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Procº nº 592/92.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. Por despacho saneador lavrado em 25 de Junho de 1988 pelo Senhor Juiz do 13º Juízo do Tribunal Cível da comarca de Lisboa na acção que seguia a forma de processo especial de despejo e que foi instaurada por A., B. e C. contra D. e mulher, E., foram os Réus condenados a entregar às Autoras o
-----º andar, letra ------, do prédio urbano sito na Rua -------, nº ------, em Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial sob o nº -------, prédio esse do qual estas são proprietárias e que tinha sido dado de arrendamento a F. antes da aquisição, pelas Autoras, da propriedade do dito prédio, arrendatária que, por seu turno, o subarrendou aos Réus e que, em Novembro de 1988, tinha dado conhecimento às Autoras que, a partir de 31 de Dezembro de 1986, denunciava o contrato de arrendamento anteriormente celebrado.
2. Não se conformando com tal condenação, apelaram os Réus para o Tribunal da Relação de Lisboa, referindo a dado passo na respectiva alegação:
'.............................................
E se os proprietários do andar, e por isso as A.A. deram poderes à sublocadora para sublocar livremente e esta no uso desse direito convencionou com o R. que o subarrendamento não poderia ser denunciado antes se renovando automaticamente salvo denúncia do R. tal convenção produz efeitos na esfera jurídica das A.A. e impede-as de obterem a denúncia do contrato de subarrendamento que nos termos por elas consentidos não poderia ser denunciado.
A denúncia do contrato de arrendamento efectuada pela sublocadora às A.A. não só não tem pois qualquer efeito por a ela se opôr o artº 1095º do Código Civil, mas ainda não é oponível ao R. que quando celebrou o contrato de arrendamento e deferiu as condições contratuais o fez com o conhecimento da especial protecção que no caso dos autos o subarrendamento tinha.
Acresce que,
Pretender que a regra do artº 1102º do Código Civil se aplique ao caso dos autos é interpretação de tal maneira ampla do normativo legal que forçosamente colide com o direito constitucional à habitação consignado no artº
65º da Constituição.
Repare-se quão diminuído ficaria tal direito se em qualquer situação de subarrenda- mento total, por negócio entre o proprietário (senhorio) e inquilino/sublocador com lucros negociais para este pudesse ser extinto o contrato de arrendamento deixando completamente vazia a garantia do direito à habitação.
E por isso,
O entendimento da expressão por qualquer causa que consta do artº
1102º do Código Civil não tem o alcance amplo que as A.A. pretendem.
.............................................'
3. A Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Janeiro de
1992, negou provimento à apelação e, no tocante à questão da caducidade do contrato de subarrendamento, discorreu do seguinte modo:
'.............................................
Nos termos do disposto no artº 1.102º., do Código Civil, o subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável.
Como salienta o Prof. Antunes Varela, na citada Revista, Ano 101-207, o actual Código Civil manteve, quanto ao subarrendamento dos prédios urbanos, a regra de que o contrato caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento que lhe serve de base - subordinação ou dependência do contrato derivado perante o contrato principal - ressalvando, também, a responsabilidade do sublocador para com o sublocatário quando a causa da extinção proceda de acto ou omissão daquele.
Por outro lado, Pires de Lima e Antunes Varela, no seu 'Código Civil Anotado', Vol. II-385, da 1ª Edição, são, também, concludentes quando apontam o exemplo da rescisão do contrato de arrendamento por acordo das partes contraentes, acordo que consideram oponível ao subarrendatário, embora reconhecendo que ele tem direito a uma indemnização por parte do seu locador, o arrendatário.
De resto, se bem atentarmos na parte final do citado artº 1.102º logo vemos que foi essa a intenção do legislador, não só quando foi peremptório ao afirmar, sem admitir excepções, que a caducidade operava com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, mas também, e porventura mais sugnificativamente, quando admitiu que ela ocorresse por motivo que fosse imputável mesmo ao sublocador, não para a excluir mas para o responsabilizar perante o sublocatário.
Não temos, assim, dúvidas, face ao texto legal, à doutrina citada e à jurisprudência corrente - neste sentido, recentemente, decidiu, também, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 27 de Junho de 1991, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano 16-III-168 - que o contrato de subarrendamento, ao abrigo do qual os réus habitam no andar e está junto a fls 26, caducou com a denúncia pela arrendatária, sublocadora, do contrato de arrendamento de fls. 5.
