Imprimir acórdão
Proc. Nº 561/92 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. - A., veio propor contra B., (EP), uma acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho invocando a ilicitude do despedimento de que foi vítima, e a nulidade do respectivo processo disciplinar devendo ser declarado nulo o despedimento e o autor reintegrado no seu posto de trabalho e indemnizado de todas as prestações pecuniárias que deveria ter auferido desde o despedimento até à data da sentença.
Após a contestação da Ré, procedeu-se ao julgamento da causa tendo sido proferida decisão considerando nulo o despedimento e condenada a Ré a reintegrar o autor e a pagar-lhe as prestações pecuniárias vencidas desde o despedimento.
Desta decisão interpôs recurso a Ré para o Tribunal da Relação e, nesta instância, veio a ser proferido acórdão em 20 de Maio de 1992, nos termos do qual e porque entretanto tinha sido publicada a Lei nº 23/91, de 4 de Julho (Lei da Amnistia) decidiu aplicar ao caso dos autos o preceituado no artigo 1º, alínea ii), daquela Lei, na medida em que, tendo ocorrido o despedimento do autor bem como a infracção que o motivou antes de 25 de Abril de
1991, estava tal comportamento abrangido pela amnistia prevista naquela alínea.
2. - Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional pela Ré, invocando a inconstitucionalidade da alínea ii) do Artº 1º da Lei nº 23/91, por violação dos Artigos 62º nº1, 82º, nº1 e 13º ou
266º, nº 2 da Constituição, recurso este que foi recebido neste Tribunal.
A recorrente apresentou alegações nas quais apresentou as seguintes conclusões:
' 1. A amnistia deve assentar em fundamentos legítimos e obedecer a diversas limitações.
2. A amnistia só pode ser decretada no âmbito do Direito Público e, concretamente, do Direito Criminal (artº 126º, nº 3, do Código Penal, a contrario).
3. O poder disciplinar das entidades empregadoras é um pressuposto da própria relação laboral, sendo certo que a inexistência daquele impede a caracterização do contrato como um contrato de trabalho.
4. As Empresas Públicas, enquanto entidades empregadoras, estão sujeitas às normas de Direito Privado, tal como qualquer empresa de capitais privados.
5. Para além de alguns casos contados, e que sempre se justificaram por imperativos de ordem pública, nunca qualquer anterior amnistia aprovada em Portugal conteve uma norma com o alcance e consequências da al. ii) do art. 1º da Lei nº 23/91.
6. Em nenhum outro país do Mundo é conhecida uma disposição legal sequer semelhante à ilimitada amnistia aparentemente concedida pela referida alínea da Lei da Amnistia.
7. Foram violados os arts. 13º, 18º, 62º e 87º da Constituição da República Portuguesa.
8. O Tribunal Constitucional deverá, de acordo com os seus poderes de controle da constitucionalidade, opôr-se à aplicação da alínea ii) do art. 1º da Lei nº 23/91, tudo devendo passar-se como se esta nunca tivesse existido.
9. Sob outra perspectiva, e no que respeita à própria interpretação correctiva desta disposição legal, desnecessária embora porque materialmente inconstitucional, sempre se dirá, contudo, que a expressão 'decisão definitiva e transitada' não poderá ter outro sentido que não seja o de considerar como tal a decisão que já não admita qualquer espécie de recurso ou reclamação no âmbito da empresa. 'Decisão definitiva e transitada' é necessariamente diferente da
'decisão definitiva e transitada em julgado'. Interpretar estas locuções como equivalentes traduzir-se-á numa interpretação, ela própria, inconstitucional. É
óbvio que esta conclusão só assumirá relevo caso não se entenda do modo acima exposto quanto à inconstitucionalidade material da própria norma, o que somente por hipótese de raciocínio se admite.
10. De acordo com o dito nas precedentes conclusões nºs 7 e 8, o acórdão recorrido violou o disposto no artº. 207º da Constituição da República Portuguesa e, indirectamente, os seus artºs 13º, 18º, 62º, e 87º.'
Pela sua parte, o recorrido também produziu alegações e nelas concluiu o seguinte:
' 1 - Não é exacto que a amnistia se refira só ao Direito Criminal, sendo tradicional no nosso direito a amnistia de infracções do mais diverso tipo, incluindo em domínio laboral.
2 - Ao contrário do defendido pela recorrente, o poder disciplinar patronal assenta na Lei e está limitado, ou mesmo negado, por esta.
3 - Sendo por isso legítimo que o legislador exclua certas situações do âmbito desse poder disciplinar.
4 - Se tal é possível no que toca às empresas privadas, ainda será mais evidente no caso das empresas públicas que não são mais que 'instrumentos' de intervenção do Estado na economia.
5 - Estando por isso subordinadas às orientações gerais do Estado e dependendo a sua gestão exclusivamente da vontade estadual.
6 - Estabelecendo a lei e a própria Constituição claras diferenciações entre empresas públicas e privadas, não pode ser inconstitucional apenas a diferenciação adicional criada pela Lei nº 23/91.
7 - A questão da interpretação da expressão 'decisão definitiva e transitada' é alheia à questão da constitucionalidade da norma em causa.
8 - Sendo certo que a interpretação evidente e natural de tal expressão é a de decisão que já não admite qualquer tipo de recurso, nenhuma das interpretações conflituaria com qualquer norma constitucional.
9 - Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões da recorrente, nada mais haverá a adiantar.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir a questão de constitucionalidade suscitada nos autos.
II - FUNDAMENTOS
4. - O requerimento de interposição do presente recurso não obedece aos requisitos exigidos pelo Artº 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Porém, o recurso foi admitido sem que se tivesse formulado o convite para correcção de tal requerimento previsto no nº5 daquela disposição legal.
Apesar das deficiências de que enferma o requerimento em causa, entende-se que deve conhecer-se do recurso, embora a recorrente só tenha levantado a questão de constitucionalidade naquela requerimento, porquanto a recorrente não teve oportunidade de suscitar tal questão, uma vez que a aplicação da norma que se afirma estar afectada de inconstitucionalidade, foi feita oficiosamente no acórdão recorrido.
Passa-se assim a conhecer da questão de constitucionalidade suscitada nos autos.
5. - Esta questão referente à conformidade constitucional da alínea ii) do Artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho (Lei da Amnistia), foi já objecto de duas decisões tiradas pelo Tribunal Constitucional, em plenário e ao abrigo do preceituado no Artigo 79º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de
7 de Setembro) - os Acórdãos nº 152/93 e 153/93, de 3 de Fevereiro de 1993 e publicados no D.R., II Série, de 16.03.93 e 23.03.93, respectivamente, decisões estas que, expressamente abrangem os trabalhadores das empresas públicas ou de capitais públicos, como é o caso da empresa Ré.
A doutrina que se extrai destas decisões, designadamente, do Acórdão nº 153/93 que se refere especificamente também a um caso de despedimento, deve ser acatada pelo Tribunal. Dada a jurisprudência assim firmada, em caso em tudo idêntico ao dos autos, mantém-se o teor da mesma, remetendo-se de forma integral para fundamentos e conteúdo decisório daquele acórdão, que aqui se dão por reproduzidos.
III - DECISÃO
6. - Nestes termos, decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao presente recurso e em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Lisboa, 1993.05.12
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Luís Nunes de Almeida