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Procº nº 63/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
1. Pelo Acórdão nº 468/93, lavrado de fls. 60 a 68 destes autos, foi indeferida a reclamação formulada por A. contra o despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu recurso por ele intentado interpôr para o Tribunal Constitucional, recurso esse por intermédio do qual visava a impugnação do Acórdão do aludido Supremo Tribunal, prolatado em 20 de Maio de 1992, através do qual foi confirmado o acórdão proferido pelo 4º Juízo Criminal de Lisboa que o condenara, como autor de um crime de violação, previsto e punível pelo nº 2 do artº 201º do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão.
O indeferimento da reclamação, operado no dito Acórdão nº
468/93, deveu-se, essencialmente e desde logo, à circunstância de no aresto do Supremo Tribunal de Justiça se não ter, designadamente no discurso jurídico suporte do respectivo juízo decisório, recusado a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua desconformidade com a Constituição, sendo, a dada altura, referido:
'3. Esgrime o reclamante, em abono da sua posição (e se bem a entendemos), com a tese de que direito criminal é um verdadeiro direito constitucional aplicado, pelo que, se numa decisão judicial não é ( ou são) tida(s) em conta determinada(s) norma(s) ínsita(s) no Código Penal, então isso significa que nessa decisão, ainda que de forma implícita, foi recusada a aplicação dessa(s) norma(s).
Não é claro esta asserção do reclamante, no ponto em que dela se não deduz se o mesmo quer significar que as normas de direito criminal são de tomar em conta como normas constitucionais, ou se a Constituição tem princípios estruturantes que devem necessariamente informar e enformar o direito penal (o que, como é óbvio, se terá de aceitar, cfr., v.g., princípios da culpabilidade, da tipicidade das infracções criminais, das penas e das medidas de segurança, da aplicação da lei penal no tempo, do ne bis in idem, da proibição de penas ou medidas de segurança restritivas de liberdade de carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, da intransmissibilidade das penas e da proibição das penas envolverem como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos).
Seja como seja, o que é certo é que, se se enveredasse por conferir à expressão empregue pelo reclamante o primeiro sentido, então (ainda que porventura anuindo a esse entendimento), a não utilização, por um tribunal, de uma norma de direito penal, configuraria a recusa de aplicação de uma norma constitucional. E, nessa sede, presentes os artigos 280º, nº 1, alínea a), do Diploma Básico, e 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, seguramente que o recurso aí previsto não seria cabível para uma tal situação.
É que, nesse contexto, a inconstitucionalidade seria algo assacável directamente à decisão judicial e não
à norma, sabido que é as normas a que se reportam aqueles dois preceitos são as de direito infra-constitucional (cfr., neste ponto, os Acórdãos números 283/90 e
180/91, o primeiro inédito e o segundo publicado na 2ª Série do Diário da República, de 9-SET-91).
E, como tem dito e redito este Tribunal, objecto do recurso de constitucionalidade são normas e não outros actos, designadamente decisões judiciais (cfr., a título meramente exemplificativo, o Acórdão nº 28/90 in Diário da República, 2ª Série, de
14-DEZ-90; cfr., ainda, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, 2º Vol., 470, Vitalino Canas, Os Processos de Fiscalização da Constitucionalidade e da Legalidade pelo Tribunal Constitucional, 39, e Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, Coimbra, 1992, 50. nota 49b)'.
2. Notificado desta decisão, veio o A. fazer juntar aos autos requerimento através do qual solicitava a aclaração da peça processual elaborada por este Tribunal, dizendo que a mesma enfermava 'de alguma obscuridade/ambiguidade' que o tornava 'menos inteligível', aduzindo, para tanto, o seguinte:
'Conforme citação do douto acórdão ora aclarando -- fls. 5 --, a letra da lei da alínea a) do nº 1 do artº 280º da Constituição da República Portuguesa, e da alínea a) do nº 1 do artº 70º da lei nº 28/82, de 15 de Novembro prescrevem expressamente que cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais» que «recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento» na sua «inconstitucionalidade». Na verdade, assim se exprime a 'lei'.
Contudo, a fls. 8, o mesmo acórdão ora aclarando defende a tese de que as «decisões judiciais» não são susceptíveis de constituir objecto de recurso para o Tribunal Constitucional. Tese que a nós, salvo o devido respeito, parece imbuir manifesta contradição face à 'litera legis' dos preceitos legais acima referidos -- alínea a) do nº 1 do artº 280º da Constituição da República Portuguesa, e da alínea a) do nº 1 do artº 70º da lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Ou será que 'decisões dos tribunais' e 'decisões judiciais' não correspondem a uma única e mesma realidade.
Esta a questão que pela sua obscuridade, ambiguidade e desajuste relativamente ás regras de processo aplicáveis o douto Acórdão sugere e o torna ininteligível e mesmo contraditório, motivo por que deverá proceder-se ao seu esclarecimento'.
O Ex.mo Representante do Ministério Público, pronunciando-se sobre a pretendida aclaração, defendeu que, na sua perspectiva, nada havia a esclarecer ou aclarar, pelo que propugnou pelo indeferimento do solicitado.
3. Decidindo, bastará dizer que, ainda que porventura a afirmação constante do aclarando aresto e que agora é questionada pelo reclamante estivesse errada do ponto de vista técnico-jurídico - [e não está, por isso que em nada é contraditório serem, por um lado, as decisões dos outros tribunais aquilo que se impugna nos recursos a que aludem os artigos 280º, números 1 e 2, da Constituição e 70º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e, por outro, constituir fundamento desta espécie de impugnação a não inconstitucionalidade ou a não ilegalidade da norma julgada desconforme à Lei Fundamental na decisão recorrida ou a inconstitucionalidade ou a ilegalidade da norma não julgada inconstitucional ou ilegal nessa decisão] -, então o que seria inquestionável era que, nessa hipótese (que tão só se concebe para efeitos meramente argumentativos), deparar-se-ia, não uma obscuridade ou ambiguidade nos fundamentos ou na decisão tomada por este Tribunal, mas sim um incorrecto julgamento quanto à interpretação e aplicação dos preceitos acima citados.
Ora, como é bem sabido, os erros de julgamento não são passíveis de aclaração por intermédio da suscitação do respectivo incidente, pois que constituem um vício de conteúdo ou substancial da decisão (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., Reimpressão, 151 a 155, maxime 155, anotação final ao artº 670 do C.P.C. de 1939).
Termos em que se desatende a solicitada aclaração.
Custas do incidente pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.
Lisboa, 19 de Janeiro de 1994
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa