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Acórdão 813/93
ACTA
------Aos treze de Dezembro de mil novecentos e noventa e três, achando-se presentes o Exmo. Conselheiro Presidente José Manuel Moreira Cardoso da Costa e os Exmos. Juízes Conselheiros Assunção Esteves, Fernando Alves Correia, José de Sousa Brito, Vítor Nunes de Almeida, Armindo Ribeiro Mendes, Luís Nunes de Almeida, Messias Bento, Antero Alves Monteiro Dinis, António Vitorino, Alberto Tavares da Costa, Guilherme da Fonseca e José Manuel Bravo Serra, foram trazidos
à conferência os presentes autos.----------------------------------------------------------
------Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Presidente ditado o seguinte:-------------------
Acórdão nº 813/93
1. A., presidente do CDS/Partido Popular, da região autónoma da Madeira, veio requerer, em nome desse Partido, e 'nos termos do nº 1 do artigo
19º do Decreto regulamentar nº 74/83, de 6 de Outubro', que 'lhe seja passada certidão que comprove os cidadãos residentes na Região Autónoma da Madeira que ao abrigo da Lei nº 4/83, de 2 de Abril, e do decreto legislativo regional nº
1/84/M, de 27 de Fevereiro, nos últimos 5 anos tenham apresentado a declaração de património e rendimentos'.
A fundamentar o pedido, diz, simplesmente, ter 'em vista o cumprimento da lei e em especial o artigo 3º, nº 1, da Lei nº 4/83, de 2 de Abril'.
2. O requerimento em apreço tem por finalidade o conhecimento, não do 'conteúdo' de quaisquer declarações apresentadas nos termos da Lei nº
4/83, mas tão-só dos cidadãos, residentes na Madeira, que, adstritos a esse dever de declaração, o cumpriram (certamente para, através dessa via indirecta, se ficar a saber os que o não fizeram).
Relativamente a pedidos com esta natureza, considerou maioritariamente o Tribunal, nos Acórdãos nºs 24/84 e 30/84 (o primeiro, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 2º., p. 465 ss.), não lhe caber a ele, e antes ao seu presidente, a respectiva apreciação.
Não se mantém agora tal jurisprudência. Efectivamente, entende-se que se está, de todo o modo, perante um pedido de 'acesso aos processos' ou de
'acesso aos dados' que integram o arquivo das declarações exigidas pela Lei nº
4/83 (cfr. artigo 19º, nºs 1 e 2 do Decreto Regulamentar nº 74/83), o qual, consequentemente, deve ter um tratamento idêntico ou paralelo - desde logo quanto à competência (reservada legalmente ao Tribunal) para sobre ele decidir.
3. Posto isto, salientar-se-á que, de harmonia com jurisprudência uniforme e constante do Tribunal, relativa à pretensão do conhecimento propriamente do 'conteúdo' das declarações, o acesso aos dados (a esses dados), só há-de ser autorizado a quem, não apenas justifique 'interesse relevante' nesse conhecimento (artigo 5º, nº 2, da Lei nº 4/83), mas ainda demonstre tal interesse através da articulação de 'factos concretos' que o fundamentem (artigo
19º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 74/83).
Assim sendo, claro é que, transpondo sem mais essa jurisprudência para a simples pretensão do conhecimento dos nomes dos cidadãos (ou de certas classes deles) que apresentaram as declarações legalmente exigidas, logo por aí haveria de concluir-se que o requerente não fundamentara suficientemente o seu pedido de acesso a esses outros dados: é que, para tanto, nunca bastaria o interesse genérico (ainda que certamente legítimo) de promover o cumprimento da lei ou o controlo desse cumprimento, mas sempre seria necessário, mais do que isso, um qualquer interesse 'concreto' ou fundado em 'factos concretos', que, no caso, não foi aduzido.
Porém, mesmo que se não vá tão longe, e se admita um condicionalismo menos estrito para o conhecimento de dados como aqueles que agora estão em causa, no mínimo e de todo o modo haveria de exigir-se um qualquer interesse 'pessoal' ou 'funcional' nesse conhecimento - como, por exemplo, o derivado de um 'dever funcional' do requerente, de assegurar, controlar e promover o cumprimento da lei. Ora, no caso, tão pouco ocorre
(recte, se mostra existir) um interesse deste tipo.
3. Consequentemente, e nos termos expostos, indefere-se o requerido.
Assunção Esteves
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Vítor Nunes de Almeida
Messias Bento
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes (vencido quanto à decisão de mérito. Entendo que um representante de um partido político tem legitimidade para obter a informação do Tribunal Constitucional sobre quais os titulares de cargos políticos que omitiram a obrigação legal de apresentarem as declarações de património e rendimentos, atento o disposto na Lei nº 4/83, de 2 de Abril sobre o não cumprimento de tal obrigação e suas consequências sancionatórias. Não se trata de uma pretensão de conhecimento do conteúdo de certas declarações de património e rendimentos, mas tão-só de saber quem cumpriu (ou não cumpriu) a lei. Teria, pois, votado no sentido da prestação dessa informação, atento o disposto no art. 19º, nº 1, do Decreto Regulamentar nº 74/83, de 6 de Outubro, e por entender que, no caso sub judicio, os factos invocados eram suficientes para ter acesso a esta informação).
Luís Nunes de Almeida (vencido por, na esteira dos Acórdãos nº
24/84 e nº 30/84, que subscrevi, continuar a entender que o mero conhecimento das relações de cidadãos que cumpriram a obrigação legal de apresentar a declaração não integra ainda o conceito de 'acesso aos dados'; assim sendo, não só considerei que a competência para apreciar o requerimento pertencia ao presidente, como me pronunciei igualmente, uma vez ultrapassada aquela questão, no sentido do deferimento do pedido, por julgar que desse deferimento apenas poderia resultar o conhecimento da identidade dos cidadãos que haviam cumprido - ou não cumprido - a lei, matéria sem qualquer incidência em sede de direitos fundamentais, pelo que a situaçãonão merecia a tutela especial prevista na lei para o 'acesso aos dados', ao contrário do que se preconiza no acórdão).
Antero Alves Monteiro Dinis (vencido, por força das razões que aduzi nas declarações de voto produzidas nos Acórdãos nºs. 24/84 e 30/84, e, complementarmente, da antecedente declaração de voto de Exmº Conselheiro Luís Nunes de Almeida).
António Vitorino (votei no sentido do deferimento da pretensão do requerente, por entender que, no caso, está apenas em causa a obtenção de informação quanto ao efectivo cumprimento de uma obrigação legal por parte de titulares de cargos políticos residentes na Região Autónoma da Madeira (a de entrega da declaração de rendimentos prevista na Lei nº 4/83), em relação à qual
(informação) não haveria que fazer apelo em toda a sua extensão, aos (exigentes) critérios da Lei atinentes ao acesso ao conteúdo dos dados propriamente considerados. Pelo contrário, não estando em causa o acesso ao concreto conteúdo das declarações, bastaria invocar o princípio da 'administração aberta', constante do nº 2 do artigo 268º da Constituição, para que o Tribunal tivesse decidido favoravelmente a pretensão do requerente).
Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto do Exmº Cons. Luís Nunes de Almeida, que acompanho integralmente).
José Manuel Bravo Serra (vencido. Tenho, desde sempre, acompanhado a jurisprudência do Tribunal no sentido de só ser autorizado o acesso ao conteúdo dos dados por quem justifique interesse relevante nesse conhecimento e demonstre esse interesse por intermédio da articulação de factos concretos que o fundamentam.
E tenho-o feito tendo em conta que haverá que salvaguardar os relevantes interesses, constitucionalmente protegidos, ligados à reserva da intimidade da vida pessoal e privada dos cidadãos.
Todavia, no caso concreto agora sujeito a apreciação, verifica-se que o solicitante não deseja o acesso ao conteúdo dos dados mas, tão somente, saber quais os cidadãos a tanto obrigados, residentes na Região Autónoma da Madeira, apresentaram a declaração de património e rendimentos.
Ficam assim, perante o pedido, no meu entender, afastados os inconvenientes que resultariam se se tivesse solicitado o conhecimento ou o acesso ao referido conteúdo, inconvenientes esses que, nas outras situações que têm dado origem às anteriores decisões do Tribunal e que tenho subscrito, se tem querido salvaguardar.
Por outro lado, parece-me que se insere normalmente nos partidos, num Estado Democrático, o de efectuar pedido visando saber quais os cidadãos que, no desenvolvimento de uma actividade que, de determinada forma, se pode ligar ao exercício político, levaram a cabo o cumprimento de normas legais que visam, justamente, o objectivo de tentar conferir transparência a esses exercício.
Vale isto por dizer que o requerente, nas vestes em que está investido, tem, em abstracto e em concreto, interesse relevante na solicitação que produziu.
Ora, tendo este posicionamento, em que avulta, torno a sublinhar, a circunstância de o pedido não implicar o acesso ao conteúdo dos dados, votei no sentido do seu deferimento).
José Manuel Cardoso da Costa