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Proc. nº 871/93 Plenário Rel.: Cons. Ribeiro Mendes (Sousa e Brito)
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. A., presidente da Assembleia de Freguesia da Falagueira, Venda Nova, no concelho da Amadora, interpôs o presente recurso em
30 de Dezembro de 1993, impugnando a decisão pela qual a assembleia de apuramento geral das eleições autárquicas de 12 de Dezembro de 1993 na área do concelho da Amadora distribuiu 20 mandatos pelas listas concorrentes à eleição da Assembleia de Freguesia da Falagueira/Venda Nova. Alega que foi publicado em
21 de Dezembro do ano transacto o edital do apuramento geral que distribuiu tais mandatos.
O recorrente juntou ao seu requerimento uma fotocópia do edital dos resultados do apuramento geral na eleição da Assembleia de Freguesia da Falagueira/Venda Nova, uma fotocópia de um ofício por si enviado ao Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral, à Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo e à Direcção-Geral de Administração Autárquica - expondo a irregularidade que agora argui e pedindo instruções - e uma fotocópia da resposta enviada por esta última entidade, na qual se aventa a apresentação de reclamação ao presidente da assembleia de apuramento geral, a audição da Comissão Nacional de Eleições ou a interposição de eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
2. O recorrente sustenta que seriam 19 e não 20 os mandatos a atribuir, por haver 30.401 eleitores naquela freguesia, ante o disposto no nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Maio.
3. Como não juntou a acta do apuramento geral, o primitivo relator ordenou a notificação, para o efeito, do Governador Civil de Lisboa, o qual enviou a este Tribunal acta da assembleia de apuramento geral.
4. O primitivo relator mandou notificar o Partido Socialista para responder, querendo, a este recurso, atendendo a que, da sua procedência, resultaria que este partido ficaria privado de um representante naquela assembleia de freguesia. Este partido não ofereceu qualquer resposta.
5. Procedeu-se à discussão do projecto de acórdão apresentado, o qual não obteve vencimento. Houve, por isso, mudança de relator.
II
6. O recorrente invoca, na sua petição, a qualidade de presidente de assembleia de freguesia cessante - a quem compete proceder à instalação da nova assembleia, por força do que estabelece o nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 100/84. Esta sua qualidade conferir-lhe-ia, segundo se depreende da petição de recurso, legitimidade para a interposição do mesmo.
Para além disso, do edital e da acta juntos aos autos retira-se que o recorrente foi eleito membro da Assembleia de Freguesia da Falagueira/Venda Nova, na lista da CDU (de facto, há coincidência entre o nome do recorrente e o do candidato eleito na eleição de 1993, parecendo razoável supor que se trata da mesma pessoa). Assim, o recorrente tem legitimidade para interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 103º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro.
7. O recorrente não prova, no entanto, ter apresentado reclamação ou protesto no acto em que se verificou a alegada irregularidade (assembleia de apuramento geral). Não apresentou, aliás, fotocópia da acta da assembleia de apuramento geral com a petição de recurso
(verificou-se, posteriormente, que não foi lavrado qualquer protesto na matéria). E, por outro lado, não interpôs o recurso no prazo de quarenta e oito horas a contar da afixação do edital dos resultados do apuramento geral: esta afixação ocorreu em 21 de Dezembro de 1993 e o recurso deu entrada no Tribunal Constitucional pelas 11 horas e 55 minutos do dia 30 de Dezembro do mesmo ano.
Deste modo, deverá concluir-se pela intempestividade do recurso, ao abrigo dos artigos 103º, nºs 1 e 3, e 104º, nº
1, do Decreto-Lei nº 701-B/76, respectivamente. Tal conclusão só poderá ser afastada se se entender que a irregularidade em presença constitui uma nulidade insanável, invocável a todo o tempo por qualquer interessado e do conhecimento oficioso do Tribunal Constitucional.
8. O nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 100/84 determina que 'a assembleia de freguesia é composta por 19 membros quando o número de eleitores for superior a 20.000. [...]' Por seu turno, o nº 2 do mesmo preceito estabelece que 'nas freguesias com mais de 30.000 eleitores o número de membros atrás referido é aumentado de mais 1 por cada 5.000 eleitores além daquele número.'
Ora, havendo 30.401 eleitores inscritos na freguesia da Falagueira/Venda Nova (como resulta da acta da assembleia de apuramento geral entretanto junta aos autos) deveria a assembleia geral ter procedido à distribuição de 19 mandatos (e não de 20), por força das normas transcritas. O regime em vigor difere do que era consagrado no nº 2 do artigo 6º da Lei nº 79/77, de 25 de Outubro, que determinava a atribuição de um mandato suplementar por cada grupo completo de 5.000 eleitores ou sua fracção.
9. Deste modo, terá sido ilegal a deliberação da assembleia de apuramento geral de distribuir, no caso vertente, o vigésimo mandato ao candidato B., da lista do PS.
Qual a consequência de tal ilegalidade?
Entende-se que, no caso em presença, ocorre uma irregularidade de um dos actos praticados pela assembleia de apuramento geral (a distribuição dos mandatos pelas diversas listas, no caso a atribuição de um vigésimo mandato relativamente àquela assembleia - cfr. art. 98º, alínea c), do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Outubro) impugnável nos termos dos arts. 103º e 104º deste diploma.
