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Processo nº 637/93 Plen./Eleitoral Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
1. No processo eleitoral de candidatura à Assembleia de Freguesia de S. João da Pesqueira, veio A., mandatário do Partido Social Democrata - PPD/PSD, interpor com a data de 30 de Outubro de 1983 recurso para o Tribunal Constitucional da decisão final do Mmº Juiz do Tribunal Judicial de S. João da Pesqueira, datado de 21 de Outubro de 1993, que considerou inelegíveis os candidatos da lista desse Partido à dita Assembleia de Freguesia, B., o candidato nº 3, e C., o candidato nº 9, fundamentando o recurso nos seguintes termos:
'O Partido Social Democrata - PPD/PSD candidatou em nº 3 e 9 da sua lista à Assembleia de Freguesia de S. João da Pesqueira no concelho de S. João da Pesqueira, os cidadãos B. e C., respectivamente (Doc. 1).
Os referidos cidadãos são funcionários do quadro da Câmara Municipal de S. João da Pesqueira.
O mandatário do Partido Socialista - PS, apresentou uma reclamação junto do Tribunal da Comarca, invocando a inelegibilidade destes cidadãos ao abrigo do artº 4, nº 1 - alínea c) do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro (Doc.2).
O Juiz do Tribunal da Comarca notificou em 20 de Outubro, o mandatário do Partido Social Democrata - PPD/PSD para que nos termos do artº 21 do Diploma supra citado procedesse à substituição dos candidatos B. e C. (Doc.2)
Deste modo, e de acordo com o artº 22º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, foi interposta uma reclamação da decisão do Juiz e resposta ao Partido Socialista (Doc.3).
Para o efeito foi invocada a elegibilidade dos candidatos, por não serem cabeças de lista, tendo como fundamento o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional nº
244/85, publicado no D.R. II série, de 7 de Fevereiro de 1986.
Em 22 de Outubro o mandatário foi notificado da decisão final do Juiz da Comarca que manteve a sua posição quanto à inelegibilidade dos candidatos por entender que o artº 4, nº 1 - alínea c) do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro,
'...é sintagmaticamente, incisiva, precisa e concisa nos seus elementos literal e sistemático, não se vislumbrando qualquer lacuna conclusiva de que o legislador tenha dito menos do que aquilo que pretendeu na sua 'mens legislatoris' (Doc. 4).
O Juiz, salvo melhor opinião, não teve em atenção os argumentos aduzidos na reclamação do Partido Social Democrata quanto ao alcance da inelegibilidade do artº 4, nº 1 - alínea c) do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro.
Refere o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 244/85, publicado no D.R. II série de 7 de Fevereiro de 1986 que:
'... um funcionário municipal não pode candidatar-se à eleição para a Assembleia de Freguesia do correspondente Município, como primeiro candidato da respectiva lista - ou seja é inelegível, nessa situação, para a mesma Assembleia, na verdade, cabendo a presidência da Junta (nos termos do artº 247º, nº 2 da Constituição) ao 'cidadão que encabeça a lista mais votada na eleição da Assembleia de Freguesia', sendo a Assembleia Municipal constituída, desde logo, pelos presidentes das diferentes Juntas do Município (artº 31, do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, na redacção da Lei nº 25/85, de 12 de Agosto) tem de concluir-se que a candidatura, no primeiro lugar da lista, à Assembleia Municipal - razão por que, encontrando-se nesse lugar um funcionário municipal, fica ele realmente ferido pela inelegibilidade em apreço.
Assim, um funcionário municipal não pode ser 'cabeça de lista' a uma Assembleia de Freguesia, dado que esta candidatura é simultaneamente uma candidatura à Assembleia Municipal do correspondente Município, não o sendo os restantes candidatos que compõem a referida lista, não pondo em risco os princípios de independência e imparcialidade do exercício dos cargos do Poder Local, que o legislador visou proteger.
Acresce ainda a importância que a Constituição da República dá a esta matéria, garantindo princípios d4e igualdade e liberdade a todos os cidadãos no acesso aos cargos públicos, nomeadamente aos electivos, consignados no seu artº 50º.'
