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Processo nº 150/92
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A., identificada nos autos, propôs no Tribunal de Trabalho de Lisboa, em 14 de Julho de 1989, acção declarativa com processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho contra B., (E.P.), com sede nesta cidade, pedindo a revogação da sanção de despedimento com justa causa que lhe foi aplicada, por deliberação do Conselho de Gerência da respectiva entidade patronal, de 14 de Julho de 1988 - processo disciplinar - declarando-se a ilicitude do seu despedimento e condenando-se a ré a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as prestações vencidas, no montante de 820.764$00, e vincendas até final.
Pediu simultaneamente a concessão do benefício de apoio judiciário, atribuindo à acção o valor de 2.000.001$00.
A demandada contestou oportunamente, concluindo dever a acção ser julgada improcedente e não provada e a ré absolvida do pedido.
Malograda a tentativa de conciliação ocorrida a 8 de Maio de 1990, por despacho de 5 de Julho seguinte fixou-se o valor da causa em 1.320.764$00, passando a acção a seguir a tramitação sumária.
Por sentença de 24 de Maio de 1991, foi a acção julgada procedente por provada e, em consequência, declarado nulo o despedimento e condenada a ré a reintegrar a autora no respectivo posto de trabalho, com a antiguidade que lhe pertencia e a pagar-lhe as prestações que deveria ter auferido desde 15 de Julho de 1988 até essa data e os juros de mora que explicita.
Inconformada, recorreu a B. para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição do pedido, o que fez em 5 de Julho de 1991.
Em 7 de Outubro seguinte a autora veio requerer a aplicação ao concreto caso da amnistia constante da alínea ii) - por manifesto lapso refere alínea i) - do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho.
Notificada, a B. veio alegar a inconstitucionalidade dessa norma que, em seu entender, viola o disposto nos artigos 13º, 62º, nº 1, 81º, alínea c), e 82º, nº 2, da Constituição da República (CR).
Suscitada a questão, o Senhor Juiz, por despacho de
6 de Fevereiro de 1992, concluiu pela inconstitucionalidade material da dita alínea, violando o preceituado nos artigos 3º, nº 3, 61º, nº 1, e 13º da CR, assim recusando a aplicação da norma em causa.
2.- Tendo presente os artigos 70º, nº 1, alínea a), 72º, nº 3, e 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Senhor Delegado do Procurador da República no Tribunal de Trabalho de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional dessa decisão.
Igualmente o fez a autora, ambos os recursos tendo sido admitidos por despacho de 6 de Março de 1992, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal concluiu do seguinte modo as suas alegações:
'1.- A parte final da alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho ('por decisão definitiva e transitada'), deve considerar-se juridicamente inexistente porque não foi votada e aprovada na Assembleia da República, antes acrescentada em sede de redacção final com extravasamento dos limites regimentais, pois, implicando um alargamento do universo dos amnistiáveis, não se cingiu ao aperfeiçoamento da sistematização e/ou do estilo do texto do diploma
2.- Devem, assim, considerar-se excluídas da amnistia as infracções disciplinares dos trabalhadores das empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos puníveis ou punidas com despedimento;
3.- Caso assim se não entenda, deve a aludida norma, apenas na parte em que amnistia infracções sancionadas com despedimento, ser julgada inconstitucional por violação do princípio do Estado de direito democrático.'
A recorrente A., por sua vez, formulou as seguintes conclusões:
'a) 'Na concessão de amnistias a A.R. goza de uma ampla margem de discricionariedade quanto à oportunidade, à extensão e ao alcance da amnistia, considerando-se esta justificada sempre que não se apresente patentemente arbitrária e inconsequente, podendo fundar-se em motivos festivos ou celebrativos ou em qualquer outro motivo de conveniência ou oportunidade política' - do Parecer em epígrafe.
b) 'As infracções disciplinares no âmbito das empresas públicas (lato sensu) não são radicalmente distintas, sob o ponto de vista da amnistia, das infracções disciplinares da função pública, pelo que limitando ao campo das empresas públicas e equiparadas, esta amnistia não atenta contra o direito da propriedade nem expropria o poder disciplinar na empresa, nem molesta a liberdade de empresa' - conforme resulta da lição do Parecer em referência.
c) A tudo acresce o facto da 'amnistia em apreço não infringir o princípio da igualdade quando contempla apenas os trabalhadores das empresas públicas e equiparadas, com exclusão dos das empresas privadas dada a real diferença de posição das respectivas empresas perante o Estado', conforme também decorre do ensinamento, que perfilhamos, ínsito no douto Parecer supra citado.'
Em sua tese, deve revogar-se a decisão recorrida, concedendo-se provimento ao seu recurso.
E a recorrida B., concluiu por seu turno:
'1.- Inexiste a norma estabelecida na última parte da al. ii) do artº 1º da Lei nº 23/91, de 4/7, que amnistia os despedimentos, por não haver sido votada pela Assembleia da República mas acrescentada pela Comissão de Redacção.
Caso, porém, assim se não entenda,
2.- A mesma norma está ferida de inconstitucionalidade material por ofensa ao princípio do Estado de direito democrático, pelo que deve declara-se a sua inconstitucionalidade e consequente inaplicabilidade ao caso 'sub judice' que versa um despedimento.
3.- Em qualquer caso a aludida norma é inconstitucional materialmente por ofensa, pelo menos, do princípio da igualdade estabelecida no artº 13º da Constituição ofendendo ainda os artºs. 62, nº 1, 81, al. c) e 82, nº
1 também da Constituição.'
3.- Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1.- Constitui objecto do presente recurso a questão de constitucionalidade da norma do artigo 1º, alínea ii), da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, que prescreve:
'Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
------------------------------------
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quanto constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada;
----------------------------------.'
2.- A norma transcrita já foi objecto de apreciação por este Tribunal, em sessão plenária, em hipótese semelhante à dos presentes autos:
tratava-se, então, como agora, de um trabalhador da mesma entidade patronal a quem foi aplicada a sanção disciplinar de despedimento.
Com efeito, sobre esse caso, em sede de fiscalização concreta, recaiu o Acórdão nº 153/93, de 3 de Fevereiro último, proferido ao abrigo do disposto no artigo 79º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), publicado na II Série do Diário da República, de 23 de Março de 1993.
Entende-se ser de reafirmar, no caso sub judicio, a orientação assumida no citado acórdão, para cuja fundamentação se remete.
Assim - e nomeadamente - considera-se que a parte final da norma em causa não é juridicamente inexistente, como se defende nas alegações do Ministério Público.
De igual modo, e como também se desenvolve naquele acórdão, não se vê que a diferenciação de tratamento, entre trabalhadores do sector público e do sector privado, seja arbitrária e irrazoável, por alegada violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição da República.
Por seu lado, a opção do legislador não desrespeita as normas constitucionais invocadas pela recorrida: a medida concretizada no preceito normativo em análise respeita, apenas, às empresas públicas ou de capitais públicos, pelo que, a essa luz, e como se fundamenta no acórdão nº
153/93, não se representam convocáveis os artigos 62º, nº 1, 81º, alínea c), e
82º, nº 1, da Lei Fundamental. Como então se escreveu, 'não há qualquer ofensa da garantia da 'propriedade privada' das empresas públicas, seja qual for o sentido que tal expressão possa assumir', considerações essas que, naturalmente, se devem considerar extensíveis a todas as normas invocadas pela recorrida B., não obstante não serem precisamente as mesmas que constituiram objecto de apreciação naquele aresto.
III
Nestes termos, e pelos fundamentos invocados, decide-se conceder provimento aos recursos, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser reformulada em conformidade com o julgamento que aqui se faz em matéria de constitucionalidade.
Lisboa, 11 de Maio de 1993
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Luís Nunes de Almeida