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Procº nº 21/91 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. O Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 e da alínea d) do nº
2 da Constituição e do artigo 51º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº
28/82, de 15 de Novembro), a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da Portaria nº 399/87, de 13 de Maio.
O pedido vem alicerçado nos seguintes fundamentos:
a) A Portaria nº 399/87, aprovada pelos Ministros das Finanças e da Indústria e Comércio, visou, com apoio expresso no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 38/84, de 2 de Fevereiro, incrementar o uso do carvão como fonte primária de energia, assegurando à empresa A. os meios financeiros necessários à continuidade da sua exploração.
b) A portaria em causa contém uma fórmula de cálculo do preço de venda do carvão cujo teor aqui se dá por reproduzido.
c) Fórmula aplicada a partir de 1/1/1987, com revogação das Portarias nºs 276/84, de 4 de Maio, e 241/86, de 23 de Maio.
d) Só que não abrange a B., apesar de se tratar da empresa que explora e vende carvão, quase na totalidade à C., no
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e) Isto sendo certo que a base legal da Portaria nº 399/87, ou seja, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 38/84, de 2 de Fevereiro, apenas concedia poderes aos Ministros das Finanças, da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo para aprovar fórmulas para o cálculo de preços dos combustíveis sólidos, líquidos e gasosos.
f) Sem se reportar, sequer, à necessidade de aproveitamento de energias alternativas, designadamente do carvão.
g) E muito menos à concessão de benefícios à A. no plano financeiro, para assegurar o seu funcionamento.
h) Limitando-se, como se impunha face à natureza do diploma, a conferir poderes gerais e abstractos para a fixação de preços dos combustíveis sólidos, líquidos e gasosos.
i) Refira-se, por outro lado, que as portarias revogadas (nºs. 276/84, de 4/5, e 241/86, de 23/5), ambas aprovadas ao abrigo daquele Decreto-Lei 38/84, se referiam, com inteira observância dos requisitos da abstracção e generalidade, aos 'preços de venda do carvão extraído na bacia carbonífera do Douro à saída das instalações mineiras'.
j) Sem qualquer discriminação de empresas operando na área em questão.
l) Discriminação que poderia ter sido superada, caso tivesse sido acolhida a proposta que, em devido tempo, este órgão do Estado formulou no sentido de ser alargado o âmbito da Portaria nº 399/87 a todas as empresas actuando na bacia carbonífera do Douro.
m) Não tendo assim sucedido, persistiu a situação de ilegalidade da Portaria nº 399/87, por evidente desrespeito do Decreto-Lei nº 38/84 (artº 1º), no que se refere à fixação de preço especial de venda à A..
n) E também uma flagrante situação discriminatória de empresas do mesmo ramo, operando na mesma zona e até para o mesmo cliente.
o) Há que concluir, pois, que a Portaria nº
399/87 não só carece da indispensável base legal de apoio, como estabelece uma diferenciação de tratamento entre empresas desprovida de qualquer suporte materialmente adequado, isto é, apoiada em razões aceitáveis sob os pontos de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade.
p) Verifica-se, assim, uma flagrante violação, pela Portaria nº 399/87, do artigo 13º da Constituição, sabido que as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza (artigo 12º, nº 2, da Constituição).
q) E também da alínea f) do artigo 81º da Constituição, porque atenta contra a equilibrada concorrência entre empresas que ao Estado compete assegurar.
r) Assim sendo, e concluindo, a Portaria nº
399/87 de 13/5, é não só ilegal, por não respeitar o Decreto-Lei nº 38/84, mas também materialmente inconstitucional, por ofender os artigos 13º e 81º, alínea f), da Constituição.
Nestes termos, deve ser declarada a inconstitucionalidade da Portaria nº 399/87, de 13 de Maio, com todas as legais consequências.
2. Admitido o pedido, foi notificado ao Primeiro-Ministro para, querendo, sobre ele se pronunciar, no prazo de 30 dias, nos termos dos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, tendo o mesmo, na sua resposta, oferecido o merecimento dos autos.
3. A requerimento do relator, enviou o Provedor de Justiça a este Tribunal fotocópia dos elementos constantes do processo organizado nos serviços da Provedoria de Justiça com base numa queixa apresentada pela B., na qual é solicitada a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade da Portaria nº 399/87.
4. Tudo visto e ponderado, cumpre, então, apreciar e decidir, começando por analisar a questão de saber se existe interesse jurídico relevante no conhecimento do pedido.
II - Fundamentos.