Concluiu, requerendo 'provimento ao presente recurso e a aceitação da candidatura dos cidadãos B. e C.'.
Com o recurso juntou cinco documentos:
Documento 1 - Lista dos candidatos
Documento 2 - 1ª Notificação do Tribunal
Documento 3 - Reclamação do PPD/PSD
Documento 4 - Notificação e decisão final do Tribunal
Documento 5 - Certidão de afixação das listas
2. Notificado o mandatário do Partido Socialista, em 3 de Novembro de 1993 do despacho do Mmº Juiz do dia anterior que admitiu o 'presente recurso nos termos dos artºs 25º e 26º, do DL 701-B/76, de 29/9', veio o mesmo responder, sustentando o seguinte:
'Embora pareça não serem relevantes para a apreciação dos dois casos de inelegibilidade que existe à face das Leis eleitorais, pensamos ser pertinente mais uma vez informar e dar o seu parecer às argumentações expostas pelo Sr. mandatário do PPD/PSD, em valer-se do acórdão do Tribunal Constitucional º
244/85, que a inelegibilidade dos funcionários da Autarquia, são apenas aqueles que encabeçam a lista, dado que por inerência do cargo se tornam Membros da Assembleia Municipal, o que não parece corresponder bem á letra da Lei, dado que se verificar a vacatura do 1º candidato da lista quem o vai substituir é aquele que se encontra a seguir na ordem da lista, até pode muito bem acontecer vir a ser o 3º da lista a tomar o cargo de Presidente da Junta, que da mesma forma se tornava também Membro da Assembleia Municipal.
O Partido Socialista entende que as inelegibilidade dos Funcionários das Autarquias dentro da área em que prestam serviço, são inelegíveis.
Qualquer outro argumento mais não serve senão para pretender falsear e introduzir em erro os julgadores e defensores da Democracia. Até porque o artº
48 do Decreto-Lei nº 701-B/76 de 29 de Setembro defende a sua neutralidade e imparcialidade das entidades públicas, outra coisa se não espera dos funcionários da Autarquia para todas as forças concorrentes. Deixamos os dois casos à apreciação de quem de direito serem apreciados para bem das Liberdade e Direitos Democráticos, consignados nas Leis Vigentes.'
3. Por despacho do Mmº Juiz de 5 de Novembro de 1993, foi ordenada a subida do recurso 'nos próprios autos ao Tribunal Constitucional, nos termos do nº 4 do artº 27º e 28º ambos do DL 701-B/76 de 29/9', onde deram entrada em 12 de Novembro de 1993, cumprindo agora decidir.
4. Da análise dos autos resulta que o presente recurso foi tempestivamente e regularmente interposto, sendo o recorrente parte legítima.
Com efeito, o Partido Social Democrata PPD/PSD apresentou com a data de 18 de Outubro de 1993 a lista dos candidatos à Assembleia de Freguesia de S. João da Pesqueira, nela figurando os candidatos nº 3 B. como '2º Oficial Administrativo' e nº 9 C. como 'Funcionária Administrativa', seguindo-se no mesmo dia a afixação das cópias das listas à porta do edifício do Tribunal; sob reclamação do Partido Socialista, o Mmº Juiz, em despacho datado de 20 de Outubro de 1993 ordenou 'a retirada da referida lista do PPD/PSD' daqueles candidatos, com o suprimento da respectiva irregularidade, e nesse mesmo dia marcou o sorteio 'a que alude o artº 23º do DL 701-B/76 de 29/9'; logo em 21 de Outubro, o mandatário daquele Partido, A., veio 'responder à reclamação apresentada pelo Partido Socialista e reclamar da decisão do Juiz' e este, no mesmo dia, proferiu a decisão final ora em apreço.
Com a data de 23 de Outubro, o mesmo mandatário veio interpor recurso daquela decisão, 'ao abrigo do arº 25º, nº 1 do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro', juntando sete documentos, seguindo-se o despacho do Mmº Juiz, datado de 25 de Outubro, a mandar notificar 'O Sr. Mandatário do PS nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 27º do DL 701-B/76, de 29/9', que respondeu no dia seguinte, e, por fim, com a data de 29 de Outubro de 1993 foram afixadas 'as listas à porta do Tribunal', em cumprimento do despacho do Mmº Juiz da mesma data.
