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Acórdão 856/93ACÓRDÃO Nº 856/93 PROCESSO Nº 854/93
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., primeiro candidato da lista do Partido Social Democrata (PSD), nas eleições autárquicas de 12 de Dezembro corrente à assembleia de freguesia de Cervães (concelho de Vila Verde), vem interpor o presente recurso (por requerimento entrado neste Tribunal no último dia 22 de Dezembro, pelas 16.45 horas) da decisão da respectiva assembleia de apuramento geral, que, não obstante a reclamação e o protesto que apresentou, entendeu proceder à reapreciação de votos, que as assembleias de apuramento parcial haviam considerado válidos e contado para a lista que ele integrava, apesar de, nessas assembleias, a validade de tais votos não ter sido objecto de reclamação ou protesto.
Pede que a referida decisão da assembleia de apuramento geral seja 'revogada e substituída', atribuindo-se 'à lista do PSD todos os votos assim havidos pelas assembleias de voto' e determinando-se, em consequência, que a assembleia de apuramento geral 'proceda a novo apuramento de votos no qual serão considerados como votos válidos para a assembleia de freguesia de Cervães todos os que assim foram qualificados nos actos de apuramento parcial, sem terem sido objecto de reclamação'.
Alega, em síntese, o seguinte para fundamentar o seu pedido:
(a). Nas eleições de 12 de Dezembro em curso, a assembleia de voto da freguesia de Cervães (Vila Verde) era constituída por duas secções, nelas se tendo apurado os resultados seguintes:
- Secção de voto nº 1:
PSD...............320 votos; Independentes.....265 votos; Votos brancos.......5 votos; Votos nulos........15 votos;
- Secção de voto nº 2: PSD...............230 votos; Independentes.....277 votos; Votos brancos.......3 votos; Votos nulos.........2 votos;
De onde que se apuraram 550 votos a favor do PSD e 542 votos a favor da lista de Independentes;
(b). Nenhum dos 550 votos que, encerrada a votação, se contaram a favor do PSD, foram, no apuramento a que a assembleia de voto então procedeu, objecto de qualquer reclamação ou protesto;
(c). No entanto, a assembleia de apuramento geral do concelho de Vila Verde
'reapreciou a validade dos votos obtidos pela lista' do PSD, encabeçada pelo recorrente, 'tendo considerado como inválidos, por nulos, vários votos obtidos pelo PSD, que o recorrente julga terem sido em número de onze (11)';
(d). Dessa reapreciação de votos resultou que 'ocorresse igualdade no número total de votos obtidos por cada lista' e, assim, 'que a lista proposta pelo recorrente não seja a vencedora, como seria se aquela ilegalidade não existisse';
(e). O recorrente - que assistiu aos trabalhos da assembleia de apuramento geral
- 'reclamou, no acto em causa, contra os critérios então adoptados, sem que, porém, lhe fosse concedido atendimento'.
O recorrente instruiu o seu requerimento de recurso com os seguintes documentos:
(1). Fotocópia do edital das listas definitivas admitidas à eleição para a assembleia de freguesia de Cervães (Vila Verde), de onde se vê que o recorrente era o primeiro candidato do PSD;
(2). Fotocópias (certificadas) das actas das operações eleitorais relativas às secções de voto nºs 1 e 2 da dita freguesia de Cervães, de onde se verifica que os resultados obtidos por cada uma das listas concorrentes foram os atrás indicados, e que não foi aí apresentada qualquer reclamação ou protesto;
(3). Fotocópias (certificadas) dos editais, contendo o número de votos atribuídos a cada lista, os votos brancos e os votos nulos, para a assembleia de freguesia de Cervães (relativos às secções de voto nºs 1 e 2), por eles se constatando a exactidão dos números indicados pelo recorrente;
(4). Fotocópia (autenticada com o carimbo da Câmara Municipal de Vila Verde) de um requerimento (dirigido ao presidente da assembleia de apuramento geral e apresentado pelo aqui recorrente), reclamando contra a forma como se estava a fazer o apuramento, pois que se estava - diz-se aí - 'a reapreciar a validade dos votos constantes de boletins sobre os quais não incidiu reclamação ou protesto atempado';
(5). Fotocópia de um outro requerimento (com idêntica autenticação, endereço e proveniência), mas de protesto pelo facto de a assembleia de apuramento geral não ter utilizado 'um critério uniforme na verificação dos boletins de voto';
(6). Fotocópia autenticada do edital, contendo os resultados globais do apuramento das eleições para as autarquias do concelho de Vila Verde, realizadas em 12 do corrente mês de Dezembro, com certificação da respectiva afixação, feita no passado dia 21 de Dezembro, pelas 10.55 horas;
(7). Fotocópia do requerimento (dirigido ao presidente da assembleia de apuramento geral), a pedir a passagem da 'certidão, fotocópia ou cópia autenticada' de documentos vários (entre eles, a acta da assembleia de apuramento geral);
(8). Um ofício da Câmara Municipal de Vila Verde (datado de 21 de Dezembro corrente, às 12.30 horas, dirigido ao aqui recorrente), informando, entre o mais, que, 'no que respeita ao pedido de fornecimento de fotocópia autenticada da acta de apuramento geral das eleições autárquicas deste concelho, e porque os trabalhos da assembleia de apuramento apenas foram encerrados ontem, dia 20 de Dezembro pelas 18.15 horas, tornara-se, humana e materialmente impossível ter, nesta data, concluído aquele documento, pelo que o mesmo estará pronto para entrega no próximo dia 23 no período da manhã'.
O recorrente, impossibilitado de apresentar juntamente com o requerimento de recurso, a certidão da acta de apuramento geral, protestou juntá-la logo que a mesma lhe fosse entregue.
Não obstante a entrega da cópia da acta do apuramento geral ter sido prometida para o dia 23 de Dezembro de 1993, 'no período da manhã', a mesma só veio a ser entregue nesse dia 23, pelas 16.35 horas, como resulta de declaração passada pelo Chefe da Repartição Financeira da Câmara Municipal de Vila Verde, datada de 23, junta aos autos.
Em 24 de Dezembro de 1993, pelas 14.32 horas, enviou o recorrente, a referida cópia da acta do apuramento geral por fax, que foi recebido pelas 14.38 horas. E, em 27 de Dezembro, às 9 horas, fez entrega do original de tal documento na secretaria deste Tribunal, o qual traz anexadas cópias de vários documentos, sendo de destacar - para além das do edital, reclamação e protesto já atrás referidas - as seguintes:
(a). De um requerimento do mandatário da lista de independentes concorrente à assembleia de freguesia de Cervães (B.), pedindo a 'recontagem e reanálise dos boletins considerados válidos relativos àquela eleição' [a da assembleia de freguesia de Cervães];
(b). De um edital, datado de 23 de Dezembro (com certificação de afixação desse dia, 'pelas dezasseis'), anunciando que os resultados das eleições da autarquia
'são os que constam da respectiva acta de apuramento geral';
(c). De um mapa com os resultados da eleição para a assembleia de freguesia de Cervães, do qual consta que o PSD obteve 538 votos, a lista de Independentes,
538 votos também, tendo-se registado 7 votos brancos e 34 votos nulos.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. O recurso vem interposto de uma decisão proferida sobre uma reclamação apresentada na assembleia de apuramento geral contra uma ilegalidade que - alega o reclamante - aí fora cometida (cf. artigo 103º, nº 2, do Decreto- Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro), sendo que a sua interposição teve lugar dentro do prazo de 48 horas, marcado pelo artigo 104º, nº 1, do mesmo decreto-lei para o efeito.
O recorrente - para além de ter sido quem reclamou, na assembleia de apuramento geral, contra o que considerou ser uma ilegalidade aí cometida - é o primeiro candidato da lista do PSD, concorrente à eleição.
Tem ele, por isso, legitimidade para recorrer da decisão proferida sobre a reclamação apresentada (cf. artigo 103º, nº 2, do citado Decreto-Lei nº 701-B/76).
A petição de recurso especifica os respectivos fundamentos de facto e de direito. E, mais do que isso, veio acompanhada dos elementos de prova que o recorrente, com ela, pôde juntar.
De facto, o recorrente, com a petição, apenas não juntou a cópia ou fotocópia da acta da assembleia de apuramento geral, como exige o nº
3 do citado artigo 103º.
Essa omissão ficou, no entanto, a dever-se ao facto de tal documento lhe não ter sido passado, em virtude de, em 21 de Dezembro, pelas
12.30 horas, ainda não ter sido lavrada a acta da assembleia de apuramento geral, não obstante o edital (contendo os resultados aí apurados) haver sido afixado nesse dia 21, pelas 10.45 horas. (Registe-se que, posteriormente, em 23 de Dezembro, 'pelas dezasseis', se procedeu a nova afixação de um edital, datado desse dia).
Essa cópia da acta - que o Presidente da Câmara de Vila Verde prometeu entregar ao recorrente, no dia 23 de Dezembro, 'no período da manhã' - veio a ser-lhe entregue nesse dia, pelas 16.35 horas e o recorrente veio a enviá-la para este Tribunal, por fax, no dia 24, e a apresentá-la na secretaria, no dia 27, pelas 9 horas, como se referiu.