5. A Portaria nº 399/87, de 13 de Maio, foi emitida ao abrigo do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 38/84, de 2 de Fevereiro - o qual determina que 'as fórmulas para o cálculo dos preços de combustíveis sólidos, líquidos e gasosos serão estabelecidos por portaria dos Ministros das Finanças e do Plano, da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo'. Nos prolegómenos justificativos do seu articulado, começa por afirmar-se que a descida do preço internacional do fuelóleo tornou conveniente alterar os pressupostos que tinham conduzido ao restabelecimento da fórmula de cálculo do preço máximo de venda do carvão extraído na bacia carbonífera do Douro (fórmula que constava da Portaria nº 276/84, de 4 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 241/86, de 23 de Maio), salientando-se, de seguida, que, 'mantendo-se a necessidade de incrementar o uso do carvão como fonte primária de energia, importa assegurar à empresa A., os meios financeiros necessários à continuidade da sua exploração, valorizando o carvão produzido por esta empresa no ponto de indiferença para a C., do consumo de carvão da A. face ao combustível alternativo na mesma zona do diagrama de produção de electricidade'.
A referida Portaria é composta por quatro números, cujo conteúdo é o seguinte:
'1º. O preço de venda pela A. à C. do carvão extraído na bacia carbonífera do Douro, à saída das instalações mineiras, será calculado pela seguinte fórmula:
Pc = (0,606 - 51.1) x 182 - 2C x Pf
Kt 91+H
onde:
Pc= preço do carvão em escudos por tonelada como recebido;
Kt= vendas anuais de carvão da A. à C. em milhares de toneladas, para vendas superiores a 185 000 t e inferiores a 250 000 t. Para vendas iguais ou inferiores a 185 000 t,
Kt= 185. Para vendas iguais ou superiores a 250 000 t,
Kt= 250;
C= teor em percentagem de cinzas no carvão como recebido;
H= teor em percentagem de humidade no carvão como recebido;
Pf= preço de compra fixado para a C. da tonelada de fuelóleo de 3,5% de teor de enxofre fornecido a granel nas instalações das companhias distribuidoras em Lisboa, Matosinhos e Sines, deduzido do IVA.
2º. A fórmula é aplicável para valores de C inferiores a 50% e de H inferiores a 15%. Para além destes valores o preço do carvão poderá ser estabelecido contratualmente, assim como serão também estabelecidas contratualmente as restantes condições de venda.
3º. A presente fórmula será aplicada a partir de 1 de Janeiro de 1987.
4º. São revogadas as Portarias nºs. 276/84, de
4 de Maio, e 241/86, de 23 de Maio'.
6. Importa apontar, breviter, duas notas, antes de se abordar a questão da revogação da Portaria acima transcrita.
6.1.A primeira tem a ver com o facto de não caber na competência do Tribunal Constitucional o conhecimento do eventual vício de ilegalidade stricto sensu que o requerente aponta à Portaria nº 399/87, o qual se traduzirá, na óptica do Provedor de Justiça, na violação por aquela do
âmbito material da habilitação normativa constante do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 38/84. O controlo jurisdicional da observância pela Administração, quando esta pratica actos administrativos ou quando emite regulamentos, dos limites legais é algo que está reservado aos tribunais administrativos e fiscais [cfr. o artigo 214º da Constituição e os Decretos-Leis nºs. 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos)].
Ao Tribunal Constitucional compete apenas o conhecimento dos vícios de inconstitucionalidade das normas e dos vícios de ilegalidade das normas expressamente apontados na Constituição, isto é, vícios de ilegalidade qualificada. São eles: a ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado; a ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral da República; e a ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto.
6.2. A segunda nota prende-se com a ideia de que não constitui óbice à sujeição ao controlo de constitucionalidade por parte deste Tribunal da Portaria nº 399/87 a consideração de que esta não possui as duas notas típicas definidoras de uma norma jurídica, em sentido material: a generalidade e a abstracção. Com efeito, o Tribunal Constitucional vem adoptando, na sequência do anteriormente sufragado pela Comissão Constitucional, um conceito funcional e formal de 'norma', referindo que, para o efeito de fiscalização da constitucionalidade, aquele conceito não abrange apenas os preceitos de natureza geral e abstracta, mas inclui todo e qualquer acto do poder público que contiver uma 'regra de conduta' para os particulares ou para a Administração, um 'critério de decisão' para esta última ou para o juiz ou, em geral, um 'padrão de valoração de comportamento' [cfr., inter alia, os Pareceres da Comissão Constitucional nºs. 3/78, 6/78 e 13/82 (in Pareceres da Comissão Constitucional, Vol. IV, p. 221 ss., e p. 303 ss., e Vol. XIX, p. 149 ss.) e os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 26/85, 63/91, 146/92 e 255/92, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Abril de 1985, 3 de Julho de 1991, 24 de Julho de 1992 e 26 de Agosto de 1992, respectivamente ].
Ora, independentemente da caracterização material da Portaria nº 399/87, o certo é que ela contém uma 'regra de conduta', definida por um órgão administrativo, cujos destinatários imediatos são a A. e a C., na medida em que fixa o preço de venda pela primeira à segunda do carvão extraído na bacia carbonífera do Douro, à saída das instalações mineiras, moldando, assim, o conteúdo dos contratos celebrados entre aquelas duas empresas. E isto é quanto basta para considerar a referida portaria como um acto
'normativo', cuja validade deve ser aferida em face da Constituição e, por isso, sujeito ao controlo jurisdicional de constitucionalidade.
7. A Portaria nº 399/87 foi, entretanto, revogada. Com efeito, a Portaria nº 559-B/89, de 18 de Julho - emitida também ao abrigo do Decreto-Lei nº 38/84, de 2 de Fevereiro - veio estabelecer, no seu nº
1º, os preços máximos dos combustíveis líquidos, para vigorarem no continente a partir das 0 horas do dia 19 de Julho de 1989, entre os quais o preço máximo do fuelóleo. Esta mesma Portaria veio, porém, prescrever que 'para as empresas cuja actividade principal seja a produção de energia eléctrica os preços serão livres'.
Ora, tendo a Portaria nº 559-B/89 determinado a liberalização dos preços dos combustíveis, entre os quais o fuelóleo, adquiridos pelas empresas cuja actividade principal seja a produção de energia eléctrica, nas quais se inclui a C., e sendo a fórmula de cálculo do preço de venda do carvão da A. à C., estabelecida no nº 1º da Portaria nº 399/87, constituída pelo parâmetro Pf, que era igual ao preço de compra fixado
(administrativamente) para a C. da tonelada de fuelóleo de 3,5% de teor de enxofre fornecido a granel nas instalações das companhias distribuidoras em Lisboa, Matosinhos e Sines, deduzido do IVA, parece legítimo considerar-se tacitamente revogada a Portaria nº 399/87, de 13 de Maio, dada a incompatibilidade entre o novo regime trazido pela Portaria nº 559-B/89 e o prescrito por aquela.
Importa salientar que a tese sufragada por este Tribunal da revogação (tácita) da Portaria nº 399/87, em consequência da liberalização do preço do fuelóleo para as empresas cuja actividade principal seja a produção de energia eléctrica, operada pelo nº 1º da Portaria nº
559-B/89, coincide com a opinião defendida na Informação nº 260/90, de 6 de Setembro, da Direcção-Geral de Energia, a qual foi comunicada, na sequência do despacho do Secretário de Estado da Energia de 11 de Setembro de 1990, ao Provedor de Justiça, documento esse que consta do processo remetido a este Tribunal por esta última entidade.
8. Alcançada a conclusão de que as normas da portaria objecto do presente processo estão revogadas, importa referir que não subsiste interesse jurídico relevante no conhecimento da sua constitucionalidade.
É certo que a revogação de uma norma não obsta, só por si, à sua eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral. Isto porque, enquanto a revogação tem, em princípio, uma eficácia prospectiva (ex nunc) a declaração de inconstitucionalidade de uma norma tem, por via de regra, uma eficácia retroactiva (ex tunc) [cfr. o artigo
282º, nº 1, da Constituição]. Daí que, neste último caso, possa haver interesse na eliminação dos efeitos produzidos medio tempore (cfr. o Acórdão nº 238/88, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Dezembro de 1988).
Constitui, com efeito, jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal 'que haverá interesse na emissão de tal declaração, justamente toda a vez que ela for indispensável para eliminar efeitos produzidos pelo normativo questionado, durante o tempo em que vigorou e essa indispensabilidade for evidente, por se tratar da eliminação de efeitos produzidos constitucionalmente relevantes (cfr. os Acórdãos nºs. 17/83, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. I, p. 93 ss., 103/87, publicado no Diário da República, I Série, de 6 de Março de 1987, 238/88, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Dezembro de 1988, 73/90, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1990, 135/90, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1990, e 465/91, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 1992).
No caso sub judicio, não subsiste, porém, interesse jurídico relevante na eventual declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas da Portaria nº 399/87. Na verdade, ainda que este Tribunal viesse a pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas daquela portaria, não poderia deixar, em nome da segurança jurídica, de restringir os efeitos dessa inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nos termos do nº 4 do artigo 282º da Constituição, de modo a deixar incólumes os efeitos por elas produzidos durante o período de sua vigência. Não se pode, com efeito, perder de vista que a não ressalva destes efeitos jurídicos implicaria a eliminação dos 'benefícios' recolhidos pela A., durante mais de dois anos, com a fixação de um preço 'vantajoso' de venda do carvão por ela produzido à C., fenómeno que originaria a produção de graves prejuízos financeiros àquela primeira empresa e, por via disso, a violação da confiança depositada pela mesma na manutenção do referido preço.
Ora, constitui jurisprudência reiterada deste Tribunal que, ocorrendo - como se verifica no caso concreto - uma situação em que é visível a priori, com base num juízo de prognose, que o Tribunal Constitucional iria ele próprio esvaziar de qualquer sentido útil a declaração de inconstitucionalidade que viesse eventualmente a proferir, bem se justifica que se conclua, desde logo, pela inutilidade superveniente de uma decisão de mérito (cfr., por todos, os citados Acórdãos nºs. 238/88 e 73/90).
III - Decisão.
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do pedido de declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas da Portaria nº 399/87, de 13 de Maio, em razão da inutilidade superveniente do mesmo pedido.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 1994
Fernando Alves Correia
Maria da Assunção Esteves
Luís Nunes de Almeida
Vítor Nunes de Almeida
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Armindo Ribeiro Mendes
Bravo Serra
Antero Alves Monteiro Dinis
Guilherme da Fonseca (com a declaração de voto junta)
Alberto Tavares da Costa (com declaração idêntica à aposta nos Acórdãos nºs 73/90 e 135/90, entre outros)
António Vitorino (vencido, nos termos da declaração junta)
José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 21/91
Declaração de voto
Votei a decisão e a fundamentação, mas acrescentaria mais um fundamento.
É que, estando, no caso sub judicio, determinados
à partida os sujeitos lesados com a eventual inconstitucionalidade da Portaria nº 399/87 - sendo o seu número muito escasso e podendo mesmo afirmar-se que, com grande probabilidade, entre eles apenas se encontra a A. -, seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta, como é a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade, já que o recurso concreto de constitucionalidade e até a impugnação de normas, tudo em sede de contencioso administrativo, constituiriam instrumentos idóneos de tutela jurisdicional dos direitos e interesses em causa.
Vale isto por dizer, tal como vincou este Tribunal no mencionado acórdão nº 17/83, que 'qualquer interesse eventualmente existente na pretendida declaração de inconstitucionalidade não se reveste de conteúdo prático apreciável'.
Há, assim, que concluir, também por esta via, pelo não conhecimento do pedido. Guilherme da Fonseca
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, por entender que no caso se deveria tomar conhecimento do pedido, pois que estamos perante uma daquelas situações onde nunca haveria que limitar os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Na realidade, perante uma tão frontal violação do princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição) e da regra da equilibrada concorrência entre as empresas (artigo 81º, nº 1, alínea f) da Constituição), o interesse do pedido consistiria sempre precisa e exclusivamente na eliminação dos efeitos discriminatórios gerados por uma intervenção normativa de conteúdo concreto e assente numa diferenciação infundada e irrazoável.
No caso vertente, está bem de ver, essa eliminação de tais efeitos, quanto ao 'modus decidendi' do Tribunal, não está, à partida, totalmente prefigurada, pois em tese geral poder-se-ia considerar em alternativa a adopção quer de uma decisão que nivelasse 'por cima' os interesses preteridos, quer de uma decisão que igualizasse esses interesses por uma fasquia mínima, abrindo, com a pronúncia pela inconstitucionalidade, as portas a que a B. se ressarcisse dos prejuízos que sofreu em virtude do regime de benefício estatuído em favor da empresa A..
Este espaço de intervenção do Tribunal, em meu entender, demonstra que haveria interesse em conhecer do pedido, sendo o seu sentido útil precisamente impositivo da não limitação dos efeitos de uma decisão de inconstitucionalidade. Esta dimensão do problema vai suscitar, provavelmente, novas intervenções do Tribunal Constitucional num conflito de interesses cuja clarificação poderia ter beneficiado de uma decisão com força obrigatória geral. António Vitorino