Sustenta, é certo, o apelante que a sublocadora não tinha, por força do disposto no artº 1.095º. do Código Civil, o direito de denúncia do referido contrato de arrendamento.
Mas também sem razão a nosso ver.
Na verdade, o que o artº 1.095º. veda é ao senhorio denunciar o contrato de arrendamento.
O arrendatário, esse, pode sempre denunciá-lo atento o estatuído na parte final do citado artº 1.095º., conjugado com o disposto nos artºs 1.054º. nº 1 e 1055º., todos do Código Civil.
Sendo assim, é evidente que a locatária F. podia sempre denunciar o contrato de arrendamento junto a fls. 5, como fez.
O que ela não podia era, como sublocadora, denunciar o contrato de sublocação, junto a fls. 26.
Mas isso não fez ela.
O contrato de arrendamento junto a fls. 26 caducou por força do estatuído no artº 1102º., do Código Civil, e não por esse mesmo contrato ter sido denunciado pela sublocadora.
Manifestamente são coisas diferentes - fundamentos diferentes - que não é legítimo confundir, juridicamente.
Sendo assim, é evidente que o subarrenda- mento caducou por uma causa legítima, que estava ao alcance do sublocador, como locatário que era, atento o teor das normas citadas, que lhe reconhecem o direito que exerceu.
Finalmente, dir-se-á que a invocação das alíneas c), do nº 1, e do nº
2, do artº 1051º do Código Civil não têm aqui aplicação, já que a regra especial da caducidade, prevista no artº 1102º para o subarrendamento prevalece, necessariamente, sobre a primeira.
Trata-se, de resto, de norma não concebida para a hipótese dos autos.
No caso 'sub iudice', repete-se, a nossa lei só reconhece ao sublocatário o direito a ser indemnizado pelo sublocador.
.............................................'
4. Deste acórdão recorreu o Réu D. para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo que nele foi feita 'aplicação do art. 1102 do Código Civil em colisão com o direito consignado no art. 65 da Constituição da República Portuguesa, questão suscitada ... nas alegações do recurso de apelação interposto da decisão de 1.ª instância'.
6. Admitido o recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, produziu o recorrente alegação na qual conclui:
'1. Nos presentes autos o recorrente é titular como sublocatário de um contrato de arrendamento devidamente autorizado pelo senhorio e celebrado com a locatária;
2. Por carta da locatária dirigida ao senhorio foi rescindido o contrato de arrendamento produzindo a rescisão efeitos em 31 de Dezembro de 1989;
3. O recorrente, sublocatário, não foi ouvido sobre tal rescisão, sendo certo que o subarrendamento era total e se destinava à habitação do recorrente e do seu agregado familiar;
4. Sendo embora verdade que o art. 1102 do Código Civil consagra que o subarrendamento caduca com a extinção por qualquer causa do contrato de arrendamento de que necessariamente depende, também é verdade que o direito à habitação é um direito pessoal fundamental consagrado constitucionalmente que segue o regime dos direitos, liberdades e garantias sendo por isso de aplicação directa - artº s 17, 18 n. 1 e 65 n. 1 da Constituição;
5. A expressão por qualquer causa que o art. 1102 do Código Civil contem tem que se entender necessariamente como limitada pelo direito pessoal fundamental à habitação, e como tal não pode deixar de ser influenciada pelo direito posterior
à redacção art. 1102, ajustando a interpretação àquilo que é a consagração do direito à habitação;
6. Por isso, aquela expressão tem de ser entendida como determinando a cessação nos casos em que o contrato de arrendamento termine por causa legítima, e não, como foi o caso do Acórdão recorrido, aceitando que a mera estipulação contratual entre senhorio e inquilino, sem intervenção da parte que efectivamente usufrui do direito à habitação possa conduzir à cessação automática do contrato de subarrendamento criando uma verdadeira situação de precariedade do direito à habitação decorrente do contrato de subarrendamento
-... ;
7. O Acórdão recorrido, ao fazer a interpretação literal do art. 1102 do Código Civil, viola assim no fim social do direito à habitação e o direito pessoal fundamental que este representa nos termos do art. 65 da Constituição.
Termos em que,
Deve ser revogado o Acórdão recorrido, consagrando-se, no
âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, que a interpretação do art. 1102 do Código Civil efectuada pelo Tribunal recorrido ofende o art. 65 n.
1 da Constituição ...