Não se exclui em absoluto que possa haver irregularidades de maior gravidade, susceptíveis de gerar uma nulidade absoluta da própria eleição ou até de uma outra operação eleitoral. Para tal é necessário, porém, que a lei o preveja. O Tribunal Constitucional entendeu já que, num caso de presença de força armada numa assembleia de voto, ocorreria uma nulidade da votação, susceptível de ser conhecida oficiosamente pelo próprio Tribunal atento o disposto no art. 81º, nº 4, do Decreto-Lei nº 701-B/76
(veja-se o acórdão nº 322/85, tirado por maioria, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol. págs. 1173 e segs.).
Na ausência porém, de qualquer apoio legal, não pode o Tribunal Constitucional considerar que o erro na atribuição de um mandato, devido a um erro na interpretação e aplicação da lei ou a um outro tipo de erro, possa gerar uma irregularidade do apuramento de tal modo grave, que possa ser apreciada a todo o tempo e até oficiosamente. No acórdão nº 17/90 deste Tribunal, inédito, não se tomou conhecimento do recurso interposto da recusa do presidente de certa assembleia de apuramento geral de convocar a mesma assembleia para rectificar um invocado erro de cálculo na aplicação do método de HONDT, por se ter considerado precisamente que o recorrente não cumprira o ónus da prova de que se não estava perante um erro de aplicação do direito, mas sim perante um verdadeiro erro de cálculo. E, em tal caso, consolidou-se uma situação em que a indevida atribuição de um mandato a uma força política implicou que o partido vencedor perdesse a maioria absoluta na respectiva eleição.
Não se considera que, no presente caso, a irregularidade de apuramento seja mais grave do que a apreciada no citado Acórdão nº 17/90. Não pode, por isso, sustentar-se que a atribuição do vigésimo mandato, que não foi objecto de reclamação atempada, se traduziu num acto sem objecto ou se pode configurar como uma violação qualificada de normas de organização política autárquica.
Impõe-se, por isso, a conclusão de que o recurso foi apresentado fora do prazo de 48 horas, previsto no art. 104º, nº 1, da mesma lei eleitoral.
III
10 Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do presente recurso, por ter sido interposto extemporaneamente.
Lisboa, 5 de Janeiro de 1994
Armindo Ribeiro Mendes
Bravo Serra
Antero Alves Monteiro Dinis
Fernando Alves Correia
António Vitorino
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Guilherme da Fonseca
Vítor Nunes de Almeida
Messias Bento
José de Sousa e Brito(vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Votei vencido por entender que se deveria ter declarado nula a decisão tomada pela Assembleia de Apuramento Geral das eleições autárquicas de 12 de Dezembro de 1993 na área do concelho da Amadora, pela qual se distribuiu o vigésimo mandato na Assembleia da Freguesia da Falagueira/Venda Nova ao candidato B., da lista do PS.
A invalidade em causa constitui uma nulidade. Trata-se de um acto de administração eleitoral que é nulo por impossibilidade legal do objecto sobre o qual recaiu a decisão (artigo 133º, nº 2, alínea c) do Código do Procedimento Administrativo). Com efeito, o nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 100/84 só admite, no caso, a distribuição de 19 mandatos.
É certo que o nº 1 do artigo 103º do Decreto-Lei nº 701-B/76 se refere, indiscriminadamente, a 'irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento parcial e geral', que subordina a um único regime. Por outro lado, o artigo 105º do mesmo diploma legal parece confundir os conceitos de nulidade e anulabilidade, nos seus nºs 1 e 2, respectivamente.
Isto não basta, porém, para concluir que todas as irregularidades eleitorais assumem idêntica gravidade. O regime da nulidade não
é expressamente excluído por nenhuma das normas citadas e há irregularidades que, pela sua natureza, o decurso do tempo não pode sanar.
Admitir, no caso vertente, que a irregularidade teria sido sanada pela ausência de reclamação ou protesto e de recurso tempestivo equivaleria, na verdade, a aceitar que a organização do poder político ao nível autárquico (que se inclui na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto na alínea j) do artigo 167º da Constituição) fosse pontualmente atribuída a uma assembleia de apuramento geral. Ora, isso é totalmente inaceitável: uma assembleia de apuramento geral não pode criar mandatos para além dos legalmente previstos e, se o fizer, a sua decisão não pode aspirar à validade (por ausência de reclamação ou protesto e de recurso).
Desta sorte, deve qualificar-se a irregularidade sub judicio como uma nulidade a que se aplica o regime prescrito no artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo (cfr., sobre a nulidade de actos eleitorais, o Acórdão nº 332/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6 º vol.
(1985), p. 1173 e ss.).
Não há contradição entre esta posição e a que relatei no Acórdão nº 17/90. Aí tratava-se de matéria, a distribuição dos mandatos legalmente previstos entre as forças concorrentes, que depende da vontade dos intervenientes na eleição: os eleitores, os candidatos e os partidos políticos concorrentes. Por isso se compreende que, na falta de protesto ou de reclamação e de recurso, as irregularidades de distribuição como, aliás, em princípio, todas as irregularidades das eleições, posto que estas tendem para a distribuição final dos mandatos, possam ser sanadas. Já não assim quanto à própria existência de mandatos, que é matéria que a Constituição reserva para a lei e, assim, para o domínio da vontade da Assembleia da República.
Luís Nunes de Almeida