4. Este Tribunal decidiu, no Acórdão nº 5/90 (Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1990) que 'ainda que se entenda que eles
[refere-se aos documentos de prova que devem acompanhar a petição de recurso] podem não acompanhar a petição, não poderão os mesmos ser aceites para além do prazo que o próprio Tribunal tem para decidir o recurso' - prazo que, nos termos do nº 2 do artigo 104º do mesmo Decreto-Lei nº 701-B/76, é de 48 horas.
Por isso, tendo a petição de recurso dado entrada na secretaria deste Tribunal no dia 22 de Dezembro, pelas 16.45 horas, o prazo
(para a referida cópia da acta da assembleia geral ser aqui entregue) terminava
às 17.45 horas do dia 24 de Dezembro, pois, no caso, não é imputável ao recorrente a não junção da mesma juntamente com a petição de recurso (cf. Acórdão nº 10/90, in Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1990) e o prazo, sendo de horas, conta-se hora a hora, com exclusão da hora inicial [cf. artigo 279º, alínea b) do Código Civil].
Embora o facto de o dia 24 ser dia de tolerância de ponto não importar, só por isso, que o termo daquele prazo se protraísse (cf. Acórdãos nºs 617/89 e 621/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º volume, 1989, páginas 651 a 657, respectivamente), a verdade é que, encerrando as secretarias judiciais ao público às 17 horas (cf. artigo 3º, nº 5, do decreto-lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 364/93, de 22 de Outubro), o prazo de 48 horas para entrega do documento em causa terminou já depois da hora do seu encerramento. Por isso, como dia 25 foi feriado (dia de Natal) e o dia 26 foi domingo, o termo do referido prazo transferiu-se para o dia 27 (2ª feira), pela hora de abertura da secretaria
[cf., entre outros, o Acórdão nº 611/89, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º volume (1989),página 623].
Ora, a cópia da acta da assembleia de apuramento geral - depois de ter sido enviada, por fax, no dia 24, pelas 14.32 horas - foi entregue na secretaria deste Tribunal, no dia 27 de Dezembro, às 9 horas - portanto, em prazo.
5. Os recursos interpostos ao abrigo do disposto no artigo 103º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 701-B/76 podem ter por objecto, seja a apreciação de irregularidades da votação (com vista à anulação desta), seja a apreciação de irregularidades do apuramento dessa mesma votação, visando-se, então, 'primariamente, a correcção - ou, ao menos, a anulação - do apuramento
(mas sem que, todavia, deva excluir-se à priori, e liminarmente, a possibilidade de nalgum caso a sua procedência ter antes de conduzir àquele outro resultado)': cf. Acórdão nº 332/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º volume, 1985, página 1173).
No presente caso, o que se pretende é - como se disse atrás - a apreciação de uma irregularidade ocorrida na assembleia de apuramento geral, consistente no facto de esta ter reapreciado 'a validade dos votos obtidos pela lista' do PSD, encabeçada pelo recorrente, 'tendo considerado como inválidos, por nulos, vários votos obtidos pelo PSD, que o recorrente julga terem sido em número de onze (11)', de onde resultou 'igualdade no número total de votos obtidos por cada lista' e, bem assim, que 'a lista proposta pelo recorrente não seja vencedora, como seria se aquela ilegalidade não existisse'.
Tal irregularidade (a da decisão de recontagem) foi, como se disse, e exige o artigo 103º, nº 1, reclamada pelo recorrente no decurso da assembleia de apuramento geral.
Na verdade, ele contestou, aí, o facto de se estar 'a reapreciar a validade dos votos constantes de boletins sobre os quais não incidiu reclamação ou protesto atempado'.
A decisão de 'recontagem e análise dos votos' para a assembleia de freguesia de Cervães foi adoptada, deferindo um requerimento apresentado pelo mandatário da lista de 'Independentes para o Progresso de Cervães'.
Dessa recontagem, resultou terem- se apurado - como se viu - 538 votos para o PSD (nos apuramentos parciais, eram 550) e 538 votos para a lista dos independentes (nos apuramentos parciais, eram 542 votos). O PSD ficou, assim, com menos 12 votos do que tinha sido apurado pelas respectivas assembleias de voto e a lista de independentes com menos 4 votos.
Em contrapartida, nos apuramentos parciais, tinham-se contado 17 votos nulos e, agora, contaram-se 34 (mais 17, portanto), tal como se havia constatado a existência de 8 votos brancos, sendo, agora, apenas 7 (menos
1, por conseguinte).
Significa isto que os 16 votos que a assembleia de apuramento geral anulou (12 ao PSD e 4 à lista de independentes) correspondem a
16 votos nulos que ela contou a mais. O outro voto nulo por si contado a mais
(contou a mais - recorda-se - 17) corresponde a 1 voto que contou a menos nos votos brancos (eram 8 e passaram para 7).
Nas assembleias de apuramento parcial não houve votos reclamados ou protestados, como confirma o teor das actas das operações eleitorais das secções de voto (1ª e 2ª) da freguesia de Cervães, de que o recorrente juntou cópia.
Ora, a propósito do artigo 97º, do Decreto-Lei nº
701-B/76 - que é a norma que, conjugada com a do artigo 90º do mesmo diploma legal, o caso convoca - escreveu-se no Acórdão nº 322/85 deste Tribunal
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º volume, 1985, página 1113) o seguinte:
De harmonia com este preceito a assembleia de apuramento geral deverá analisar os boletins de voto nulos e adoptar um critério uniforme, decidindo também se devem ou não contar-se os boletins de voto sobre os quais tenha recaído reclamação ou protesto. Parece dever extrair-se deste normativo que os votos havidos por válidos pelas assembleias de apuramento parcial e relativamente aos quais não foi apresentada qualquer reclamação pelos delegados das listas (cf. artigo 89º, nº 4) se tornam definitivos, não podendo ser objecto de reapreciação e modificação da sua validade. Na verdade, a distinção entre operações preliminares (artigo 97º), nas quais se analisam os boletins de voto com votos nulos e os boletins de voto sobre que tenha recaído reclamação ou protesto, e operações de apuramento geral (artigo
98º), em que se procede, além do mais, à verificação do número total de votos obtidos por cada lista, dos votos em branco e do número de votos nulos, indicia que as operações de análise material dos boletins de voto em ordem à sua aceitação ou rejeição apenas se reporta aos que são referenciados no artigo 97º
(votos nulos e votos que foram objecto de reclamação). Neste domínio, como em outros do processo eleitoral, funciona o princípio da aquisição progressiva dos actos por forma que os diversos estágios, depois de consumados e não contestados no tempo útil para tal concedido, não possam ulteriormente, quando já se percorre uma etapa diversa do iter eleitoral, vir a ser impugnados; é que a não ser assim, o processo eleitoral, delimitado por uma calendarização rigorosa, acabaria por ser subvertido mercê de decisões extemporâneas, que, em muitos casos, determinaria a impossibilidade de realização de actos eleitorais.
(Cf. também o Acórdão nº 610/89, in Acórdãos cit., 14º volume, página 619).
De acordo com esta jurisprudência, que se não vê deva ser alterada, os votos que as assembleias de apuramento parcial considerarem válidos só podem ser reapreciados ou recontados pela assembleia de apuramento geral, no caso de os mesmos terem sido objecto de reclamação ou protesto no momento da contagem dos votos no respectivo apuramento parcial. Caso contrário
(isto é, não tendo eles então sido objecto de reclamação ou protesto), tornam-se definitivos, não podendo a sua validade ser objecto de qualquer reapreciação pela assembleia de apuramento geral.
Aplicando esta doutrina ao caso sub iudicio, há que concluir pela invalidade da decisão da assembleia de apuramento geral do concelho de Vila Verde, que conduziu à recontagem (e, assim, à reapreciação da validade) dos votos que haviam sido considerados válidos, nas operações de apuramento parcial levadas a cabo nas 1ª e 2ª secções de voto da freguesia de Cervães.
Tais votos - aqueles que as assembleias de apuramento parcial da freguesia de Cervães consideraram válidos, mas que, depois, a assembleia de apuramento geral do concelho de Vila Verde considerou nulos, num total de 16 (dezasseis) - hão-de, por isso, ser considerados válidos no novo apuramento a que esta última assembleia tem que proceder.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). conceder provimento ao recurso e ordenar, em consequência, que a assembleia de apuramento geral do concelho de Vila Verde proceda a novo apuramento dos votos da freguesia de Cervães, considerando como votos válidos aqueles que, nos apuramentos parciais, foram como tais qualificados sem qualquer reclamação ou protesto;
(b). ordenar que, para o efeito, se lhe remeta cópia deste acórdão.
Lisboa, 28 de Dezembro de 1993
Messias Bento Antero Alves Monteiro Dinis António Vitorino Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca Bravo Serra Maria da Assunção Esteves Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa