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Processo n.º 844/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, o aqui reclamante, A., veio interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), figurando como decisão recorrida o acórdão de 15 de setembro de 2011, proferido pelo referido Supremo Tribunal.
2. No requerimento de interposição de recurso, o reclamante delimitou o respetivo objeto, nos seguintes termos:
“(…) a inconstitucionalidade (…) advém da interpretação tecida pelo Supremo Tribunal de Justiça (…) da não aplicação/utilização/preterição processual do expediente ínsito no art. 454º do C.P.P., “in casu”, isto é, uma omissão de requisito legal obrigatório, fundamental e de extrema importância neste caso, ou seja, o relatório do juiz de julgamento sobre as incidências do processo, ao fim e ao cabo qual a importância que teria a descoberta deste facto novo, se o soubesse quando elaborou a sentença de cúmulo, e sobre a bondade e eventual sucesso do recurso de revisão.”
3. Concomitantemente à interposição do recurso de constitucionalidade, o reclamante apresentou peça processual, manifestando a pretensão de “reclamar para a conferência”.
Sobre tal requerimento, incidiu acórdão, datado de 20 de outubro de 2011, que, configurando a peça processual em análise, substancialmente, como arguição de vício sanável pelo próprio tribunal, decidiu pelo respetivo indeferimento.
4. Relativamente ao recurso de constitucionalidade, por despacho de 18 de outubro de 2011, foi decidido convidar o reclamante a aperfeiçoar o seu requerimento de interposição de recurso, indicando “a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado, bem como a peça processual onde suscitou a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade”.
Em resposta a tal convite, o reclamante juntou peça processual, em que refere o seguinte:
“ A norma constitucional que o aqui arguido considera que o referido Acórdão violou foi o art. 20º, n.º 1 da CRP, o art. 29º, n.º 6, 32º, n.º 1, bem como o art. 203º, na medida em que o STJ não cumpriu o estipulado na lei, à qual se encontra vinculado.
(…)
No fundo, a questão a dirimir pelo Tribunal Constitucional centra-se na seguinte premissa: Se o STJ, ao preterir, conscientemente, e sem conforto legal para tanto, o requisito essencial de obrigatoriedade da junção ao processo por parte do juiz, que condenou o arguido em 1ª instância, agora recorrente em sede de recurso de revisão, do relatório previsto no art. 454º do CPP, coartou o devido acesso, do aqui, arguido a um processo justo e equitativo, elaborado debaixo do estandarte da lei, nos termos do art. 20º, n.º 1, e 203º da CRP.”
Em 3 de novembro de 2011, foi proferida decisão, cujo teor se transcreve:
“Nos termos do n.º 2 do art. 75º A da Lei do T.C. é obrigatório o recorrente indicar, no requerimento de interposição do recurso, a peça processual onde suscitou a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.
Não o fez e, apesar de convidado para corrigir essa deficiência, voltou a não fazer essa indicação.
Assim, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.”
É desta decisão que o recorrente presentemente reclama.
5. Para fundamentar a reclamação apresentada, refere, em síntese, que o acórdão de 15 de setembro de 2011, que consubstancia a decisão recorrida, foi a primeira decisão do processo, pelo que não era possível, ao reclamante, suscitar a questão de constitucionalidade previamente à sua prolação.
Nestes termos, e alegando verificarem-se os restantes pressupostos de admissibilidade do recurso, pugna pela sua admissibilidade.
6. O Ministério Público, no Tribunal Constitucional, defende o indeferimento da reclamação.
Por um lado, refere que o reclamante não mencionou a peça processual em que suscitou, previamente, a questão de constitucionalidade, apesar de convidado a fazê-lo. Por outro lado, se o reclamante entendia estar dispensado desse ónus de suscitação prévia, por considerar não ter tido oportunidade processual de cumprimento, deveria alegar e demonstrar tal facto, o que igualmente não fez.
Acresce que, tendo o recorrente optado por reagir ao acórdão recorrido, perante o Tribunal que o proferiu, invocando vício do mesmo, em momento concomitante ao da interposição do recurso de constitucionalidade, forçoso será concluir que a decisão recorrida não se encontrava ainda consolidada, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, da LTC.
Por último, refere ainda o Ministério Público que, no requerimento de interposição de recurso, não vem enunciada qualquer questão suscetível de constituir objeto idóneo dum recurso de constitucionalidade.
7. Notificado deste parecer do Ministério Público, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, vem o reclamante referir que indicou, desde logo, a peça processual de que pretendia recorrer.
Explica ainda que interpôs o recurso de constitucionalidade e apresentou a reclamação, ao mesmo tempo, porque a prática de tais atos obedece a prazo idêntico, que corre em simultâneo. Além disso, a reclamação que apresentou não corresponde a um meio impugnatório ordinário.
Por último, refere o reclamante que a questão que colocou – que “aprimorou e aclarou” na peça processual de aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso – tem uma efetiva dimensão constitucional, pelo que deverá ser conhecida.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentos
8. Em cumprimento do disposto no artigo 75.º-A, n.º 2, da LTC – em conjugação com o artigo 72.º, n.º 2 do mesmo diploma – impendia sobre o reclamante o ónus de indicar a peça processual em que suscitara previamente a questão de constitucionalidade, ou alegar e demonstrar que estava dispensado do ónus de suscitação prévia da referida questão, perante o tribunal a quo, nomeadamente por não lhe ser exigível antecipar a adoção do critério normativo, cuja inconstitucionalidade veio a invocar.
Ora, não obstante o reclamante ter sido convidado a suprir a deficiência do requerimento de interposição de recurso, mencionando a peça processual em que suscitara a questão de constitucionalidade, previamente, perante o tribunal a quo, não o veio fazer, nem justificar o não cumprimento de tal menção, oportunamente.
Manteve-se, desta forma, a omissão da indicação do elemento referido no n.º 2, in fine, do artigo 75.º-A da LTC, quer no requerimento de interposição do recurso, quer na peça processual que o reclamante apresentou, após o convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido, nos termos do n.º 5 do mencionado normativo.
Em tais peças processuais, o reclamante igualmente não alegou nem demonstrou qualquer justificação para a omissão, apenas vindo, na presente reclamação, a aduzir tal justificação, alegando que não lhe era possível invocar, anteriormente à prolação do acórdão de 15 de setembro de 2011, a questão de inconstitucionalidade que pretenderia ver apreciada, porquanto tal decisão foi a primeira no presente processo e a inconstitucionalidade advinha do próprio acórdão.
Assim, não tendo o reclamante cumprido, de forma suficiente, os requisitos formais do requerimento de interposição de recurso – nem no próprio requerimento, nem na peça complementar que juntou – apesar de especificamente convidado a fazê-lo, o seu recurso não poderia ser admitido.
A este propósito, a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional vem entendendo que a indicação dos elementos referidos nos n.os 1 a 4 do artigo 75.º-A da LTC constitui um verdadeiro requisito formal de apreciação do recurso, pelo que o seu incumprimento – esgotada que se encontra a possibilidade de aperfeiçoamento – tem como consequência o indeferimento do recurso.
Na verdade, refere o Acórdão n.º 121/98, disponível in www.tribunalconstitucional.pt:
“Por outro lado, e como o Tribunal Constitucional vem entendendo, a norma do artigo 75.º-A não se limita a decretar um dever de colaboração do recorrente com o tribunal. Antes estabelece um requisito formal de apreciação do recurso de constitucionalidade que apenas pode ser apreciado em face das indicações fornecidas por aquele, por esse motivo sendo-lhe dada uma oportunidade de suprir essa falta, por parte do juiz, não admitindo que o tribunal possa, oficiosamente, substituir-se-lhe (cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 402/93 e 636/93, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de janeiro e 31 de março de 1994, respetivamente).
Não observado esse requisito pelos autores do requerimento, não obstante para o efeito terem sido expressamente notificados, não podia ser outro o despacho que não fosse o de não recebimento do recurso, atendendo ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 76.º da Lei nº 28/82.”
Salienta-se que a admissibilidade do recurso sempre estaria prejudicada, ainda que o recorrente tivesse respondido satisfatoriamente ao convite de aperfeiçoamento que lhe foi dirigido.
Na verdade, o Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação duma questão de constitucionalidade normativa, e que esta tenha sido suscitada, previamente, perante o tribunal a quo, de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Assim, não se verificando um desses requisitos, o recurso não pode ser admitido.
No presente caso, o reclamante, notificado do acórdão de 15 de setembro de 2011, concomitantemente à interposição do recurso de constitucionalidade, apresentou peça processual, que foi entendida, pelo tribunal a quo, como correspondendo, substancialmente, a uma arguição de vício sanável pelo próprio tribunal. Sobre tal requerimento, veio a incidir acórdão, datado de 20 de outubro de 2011, que decidiu pela improcedência de tal incidente pós-decisório.
Conclui-se, pelo exposto, que, à data da interposição do presente recurso, – data relevante para aferição dos respetivos pressupostos de admissibilidade – a decisão recorrida não se apresentava como uma decisão definitiva, por não estarem ainda esgotados os meios impugnatórios acionados pelo recorrente, no âmbito da ordem jurisdicional respetiva.
De facto, nos termos do n.º 2 do artigo 70.º da LTC, a admissibilidade dos recursos, previstos na alínea b) do n.º 1 do mesmo normativo, depende do esgotamento dos recursos ordinários, sendo que a jurisprudência constitucional tem entendido que, no conceito legal de “recurso ordinário”, se incluem os incidentes pós-decisórios - como as arguições de vícios da decisão recorrida, suscetíveis, em abstrato, de afetar a subsistência da própria decisão - que o recorrente apresente dentro da ordem jurisdicional respetiva. Assim, tendo a parte feito uso de tais meios processuais impugnatórios, deve aguardar a decisão que venha a ser proferida, não sendo admissível que antecipe o momento do recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. Acórdãos n.os 24/06, 286/08 e 331/08, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
A consagração do requisito de admissibilidade em análise corresponde à adoção do princípio da exaustão das instâncias, que visa restringir o acesso ao Tribunal Constitucional, limitando-o apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, o que redundará no resultado de o objeto de recurso de constitucionalidade ser circunscrito à decisão definitiva, à última pronúncia dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal a quo.
Nestes termos, tendo o recorrente indicado, como decisão recorrida, o acórdão de 15 de setembro de 2011, que não se apresentava como decisão definitiva, à data da interposição do recurso de constitucionalidade em análise, mostra-se o mesmo inadmissível.
Acresce que a enunciação do objeto do presente recurso denuncia a ausência duma verdadeira dimensão normativa.
Na verdade, o reclamante não autonomiza uma norma ou interpretação normativa, que, constituindo ratio decidendi da decisão recorrida, seja recondutível ao teor literal dum preceito selecionado como suporte de tal critério normativo.
Refere o reclamante:
“No fundo, a questão a dirimir pelo Tribunal Constitucional centra-se na seguinte premissa: Se o STJ, ao preterir, conscientemente, e sem conforto legal para tanto, o requisito essencial de obrigatoriedade da junção ao processo por parte do juiz, que condenou o arguido em 1ª instância, agora recorrente em sede de recurso de revisão, do relatório previsto no art. 454º do CPP, coartou o devido acesso, do aqui, arguido a um processo justo e equitativo, elaborado debaixo do estandarte da lei, nos termos do art. 20º, n.º 1, e 203º da CRP.”
É manifesto que o reclamante pretende, não a apreciação dum critério normativo – que, reitera-se, não autonomiza – mas a sindicância da decisão jurisdicional concreta, na sua dimensão de ponderação casuística das circunstâncias concretas do caso e da consequente opção por prescindir da informação do juiz do processo, prevista no artigo 454.º do Código de Processo Penal, dimensão esta subtraída ao controle deste Tribunal.
Nestes termos, sendo certo que o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, concluindo-se pela inexistência de suscitação duma verdadeira questão normativa, no presente caso, sempre estaria prejudicada, também por esta razão, a admissibilidade do recurso.
Pelo exposto, conclui-se pela improcedência da presente reclamação.
III – Decisão
9. Pelo exposto, decide-se:
- julgar inadmissível o recurso de constitucionalidade interposto e, em consequência, julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 6 de março de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.