Por sua banda, as recorridas concluiram a respectiva alegação do seguinte jeito:
'a) O Recurso é inadmissível por a tal se opôr a al. b) do nº. 1 do artº. 70º. da Lei nº. 28//82, de 15.11.82; b) O Recurso não tem objecto porque não indica a norma cuja inconstitucionalidade é posta em causa; c) A interpretação dada pelo acórdão recorrido não viola o direito à habitação garantido pelo artº. 65º, da C.R.P.
Termos em que deve ser negado provimento ao Recurso, devendo ainda o Recorrente ser condenado como litigante de má-fé, já que é nítido o seu propósito de protelamento de ocupação ilegítima do andar arrendado'.
7. Respondendo às questões prévias suscitadas pelas recorridas e ao pedido, deduzido pelas mesmas, de condenação do recorrente como litigante de má fé, veio este defender que tais questões deveriam ser rejeitadas, e que o mesmo não litigava de má fé, pois que ele tem sempre ' o direito de fazer valer os direitos que invoca e que em seu entender conduzem à improcedência da acção'.
II
1. Como se viu, suscitam as recorridas a questão de o presente recurso não ser admissível, por isso que o recorrente não teria suscitado durante o processo a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica.
Será assim?
2. Como deflui da transcrição, acima feita, de um passo da alegação efectuada pelo recorrente aquando da apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o mesmo, muito embora nas conclusões apresentadas nessa peça processual não se referisse a tal questão, suscitou o problema de a interpretação, dada ao artº 1102º do Código Civil pelo saneador/sentença de 1ª instância então impugnado, ser de tal modo ampla que iria colidir com o direito consagrado no artigo 65º da Constituição.
Ora, pese embora a circunstância de a Relação de Lisboa, no seu aresto ora sob censura, se não ter referido ao problema suscitado, o que
é certo é que, igualmente como resulta da transcrição supra efectuada, fez aplicação do normativo contido no mencionado artº 1102º do Código Civil de molde idêntico ao seguido pelo tribunal de 1ª instância, ou seja, conferindo-lhe uma interpretação semelhante à perfilhada pelo tribunal onde foi proferida a decisão sob recurso.
Na realidade, no acórdão sub judice, o indicado artigo do Código Civil foi interpretado de modo a expressão «por qualquer causa» - nele contida - não abarcar somente os casos em que exista causa legítima e em que sejam ressalvados os direitos do sublocador.
Pois bem.
Essa interpretação, perfilhada de modo semelhante no tribunal de 1ª instância e na Relação era, justamente, aquela que o recorrente, no seu ponto de vista, não deveria ser seguida por, na sua perspectiva, colidir com o preceito constitucional constante do artigo 65º da Constituição.
E que um tal ponto de vista foi, na alegação para a Relação, apresentado pelo recorrente, é coisa da qual se não pode duvidar, o que facilmente se atinge pela leitura do passo anteriormente transcrito.
2. Porque o presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro; porque, como tem sido jurisprudência pacífica deste Tribunal, para que se considere adequadamente suscitada a questão de constitucionalidade basta que, presentes os demais requisitos condicionadores do recurso, se argua a inconstitucionalidade de certa interpretação de uma norma (cfr., por todos, o Acórdão nº 258/88, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 11 de Fevereiro de 1989);
porque o recorrente, antes da prolação do acórdão sob censura, veio suscitar a desconformidade constitucional de uma certa interpretação da norma do artº 1102º do Código Civil, tal como foi adoptada no saneador/sentença proferida na 1ª instância;
porque no acórdão em apreço foi essa norma interpretada em sentido idêntico ao seguido pelo indicado saneador/sentença e, dessa sorte, aplicada como suporte da decisão contida nesse mesmo acórdão e, finalmente,
porque não se afigura que os requisitos condicionadores do recurso reportado na aludida alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 estejam in casu preteridos,
então de concluir é que, contrariamente ao defendido pelas recorridas, o presente recurso é admissível.
3. As razões acima enunciadas valem também no tocante
àquilo que as recorridas designam por inexistência de objecto do recurso.
De facto, estas estribam uma tal conclusão no facto de o recorrente não ter suscitado a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, pois se limitou 'a pôr em causa a interpretação que [ao artº 1102º do Código Civil] é dada pelo acórdão da Relação, pretendendo uma outra interpretação restritiva, ou, retorcida do preceito'.
Todavia, como já se assinalou, a suscitação da questão de inconstitucionalidade tem-se por adequada se reportada a uma certa interpretação de uma norma jurídica aplicada com o sentido constante dessa interpretação numa decisão judicial, motivo pelo qual, neste particular, falece razão às recorridas.
Isto posto, passemos à apreciação da questão de constitucionalidade suscitada neste recurso.
III
1. A norma em crise reza do seguinte modo:
'Artigo 1102º.
(Caducidade)
O subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável.'
2. Este preceito - que hoje já não se encontra em vigor, pois que foi revogado pela alínea a) do nº 1 do artº 3º do Decreto-Lei nº
321-B/90, de 15 de Outubro, diploma por intermédio do qual foi aprovado o Regime de Arrendamento Urbano - , segundo a doutrina maioritária, não visa, por qualquer modo, regular o estabelecimento de relações jurídicas entre o senhorio e o sublocatário, e isto pela simples razão segundo a qual a sublocação não envolve ou coenvolve a transmissão ou cessão, por qualquer forma, da relação jurídica de arrendamento estabelecida entre senhorio e locatário/sublocador
(cfr., sobre a figura, Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano
100º, 207, Vieira Miller, Arrendamento urbano, 1967, 182 e segs., Isidro de Matos, Arrendamento e Aluguer, 1968, 160 e segs., maxime, 271 e 272, Estelita de Mendonça, Da Sublocação, 1970, 184 e segs. e P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, 587 e 588; cfr., ainda, pareceres proferidos pela Câmara Corporativa em 5 de Fevereiro de 1947 - reportadamente ao diploma que veio a tomar o nome de Lei nº 2.030, ponto 27 - e em 6 de Abril de 1961).
Daí que, forçosamente, exista uma subordinação (ou dependência) entre o (ou do) contrato de subarrendamento e o (ou perante o) contrato de arrendamento, não podendo o primeiro subsistir se o segundo terminar os seus efeitos jurídicos.
E daí, igualmente, que, como se refere no parecer da Câmara Corporativa atrás citado em primeiro lugar, os direitos do sublocatário estejam 'inteiramente dependentes dos direitos' do arrendatário/sublocador, não podendo o senhorio sofrer benefícios ou consequências da sublocação que autorizou, quantas vezes desconhecendo quem virá a ser o sublocatário; cabe, pois, a este, e tão só, garantir àquele a usufruição do prédio (cfr. Isidro de Matos, ob. cit., 271), motivo pelo qual, nos casos em que a insubsistência do contrato de locação seja imputável ao arrendatário/sublocador, a este caberá indemnizar o sublocatário que, assim, somente terá o direito de, por aquele arrendatário/sublocador, ser ressarcido das perdas e danos que lhe advieram pela não usufruição do prédio, já não tendo, por outro lado, quaisquer direitos a exercer perante o senhorio (cfr. o exemplo dado por Pires de Lima e A. Varela, ob. cit.,588, no que concerne aos casos de revogação do contrato de arrendamento por acordo dos contratantes - senhorio e arrendatário - , acordo esse que se impõe ao sublocatário, embora tenha ele, em tal situação, o direito a ser indemnizado pelo seu arrendatário, ou seja, o sublocador).
3. Sendo esta a interpretação conferida pela doutrina à disposição em apreço, e que, aliás, foi a seguida no aresto recorrido, cabe agora, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, apreciar se ela
é conflituante com as normas ou princípios decorrentes da Lei Fundamental, designadamente se à mesma se opõe o que se consagra no seu artigo 65º, nº1.
Adiante-se desde já que a resposta é negativa.
3.1. No preceito constitucional atrás citado consagra-se o reconhecimento a todos os cidadãos do direito a terem «para si e para a sua família, uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
Como se disse no Acórdão deste Tribunal nº 130/92
(Diário da República, 2ª Série, de 24-JUL-92), aqui se consagra 'o direito a uma morada decente...; uma morada que seja adequada ao número de membros do respectivo agregado familiar, por forma a que seja preservada a intimidade de cada um deles e a privacidade da família no seu conjunto; uma morada que, além disso, permita a todos viver em ambiente fisicamente são e que ofereça os serviços básicos para a vida da família e da comunidade'.
Tal direito (que agora não interessa discutir se representa um verdadeiro direito subjectivo ou uma mera pretensão jurídica - cfr., sobre o ponto, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 205, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 106 e Gomes Canotilho, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, III, 461, e Direito Constitucional, 5ª edição, 680 a 682) dirige-se, em primeira linha, ao Estado, entidade à qual são destinadas as incumbências, imposições e obrigações que se consagram nos números 2 e 3 do aludido artigo 65º e não, desde logo, aos titulares dos direitos de propriedade ou de gozo das habitações.
