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Proc. Nº 149/93 Sec. 1ª Rel. Cons.Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - O Ministério Público no Tribunal Judicial da comarca de Montemor-o-Novo requereu o julgamento em tribunal singular, nos termos do artigo 16º, nº 3, do Código de Processo Penal, de A., imputando-lhe a co-autoria material de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 296º e 297º, nº 2, alínea c), do Código Penal, por se ter deslocado à Herdade de ------------------, sita em -----------------, ------------------, com a finalidade de colher pinhas de pinheiro manso, tendo, com o auxílio de uma vara com um gancho, colhido as pinhas existentes nos pinheiros da referida propriedade, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário, B., que o surpreendeu quando já tinha em seu poder
200 pinhas, avaliadas em 6000$00.
Não obstante a medida abstracta da pena cominada para tal ilícito ser superior a três anos de prisão, (prisão de um a dez anos), o Magistrado do Ministério Público requereu, ao abrigo do artigo 16º nº3 do Código do Processo Penal, que o julgamento do arguido se efectuasse em processo comum perante o Tribunal singular, com o fundamento de que o arguido não tinha antecedentes criminais e ter sido recuperado totalmente o objecto da apropriação, o que tudo justificaria que a pena em concreto aplicável não fosse superior a três anos de prisão.
2. - O Juiz daquele Tribunal de comarca porém, por despacho de 24 de Novembro de 1992, declarou-se incompetente para proceder ao julgamento com fundamento em que a norma do artigo 16º, nº 3 do Código do Processo Penal, era inconstitucional, por violação dos artigos 32º, nº7, 205º e
206º da Constituição, recusando assim a sua aplicação.
3. - De tal despacho recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, tendo sido juntas as alegações produzidas pelo Exmo. Procurador-Adjunto nas quais formulou as seguintes conclusões:
' 1º A norma do nº3 do artigo 16º do Código de Processo Penal não viola qualquer norma ou princípios constitucionais;
2º Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.'
O arguido não apresentou qualquer alegação.
Tendo havido mudança de Relator, por vencimento, e dispensa de vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
4.- A questão da compatibilidade constitucional da norma
ínsita no nº 3 do artigo 16º do vigente Código de Processo Penal tem sido objecto de profusa análise por banda deste Tribunal, tendo este órgão de administração de justiça, a tal propósito, lavrado inúmeros arestos nos quais sempre tem concluído (embora, em alguns, com votos discordantes) por que tal norma não viola qualquer norma ou princípio constantes da Lei Fundamental.
Neste sentido, e a título exemplificativo, citem-se os Acórdãos números 393/89 (Diário da República, 2ª Série, de 14-SET-89), 435/89
(idem, idem, de 21-SET-89), 455/89, 465/89 (idem, idem de 30-JAN-90), 466/89,
467/89, 41/90, 43/90, 44/90 (idem, idem, de 4-JUL-90), 48/90 (idem, idem de
11-JUL-90), 95/90, 96/90, 97/90, 100/90, 101/90, 102/90, 137/90 (idem, idem, de
7-SET-90), 140/90, 142/90, 143/90 (idem, idem, de 7-SET-90), 145/90, 147/90,
164/90, 165/90, 166/90. 167/90, 168/90, 178/90, 183/90, 195/90, 197/90, 206/90,
208/90, 217/90, 218/90, 219/90, 220/90, 226/90, 252/90, 269/90, 276/90, 282/90,
291/90, 293/90, 296/90, 297/90, 301/90, 319/90, 320/90, 326/90, 327/90, 328/90,
335/90, 5/91, 9/91, 11/91, 24/91, 28/91, 31/91, 35/91, 41/91, 43/91, 45/91,
46/91, 47/91, 50/91, 78/91, 79/91, 169/91, 170/91, 171/91, 212/91, 214/91,
281/91, 300/91, 301/91, 302/91, 303/91, 304/91, 305/91, 306/91, 307/91, 308/91,
309/91, 310/91, 311/91, 312/91, 313/91, 314/91, 385/91, 436/91, 455/91, 456/91,
27/92 e exposição prévia do Relator, 216/92, 295/92, 339/92 e 291/93 (estes ainda inéditos).
5. - Nesses acórdãos tem sido defendido que a norma em apreciação não viola, designadamente, os princípios da «reserva de juiz», da
«legalidade penal», da «legalidade da acção penal», da «igualdade», do «juiz natural», das «garantias de defesa em processo criminal» e da «estrutura acusatória do processo penal», não violando, ainda, as funções cometidas pela Constituição da República ao Ministério Público.
6. - Dada a exemplificação acima efectuada, seria fastidioso estarem aqui a retomar-se os considerandos e toda a argumentação aduzida por este Tribunal e que conduziu às decisões constantes dos aludidos acórdãos, pelo que, neste particular, apenas se remete para aquilo se neles se contém.
7. - Acrescentar-se-á, por último, que não se vislumbra que a norma em crise, de idêntico modo, colida com a alínea c) do nº 1 do artigo
168º da Constituição.
Na verdade, o Ministério Público, ao recorrer àquela norma, obviamente não define qualquer infracção ou pena concreta a cominar e, logo, não legisla na matéria.
Antes, e pelo contrário, ao efectuar esse recurso, está a actuar funcionalmente de acordo com um comando que lhe é imposto pela lei, após a ponderação do circunstancionalismo rodeador da infracção.
III - DECISÃO:
Nestes termos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser reformulado em conformidade com o aqui decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 1993.05.11
Vítor Nunes de Almeida
Antero Alves Monteiro Dinis
Armindo Ribeiro Mendes
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves (com a declaração de voto aposta ao Acórdão nº 212/91, D.R., II Série, nº 211, de 13.9.1991)
Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta ao Acórdão nº 393/89)