Verifica-se, assim, que foram cumpridos todos os trâmites legais relativos ao presente recurso, nada impedindo que seja apreciado o seu mérito e nenhum significado relevante se pode extrair da interposição e tramitação prematuras de um primeiro recurso com a data de 23 de Outubro.
5. Sobre a mesma matéria questionada nestes autos - a inelegibilidade estabelecida no artº 4, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro, relativamente a um funcionário de um quadro de uma câmara municipal candidato a eleição para um órgão de freguesia - teve já este Tribunal Constitucional oportunidade, em sede de fiscalização abstracta sucessiva da citada norma, de se pronunciar no sentido de que 'a inelegibilidade em apreço respeita unicamente à eleição do órgão autárquico de que o candidato é funcionário ou de outro órgão da mesma autarquia' (Acórdão nº 244/85, publicado na II série do Diário da República, nº 32, de 7 de Fevereiro de 1986).
E adianta o citado Acórdão:
'É conveniente, e mesmo necessário, em todo o caso, explicitar e concretizar o alcance da fórmula acabada de enunciar. Assim, significa ela, seguramente, que um funcionário de uma junta de freguesia
é inelegível para a assembleia da mesma freguesia, como significa que um funcionário de certa câmara municipal é inelegível tanto para esse órgão autárquico como para a assembleia do mesmo município. Mas já não significa que aquele primeiro funcionário seja inelegível para a assembleia de outra freguesia ou para a assembleia ou câmara municipal, ainda que do correspondente município; e tão-pouco significa que o segundo dos funcionários acabados de mencionar seja inelegível para a assembleia de qualquer das freguesias do município. Este último asserto tem de comportar, porém, uma restrição - ainda ela decorrente da fórmula acima enunciada. É essa restrição a de que um funcionário municipal não pode candidatar-se à eleição para uma assembleia de freguesia do correspondente município, como primeiro candidato da respectiva lista - ou seja: é inelegível, nessa situação, para a mesma assembleia. Na verdade, cabendo a presidência da junta (nos termos do art. 247º, nº 2, da Constituição) ao cidadão que encabeça a lista mais votada na eleição [de freguesia], e sendo assembleia municipal constituída, desde logo, pelos presidentes das diferentes juntas do município (art. 31º, nº 1, do Dec.-Lei nº 100/84, de 29-3, na redacção da Lei nº 25/85, de 12-8), tem de concluir-se que a candidatura, no primeiro lugar da lista, à assembleia de freguesia é simultaneamente uma candidatura à assembleia Municipal - razão por que, encontrando-se nesse lugar um funcionário municipal, fica ele realmente ferido pela inelegibilidade em apreço. Será indiscutível, com efeito, que as razões determinantes de tal inelegibilidade têm pleno cabimento na situação considerada.'
Ora, transpondo tal entendimento para a hipótese sub judicio, é bom de ver que, como se trata de autarquias locais distintas - o município e a freguesia -, e estando preservada a independência do exercício dos cargos electivos autárquicos e assegurado também que os respectivos titulares desempenham esses cargos com isenção, não funciona para os candidatos em causa, que não são cabeças de lista, a inelegibilidade decorrente da alínea c) do artigo 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76 (cfr. os Acórdãos nºs. 583/89 e 552/89, no tocante a candidatos que figurem como cabeças de lista a assembleias de freguesia, sendo funcionários municipais, e o Acórdão nº 533/89, no sentido de que é elegível 'para a assembleia de freguesia de Gândra, no concelho de Esposende' um candidato que é 'segundo oficial na Câmara Municipal de Esposende').
6. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, declaram-se elegíveis para a Assembleia de Freguesia de S. João da Pesqueira os candidatos B. e C., do Partido Social Democrata PPD/PSD.
Lisboa, 15 de Novembro de 1993
Guilherme da Fonseca (com a declaração de que propenderia mesmo a sustentar a inconstitucionalização do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, na linha da declaração de voto aposta no Acórdão nº 705/93) Bravo Serra Maria da Assunção Esteves Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Antero Alves Monteiro Dinis António Vitorino Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa