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Processo n.º 754/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. Notificada do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que negou a admissão de recurso de revista do acórdão proferido, em 10.12.2010, pelo Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) e pelo qual este último Tribunal confirmou, na íntegra, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a ação instaurada por A. e B., assim anulando deliberação do Conselho Científico do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP), de 15.03.2006, veio a recorrente C. interpor recurso daquele acórdão do TCAN para o Tribunal Constitucional, dizendo o seguinte:
“[…] vem, nos termos do disposto no artigo 280.º n.º 1 b) e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 70.º, n.º 1 b) da Lei n.º 28/82, de 15.11 (…), recorrer para o VENERANDO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, recurso onde pretende que o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aprecie a inconstitucionalidade, no caso concreto, suscitada pela recorrente nos recursos interpostos da douta sentença do tribunal de primeira instância para o TCAN e do douto acórdão daquele para este Venerando Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que no entendimento da recorrente, ao não julgar inconstitucional a não aplicação “in casu” do regime especial do previsto no Decreto-Lei n.º 185/81, mormente no seu artigo 16.º, e ao fazer errónea interpretação dos artigos 3.º, 5.º 27.º do Decreto-Lei 204/89 são violados os princípios constitucionais da igualdade e especialidade, previstos nos arts13.º, n.º1, 47.º, n.º 2 e 266.º n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa. […]”.
2. Na sequência, foi proferida pelo relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, decisão sumária de não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o respetivo teor:
“[...] Admitido o recurso no Tribunal Central Administrativo do Norte, cumpre decidir se se pode conhecer do seu objeto, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional - LTC).
O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, inferindo-se do requerimento de interposição e do facto de o despacho de admissão ter ocorrido no Tribunal Central Administrativo Norte que a decisão de que se pretende recorrer é o acórdão proferido pelo referido Tribunal Central Administrativo Norte, tanto mais que o acórdão do STA se limitou a rejeitar a revista com fundamento no artigo 150.º, n.°s 1 e 5, do CPTA. Tal recurso, porém, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, tem por objeto exclusivo a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e pressupõe, designadamente, que o recorrente tenha suscitado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e de modo processualmente adequado, a exata questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada. Nada disto sucede no caso, como se verá, sumariamente, de seguida.
3.1. Na verdade, por um lado, é patente que a recorrente não coloca ao Tribunal Constitucional qualquer questão de constitucionalidade normativa, já que imputa a(s) inconstitucionalidade(s) à própria decisão recorrida e não a nenhuma norma por esta aplicada como ratio decidendi.
3.2. Por outro lado, a recorrente também não suscitou, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, qualquer questão de constitucionalidade normativa que lhe abrisse via de recurso para este Tribunal. De facto, no ponto 26. a 28. das conclusões do recurso apresentado junto do tribunal recorrido, a recorrente afirma que “Por todo o exposto a decisão do tribunal a quo enferma de erro de julgamento, ou seja, de uma errada interpretação e aplicação das normas ao caso” pois que “(…) traduz uma errada interpretação e aplicação dos arts.3.º, 5.º e 27.º do decreto-lei 204/98 e 16.º do decreto-lei 185/91”, “Mais se entendendo que viola o princípio da especialidade e mesmo o princípio constitucional da igualdade (…)”, o que se traduz, claramente, na imputação dos vícios à própria decisão.
Acresce ainda que quando questionada uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito, sempre tem o recorrente o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade enunciando, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, não bastando para preencher tal exigência, referir-se apenas, como foi feito no presente caso, à “errónea interpretação dos artigos 3.º, 5.º e 27.º do Decreto-Lei 204/98”.
Em face do exposto, torna-se evidente que não estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso para este Tribunal, pelo que dele se não pode conhecer.”
3. Inconformada, a recorrente reclama para a Conferência, afirmando, no essencial:
“[…] 1. O recurso da ora reclamante para este Tribunal Constitucional foi interposto ao abrigo do disposto no art.º 70.° n.° 1. alínea b) da LTC.
2. Tal norma estipula que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das “decisões dos Tribunais ... que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
3. A decisão recorrida (acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte) aplicou o disposto nos art°s 3.°, 5.° e 27.° do DL 204/98.
4. A recorrente, no decurso do processo, nomeadamente nas suas alegações de recurso, suscitou a inconstitucionalidade do disposto nos art°s 3.°, 5.° e 27.° do D.L., se aplicados em detrimento do disposto no art.º 16.º do DL 185/81, por violação dos princípios da igualdade e da especialidade estabelecidos nos art.°s 13.º, n.º 1, 47.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP.
5. Verificam-se, por isso, todos os pressupostos legais da admissibilidade do recurso interposto para este Tribunal Constitucional. [...]”
4. Notificados, os recorridos nada disseram.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II - Fundamentação
5. A decisão sumária reclamada não conheceu do objeto do recurso com dois fundamentos, a saber: não estar colocada a este Tribunal nenhuma questão de constitucionalidade normativa e não ter sido suscitada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, qualquer questão daquele tipo. A ora reclamante não impugna o primeiro fundamento, o que, por si só, conduz irremediavelmente à improcedência da reclamação.
Acresce, porém, que, ao contrário do que afirma, a ora reclamante não suscitou, no decurso do processo, nomeadamente nas suas alegações de recurso, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, que lhe abrisse via de recurso para este Tribunal. Na verdade, como claramente se demonstrou na decisão sumária reclamada - em nada infirmada pela reclamação apresentada e aqui confirmada - aquilo que a recorrente fez foi questionar a constitucionalidade da própria decisão, o que, como é sabido, não preenche os pressupostos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 5 de janeiro de 2012.- Gil Galvão – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.