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Processo nº 192/92
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.- A., notificado do Acórdão nº 535/92, de 15 de Dezembro de 1992, que desatendeu a reclamação por si deduzida do despacho de 6 de Fevereiro do mesmo ano do Senhor Desembargador do Tribunal da Relação de
Évora rejeitando-lhe o recurso de decisão do agravo em autos de expropriação por utilidade pública nº -------/---, da Comarca de Silves, em que são expropriante a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e expropriado o ora requerente, veio arguir nulidade do acórdão, alegando:
a) falta de audição do reclamante.
Em seu entender, e uma vez que o artigo
78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, se aplica quer ao não conhecimento do objecto do recurso como ao não conhecimento do objecto da reclamação, o relator, ao considerar que não podia conhecer do objecto desta, devia ter feito exposição sucinta do seu parecer e mandar ouvir cada uma das partes por cinco dias.
Não o tendo feito, o interessado não tomou conhecimento desse parecer nem do apresentado pelo Ministério Público - nulidade que implica sanar a omissão ocorrida e a consequente anulação do processado ulterior;
b) falta de pronúncia e fundamentação.
O acórdão, na tese do arguente, não se pronunciou sobre a questão da condenação em custas constante do despacho reclamado no processo expropriativo, o que não se prende com a qualificação do incidente como anómalo mas se insere em sede de sindicância por parte do Tribunal Constitucional.
Não se tendo debruçado sobre esta matéria, houve omissão de pronúncia e subsequente nulidade, considerando o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), primeira parte do Código de Processo Civil;
c) existência de 'conflito contraditório' entre duas decisões, uma do Supremo Tribunal de Justiça e outra do Tribunal Constitucional.
Se bem se entende, considera o arguente que o despacho reclamado obteve, quase simultaneamente, duas decisões diametralmente opostas, o que, redundaria na nulidade prevista na alínea c) do nº 1 daquele artigo 668º;
d) quarto grau de jurisdição.
Adianta-se neste ponto, que o Tribunal Constitucional, com o seu acórdão, defende o princípio ou teoria do quarto grau de jurisdição no sistema jurídico português, o que viola os artigos 211º a 220º da Constituição.
Tudo considerando, impõem-se a declaração de nulidade do acórdão, pois as irregularidades cometidas e as causas de nulidade influíram no exame e na decisão da reclamação [Código de Processo Civil, artigos 201º, nº 1, 201º, nº 1, 205º, nº 1 e 668º, nº 1, alíneas c) e d)].
2.- Respondendo à arguição de nulidades, o Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do indeferimento da mesma.
3.- Concorda-se, de um modo geral, com o posicionamento assumido pelo Ministério Público e correspondente teor argumentativo.
Assim, e tendo presente, as alegadas nulidades:
a) Não se está perante um caso de observância do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82.
É que, na verdade, no acórdão aclarando, conheceu-se do mérito da reclamação, e decidiu-se desatendê-la, pelo que se observou o preceituado no nº 3 do artigo 77º do mesmo diploma, segundo o qual ao Ministério Público é dado prazo de vista em momento anterior aos vistos dos restantes juízes.
b) Não tinha o parecer do MºPº de ser notificado - e, de qualquer modo, a falta constituiria nulidade processual mas não nulidade de decisão.
A este respeito remete-se para as considerações desenvolvidas em anterior Acórdão, nº 284/91, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Outubro de 1991, sobre caso similar, onde houve oportunidade de se ponderar que, mesmo admitindo a exigibilidade da notificação do parecer do Ministério Público - e não é esse o caso - a omissão desse acto 'não integraria uma nulidade de sentença, sim uma nulidade de processo - mais propriamente, a nulidade do artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, que se traduz na omissão de um acto que a lei prescreve, desde que essa omissão seja susceptível de 'influir no exame ou na decisão da causa'.
É que, quanto às nulidades de sentença, vigora um princípio de taxatividade: só são tais as previstas no artigo 668º do Código de Processo Civil e, especificamente quanto aos acórdãos, também no artigo 716º, nº 1, do mesmo Código (cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol., V, Coimbra, 1952, pág. 137; e Jacinto Rodrigues Basto, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1969, pág. 245).
Sendo uma nulidade processual - e não nulidade de sentença - sempre havia de observar-se o regime previsto no artigo 201º do Código de Processo Civil'.
E mais se consignou então:
'5.3.- Sucede, porém, que, no caso, a notificação do parecer do Ministério Público não era devida, como se verá de seguida.
O princípio do contraditório não se acha formulado expressamente na Constituição para o processo civil. Apesar disso, não pode ele deixar de valer também nesse domínio, já que se trata de uma exigência da própria ideia de Estado de Direito (cfr., neste sentido, os Acórdãos nºs. 397/89 e 62/91, publicados no Diário da República, II Série, de 14 de Setembro de 1989, e I-A Série, de 19 de Abril de 1991, o segundo).
O princípio do contraditório implica -
no dizer de Manuel de Andrade - que 'cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de umas e outras' (cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1956, pág. 364).
É um princípio que, assim, está ao serviço do princípio da igualdade das partes no processo (cfr. Andrade, ob. cit., pág. 365).
5.4. Pois bem: No Tribunal Constitucional, o Ministério Público - como resulta do que preceitua o artigo 77º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro - intervém sempre nas reclamações, em todas elas.
Esta circunstância, só por si, logo deixa perceber - como sublinha o Procurador-Geral Adjunto - que ele não intervém em tais processos como parte. Ele é, aí, antes um órgão de justiça que, agindo numa perspectiva de estrita legalidade e objectividade, emite o seu parecer sobre o bem ou mal fundado da reclamação.
Não sendo o Ministério Público na reclamação uma parte, que houvesse que colocar em perfeita paridade de condições com o reclamante, a ideia de igualdade processual das partes, ao serviço da qual se acha, como se disse, o princípio do contraditório, não exige que o parecer que ele emitir seja notificado ao reclamante.
Por isso, no caso, não houve violação do princípio do contraditório.
5.5. Ainda segundo o reclamante, a notificação do parecer do Ministério Público impunha-se à luz de uma outra ideia - a ideia de que, mesmo quando a questão do não conhecimento do recurso é suscitada por algum dos juízes, mesmo então, as partes são ouvidas, tal como dispõe o artigo
704º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Simplesmente - e descontado o facto de o artigo 704º, nº 1, valer para os recursos, e não para as reclamações -, não é a circunstância de o relator não ter levantado a questão do não conhecimento do recurso no despacho preliminar a que se refere o artigo 701º do Código de Processo Civil, nem a dos adjuntos o não terem feito no seu visto
(cfr. artigo 702º, nº 3, do mesmo Código), que preclude a possibilidade de, aquando do julgamento, deixar de conhecer-se do respectivo objecto.
Ora, num tal caso, as partes não foram ouvidas sobre a questão, e nem por isso pode falar-se em violação do princípio do contraditório.
A partir do artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil também não pode, pois, concluir-se pela necessidade de, nas reclamações para o Tribunal Constitucional, apresentadas contra a rejeição de recursos para si interpostos, notificar o parecer do Ministério Público ao reclamante.'
Releve-se a dimensão do trecho reproduzido considerando-se a sua identificação com o caso presente, subscrevendo-se a doutrina dele constante, quando aplicada a este caso.
c) Não houve, também, omissão de pronúncia quanto ao problema das custas.
Com efeito, no acórdão houve o explícito cuidado de se consignar competir ao Tribunal Constitucional 'deferir ou não a reclamação em face dos requisitos de admissibilidade do recurso' para logo se acrescentar que, nessa medida, não há lugar a pronúncia sobre a correcção da condenação em custas constante do despacho reclamado, o que se teve por insindicável por este Tribunal.
A referência feita ao Acórdão nº 279/92 não se prende com o não conhecimento da questão das custas, justificando-se, como resulta da sua leitura, por aí se ter versado um caso em que também se afirmou a possibilidade de recurso para o STJ em processo de expropriação.
d) As considerações integrando esta alínea do ponto 1 - supra - e a conclusão terceira do requerimento em análise não imputam qualquer nulidade e são de todo irrelevantes face à decisão adoptada.
Para evitar equívocos e para que conste, reproduz-se na íntegra esta parte do requerimento:
'III. DECISÃO DO STJ; Proc. de Revista nº 83.464/1ª Secção/
/STJ (Doc. nº 1)
5.
O mesmo DESPACHO do Tribunal da Relação de Évora teve, quase em simultâneo, duas decisões diametralmente opostas, o que quer dizer que o DIREITO aplicado não anda nada bem.
6.
É tudo muito subjectivo: depende da vontade dos juízes, que nuns processos dizem sim e noutros dizem não, para o mesmo caso concreto, para o mesmo despacho impugnado. (Artº 668º/1/C/ do CPC).
7.
Tem-se 'experimentado' este tipo de situações e então o caminho tem sido o Tribunal de Conflitos.
8.
Neste sentido, o arguente dá aqui por reproduzido o texto da DECISÃO proferida em 30.11.92 pelo STJ (Processo de Revista nº
83.464/1ª Secção/STJ -- Doc. nº 1), a qual já transitou em julgado.'
Registe-se, apenas, que esta decisão, de que junta cópia, respeita já ao regime de recursos do novo Código das Expropriações, de
1991, e em nada contraria a jurisprudência anteriormente formulada - a que o acórdão ora reclamado se faz eco - de que, permitindo-o as alçadas, só não haveria recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em processo de expropriação quando esse recurso representasse um quarto grau de jurisdição.
e) De resto, as considerações tecidas em torno do quarto grau de jurisdição não relevam para efeitos de nulidade do acórdão, como também não é exacto que aí se tenha afirmado a existência desses quatro graus, como demonstra a seguinte passagem:
'Acrescente-se, no entanto, que no caso sub judicio a matéria constante do agravo não recebido pela decisão reclamada não se inseriu na decisão de arbitragem pelo que sempre seria recorrível para o Supremo, atendendo o valor do processo, à revelia, por conseguinte, de toda a problemática da admissibilidade do quarto grau de jurisdição.'
Trabalhava-se, então, com o Código das Expropriações de 1976 e aludira-se à doutrina emanada do assento de 24 de Julho de 1979, do STJ, distinguindo-se entre recurso da decisão de arbitragem e da decisão sobre a medida indemnizatória.
É, de resto, matéria sem qualquer relevância para o incidente suscitado - matéria que já originou um recente Acórdão deste Tribunal, o nº 278/93, de 30 de Março último, proferido no processo nº 363/92, ainda inédito mas do conhecimento do mandatário do ora requerente, que aí a suscitou também.
4.- Nestes termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se integralmente o requerimento de arguição de nulidades, de fls. 288 e segs..
Custas pelo requerente com taxa de justiça fixada em sete (7) unidades de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 1993
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
José Manuel Cardoso da Costa