde se pretendia proceder à aludida edificação pertencer à Reserva Ecológica Nacional, o que envolvia a proibição da pretendida construção por força do disposto no artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, pelo que as deliberações impugnadas, ao concederem o licenciamento do projecto de construção em causa, haviam violado os artigos 2º, nº 1, alínea c) e 3º, nº
1, do citado diploma legal.
No decurso do incidente de suspensão de eficácia do acto recorrido, o juiz da causa proferiu despacho a julgar inconstitucional o Decreto-Lei nº
321/83, tendo dessa decisão sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, na sequência do que a 1ª Secção, no seu Acórdão nº 197/91, de 8 de Maio de 1991, veio a julgar inconstitucional as normas dos artigos 2º, nº 1, alínea c) e 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, por violação dos disposto no artigo 168º, nº 1, alínea g) da Constituição (inconstitucionalidade orgânica), termos em que se confirmou a decisão recorrida.
2. Prosseguiram os autos os seus trâmites e, por sentença de 27 de Novembro de 1991, veio a ser negado provimento ao recurso contencioso de anulação, por se julgarem inconstitucionais as aludidas normas do Decreto-Lei nº
321/83.
Desta decisão pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Círculo, foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, que tem por objecto a questão de constitucionalidade das normas constantes do artigo 2º, nº 1, alínea c) e do artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho.
Nas suas alegações, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal ofereceu o seguinte quadro de conclusões:
'1º- Tendo-se formado, neste processo, caso julgado sobre a decisão contida no acórdão nº 197/91 do Tribunal Constitucional, proferido no incidente de suspensão de eficácia, no sentido da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2º, nº 1, alínea c) e 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, a recusa da sua aplicação, constante da decisão ora recorrida, deveria ter-se baseado na força desse caso julgado, e não num juízo autónomo de inconstitucionalidade;
2º - Deve, assim, confirmar-se a decisão de recusa de aplicação das aludidas normas, embora com diverso fundamento (caso julgado);
3º - Caso assim se não entenda, devem as mesmas normas ser julgadas organicamente inconstitucionais, por incidirem sobre matéria contida na reserva de competência legislativa da Assembleia da República e terem sido editadas pelo Governo sem a necessária autorização legislativa ( artigo 168º, nº 1, alínea g) da Constituição, na versão da primeira revisão constitucional).'
3. Nas suas contra-alegações, a Câmara Municipal de Portimão preconizou que 'considerando a decisão do douto Acórdão [do Tribunal Constitucional] que declarou inconstitucional as normas do D.L. 321/83 de 5 de Julho, deverá manter-se essa inconstitucionalidade' e o recorrido A., nas suas contra-alegações, foi de opinião que se deveria confirmar a recusa de aplicação das normas em causa 'com fundamento em caso julgado já formado no processo pelo Acórdão nº 197/91 do Tribunal Constitucional', ou, caso assim se não entendesse,
'deveriam as mesmas normas ser julgadas organicamente inconstitucionais'.
Corridos os vistos legais, passa-se a decisir.
II
1. Conforme resulta do exposto, a questão de constitucionalidade objecto do presente recurso refere-se à conformidade com a Lei Fundamental das disposições constantes do artigo 2º, nº 1, alínea c) e artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, diploma instituidor da denominada Reserva Ecológica Nacional.
Esta questão de constitucionalidade já fora suscitada a este Tribunal no presente processo, quando do recurso interposto da decisão judicial que apreciou o incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo recorrido, tendo então o Tribunal julgado inconstitucionais as normas em crise.
Sem embargo, quando do julgamento do recurso de anulação, o tribunal 'a quo' proferiu novo juízo autónomo àcerca da constitucionalidade das mesmas normas, tendo decidido desaplicá-las com fundamento na sua desconformidade com a Lei Fundamental, o que o fez ao abrigo do disposto nos poderes que a Constituição reconhece aos tribunais de 'motu proprio' não aplicarem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
Por isso, suscita o Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações a questão de saber se, no caso, ainda poderia ter cabimento um tal julgamento de inconstitucionalidade proferido na apreciação do recurso principal ou se, pelo contrário, tal julgamento estava vinculado à força de caso julgado decorrente da decisão de constitucionalidade constante do mesmo processo, tomada através do Acórdão nº 197/91 do Tribunal Constitucional, quando da apreciação do pertinente recurso interposto de constitucionalidade interposto de decisão referente ao incidente de suspensão de eficácia.
A questão em si mesma poderia ser pertinente, mas nos concretos condicionalismos em que o Tribunal Constitucional é hoje chamado a decidir torna-se irrelevante.
2. Com efeito, em momento posterior quer ao aludido Acórdão nº 197/91 (de Maio de 1991), quer à decisão ora recorrida (de Novembro de 1991), quer às próprias alegações oferecidas pelo Ministério Público neste processo (de Fevereiro de 1992), este Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 368/92, de 25 de Novembro de 1992 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 6 de Janeiro de 1993) veio a 'declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da alínea g) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, bem como da norma ínsita no nº 1 do artigo 3º do mesmo diploma, com referência à aludida alínea c) do nº 1 do artigo 2º'.
Assim sendo, e conforme já por diversas vezes o Tribunal referiu, aquela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral vincula todas as entidades, e, desde logo, o próprio Tribunal Constitucional. O que por si só torna, pois, desnecessário apurar da eficácia do caso julgado de anterior decisão de constitucionalidade proferida no mesmo processo
Pelo que, no caso vertente, nada mais haverá a fazer do que proceder à aplicação daquela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, constante do citado Acórdão nº 368/92.
III
Termos em que se decide, fazendo aplicação da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante do Acórdão nº
368/92, negar provimento ao recurso e consequentemente confirmar a decisão recorrida.
Lisboa, 25 de Maio de 1993
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Luís Nunes de Almeida