O grau de concretização do mencionado direito há, por consequência, que depender das opções que o legislador ordinário venha a tomar na matéria.
Mas se isto é assim, impõe-se que se analise a norma em causa à luz do falado direito, e isto para que se não esvazie ele daquela dimensão mínima que deve ser satisfeita pelo Estado.
Por isso cabe perguntar se a norma em apreciação vai desproteger acentuadamente o sublocatário, despojando-o infundada a arbitrariamente do direito à habitação nos casos em que exista uma mera conveniência do sublocador em tornar insubsistente o contrato de arrendamento.
A resposta a esta questão depara-se-nos como devendo ser negativa.
3.2. Na verdade, está aqui também em causa uma razão válida fundada no direito de propriedade ou de gozo da coisa locada detido por outrem, que simplesmente autoriza aquele ao qual cedeu a usufruição dessa coisa que, caso o deseje, a possa sublocar total ou parcialmente, independentemente de saber se esse desejo vem ou não a ter efectiva concretização e quem vai ser a contraparte do negócio jurídico concretizador desse desejo.
Ora, no caso, não se vislumbram razões que, nomeadamente no que concerne ao direito de propriedade - que, indubitavelmente, tem uma função social a prosseguir - tenha ele de suportar sacrifícios tais que posterguem o respectivo conteúdo e extensão em nome de uma solidariedade com o sublocatário cuja posição adveio de um negócio ao qual é estranho o locador.
Por outro lado, também não se pode falar em que a imposição da caducidade da sublocação nos casos em que a locação da coisa cesse por qualquer causa, deixa o sublocatário numa posição total e arbitrariamente desprotegida, pois que a norma em questão ressalva a possibilidade de ressarcimento do sublocador nos casos em que a cessação do contrato de locação seja imputável ao arrendatário/sublocador.
Estas duas razões são de per si suporte válido para a opção tomada pelo legislador ordinário para consagrar a caducidade do subarrendamento nos casos de extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, não impondo desta arte ao locador/senhorio uma restrição à sua liberdade negocial consistente na manutenção do contrato de sublocação no qual não interveio, opção legislativa essa que não vai, assim, violar o direito social prescrito no nº 1 do artigo 65º da Constituição.
IV
1. Resulta do relato acima efectuado que as recorridas entendem que o recorrente litiga de má fé, por isso que, com a impugnação, por ele levada a efeito, do acórdão lavrado na Relação de Lisboa, mais não pretende que 'protelar a ocupação ilegítima de propriedade alheia'.
Independentemente da questão de saber se é, efectivamente, essa a razão última que reside na mente do recorrente - o que, porque se trata de um facto subjectivo, dificilmente seria alcançável - o que é certo é que, de todo o modo, o que, de forma objectiva, se nos depara nos autos por banda do mesmo recorrente é a sustentação da inconstitucionalidade da interpretação conferida a uma norma, questão que, aliás, ao que saiba, não tem sido objecto de tratamento por parte, ao menos, da jurisprudência nacional.
2. Ora, ainda que se entendesse que a questão levantada pelo recorrente era, por si, ousada, isso não significa que, à partida e em abstracto, ele soubesse ou tivesse a obrigação de saber que a solução a dar a tal questão iria ser diferente daquela que por si é aqui sustentada.
Tem a doutrina e a jurisprudência entendido, sem discrepâncias, que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não integra litigância de má fé (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., 263, o parecer do Conselho Superior da Ordem dos Advogados publicado na Revista daquela Ordem, 10º, 516, Ac. do S.T.J. de 20-JUL-82, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 319, 301 e segs. e Acórdão nº 376/91, do Tribunal Constitucional, publicado na 2ª Série do Diário da República de 2-ABR-92).
3. Neste contexto, a defesa, feita pelo recorrente, do ponto de vista segundo o qual padece do vício de inconstitucionalidade a interpretação conferida pelo acórdão impugnado à norma constante do artº 1102º do Código Civil, ainda que esse ponto de vista não seja aquele que o Tribunal perfilha, não pode ser entendida como integrando litigância de má fé, pelo que não é de atender ao pedido de condenação formulado pelas recorridas.
IV
Perante o exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se, pois, na parte impugnada, o acórdão recorrido.
Lisboa, 1 de Março de 1994
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Messias Bento
Guilherme da Fonseca (dispensado o visto) Luís Nunes de Almeida