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Acórdão 19/94ACÓRDÃO Nº 19/94 processo nº 12/94
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., mandatário do Partido Socialista no concelho de Vimioso para as eleições autárquicas, vem interpor recurso do apuramento parcial e geral da eleição da assembleia de freguesia de Vale de Frades com os seguintes fundamentos:
(a). A eleição dos órgãos autárquicos na mesa da freguesia de Vale de Frades (Câmara Municipal, Assembleia Municipal e Assembleia de Freguesia de Vale de Frades), no dia 12 de Dezembro de 1993, decorreu num clima de forte perturbação, pautando-se o acto eleitoral por graves irregularidades, quer no decorrer da votação, quer no apuramento parcial da eleição. Com efeito, logo no início dos trabalhos daquela mesa eleitoral e, após a conferência da documentação da mesma, o secretário da mesa, o Sr. B., deu boletins de voto aos vários elementos presentes. No entanto, o presidente da mesa, Sr. C., candidato nº ----, pela lista do PPD/PSD à Assembleia de Freguesia de Vale de Frades, não votou no início dos trabalhos, conforme dispõe o nº 2 do artigo 73º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro;
(b). Mais tarde, quando os elementos da mesa estavam a colocar editais, o senhor presidente da mesa, muniu-se de boletins e dirigiu-se para a câmara de voto;
(c). Quando regressou, trazia boletins de voto dobrados e boletins de voto abertos;
(d). Foi interpelado pelo escrutinador Senhor D., nº
----, e pelo delegado do Partido Socialista, Sr. E., eleitor nº -----, no sentido de saber qual a razão de ter tantos boletins de voto na mão;
(e). O senhor presidente, C., respondeu que se tinha enganado e levado boletins a mais para a câmara de voto, mas que já ia pôr os mesmos no local;
(f). A deliberação tomada pela mesa, durante o acto eleitoral, onde se diz que foram postas pessoas na rua, por fazerem barulho e perturbarem o ambiente calmo na sala, refere-se, segundo foi apurado, ao pai do mandatário do PPD/PSD, Sr. F., eleitor nº ---, e ao mandatário da lista do PPD/PSD, Sr. G., eleitor nº ------;
(g). Permaneceram na assembleia de voto quase duas horas e tentaram com a sua presença influenciar os eleitores;
(h). O senhor mandatário criou confusão na mesa, ao discutir e influenciar a mesa em decisões e deliberações, tomadas de manhã, relativamente à votação de pessoas doentes;
(i). O senhor mandatário não abandonou a assembleia de voto, havendo discussão com os delegados do Partido Socialista e estes, por diversas vezes, pediram ao presidente da mesa para este pôr ordem e respeito na citada assembleia;
(j). No final dos trabalhos de apuramento parcial, a confusão era enorme e aumentou devido ao facto de o mandatário do PPD/PSD se ter apresentado na assembleia de voto, mexer na documentação existente e tentar dirigir os trabalhos de apuramento final, violando assim o disposto no artigo
374º do Código Penal;
(k). Quando o mandatário do Partido Socialista apareceu
(porque foi solicitado pelos delegados do PS), a fim de elaborar protesto ao acto eleitoral, a confusão reinava, e foi-lhe dito a este, pela mesa, que o mesmo não era necessário, pois eles consideravam o escrutínio como provisório e já estava lavrado em acta para o juiz repetir o acto eleitoral, pois o mesmo indiciava fraude;
(l). A mesa de apuramento geral, consciente da gravidade da situação e dado constatar que, no resultado da assembleia de freguesia de Vale de Frades, teria havido viciação do resultado eleitoral, deliberou mandar repetir o acto eleitoral, por julgar ser da sua competência.
Esta deliberação foi tomada por sete votos a favor e um contra, sendo este o do presidente da mesa de voto da assembleia de Vale de Frades, Sr. C., o que na nossa opinião, não deixa de ser sintomático.
(m). Da deliberação tomada pela assembleia de apuramento geral foi interposto recurso pelo mandatário do PSD das listas do município de Vimioso.
(n). Após acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, que foi no sentido do seu deferimento, foi, em consequência, determinado que a assembleia de apuramento geral procedesse, de novo, à operação de apuramento geral.
(o). No dia 7 de Janeiro último, reuniu a assembleia de apuramento geral a fim de cumprir o determinado em douto acórdão do Tribunal Constitucional.
(p). Mantiveram-se, no entanto, os pressupostos de irregularidades e ilegalidades que motivaram a primeira deliberação da assembleia de apuramento parcial na medida em que:
- Os votos entrados a mais na urna, poderão ter sido colocados pelo presidente da mesa de assembleia de voto;
- A eleição para os órgãos autárquicos decorreu num clima de perturbação;
- Havia conluio entre o presidente da mesa e o mandatário do PPD/PSD.
Fundado em que 'os votos a mais vêm influir no resultado geral da eleição para a assembleia de freguesia' de Vale de Frades, pede o requerente se considere 'nula a referida eleição'.
O recorrente instrui a sua petição com os seguintes documentos:
(a). Fotocópia da acta da assembleia de apuramento geral realizado em 16 de Dezembro de 1993, com documentos anexos;
(b). Fotocópia da acta da assembleia do apuramento geral realizado em 7 de Janeiro de 1994, com documentos anexos;
(c). Fotocópia de cadernos eleitorais;
(d). Fotocópia da acta das operações eleitorais da assembleia de voto da freguesia de Vale de Frades;
(e). Certidão de que o edital, contendo os resultados dos votos apurados na eleição para a assembleia de freguesia de Vale de Frades, do concelho de Vimioso, realizada em 12 de Dezembro de 1993, foi afixado à porta do edifício da Câmara Municipal, às 9 horas do dia 10 de Janeiro de 1994;
(f). Fotocópia de uma procuração e de dois substabelecimentos, de onde resulta que o recorrente é o mandatário do Partido Socialista para as eleições autárquicas, no concelho de Vimioso.
2. Depois de iniciado o julgamento, veio aos autos o mandatário do Partido Social Democrata no concelho do Vimioso (G.) dar conhecimento de que 'o recurso do PS relativamente às eleições de Vale de Frades
- Vimioso' - que dera entrada neste Tribunal às catorze horas do dia 11 de Janeiro de 1994 - 'entrou fora de prazo, dado que o edital do apuramento dos resultados relativo à Assembleia de Apuramento Geral foi afixado na porta principal da Câmara Municipal logo após a Assembleia de Apuramento Geral, na sexta-feira, dia 7 de Janeiro, da parte da manhã, pelas onze horas.'
Desse facto indicou testemunhas.
Em face disso, o Tribunal, pelo Acórdão nº 14/94, decidiu 'suspender a discussão do projecto de acórdão apresentado no processo' e
'ordenar a notificação do recorrente, na pessoa do respectivo mandatário, para responder, querendo, em dois dias'.
O recorrente veio, então, dizer que 'carece [por lapso, escreveu 'não carece'] de qualquer fundamento a comunicação do mandatário das listas do Partido Social Democrata, como comprova com fotocópia em anexo do edital fornecido pelos Serviços Administrativos da Câmara Municipal de Vimioso'
- fotocópia de onde consta ter o edital sido afixado em 10 de Janeiro de 1994.
Como a fotocópia do edital, junta pelo recorrente, indicia ter sido rasurada no sítio da data (recte, do dia) - para além de se ter deprecado à comarca de Vimioso a inquirição das testemunhas arroladas pelo mandatário do Partido Social Democrata - solicitou-se também à Presidente da Assembleia de Apuramento Geral que providenciasse no sentido de ser remetido a este Tribunal o original do edital do qual o recorrente juntou fotocópia.
Entretanto, o referido mandatário do Partido Social Democrata enviou a este Tribunal uma declaração (assinada por ele e por mais dezasseis pessoas, sendo as assinaturas reconhecidas por notário), na qual os signatários 'declaram, por sua honra, que na manhã do dia 7 de Janeiro de 1994, sexta-feira, viram afixado na porta principal da Câmara Municipal [do] concelho o edital que publicava o resultado do apuramento dos votos da mesa de voto da freguesia de Vale de Frades [do] concelho [de Vimioso], dando como vencedora a lista do Partido Social Democrata'.
O original do edital que publicitou os resultados da eleição não foi enviado a este Tribunal, uma vez que (segundo informação do Presidente da Câmara de Vimioso, que a Juiz de Direito da comarca transmitiu) 'o mesmo não se encontra no local onde foi afixado, presumindo-se que tenha sido retirado por alguém desconhecido ou levado pela ventania que se tem feito sentir nos últimos dias'.
Junta aos autos a precedente informação, e bem assim a acta de inquirição das testemunhas arroladas - que declararam ter o edital em causa sido afixado no dia 7 de Janeiro cerca das onze horas -, solicitou-se ao Laboratório de Polícia Científica a realização de exame, com vista a determinar se o edital (contendo os resultados do apuramento da eleição para a assembleia de freguesia de Vale de Frades) foi ou não rasurado no local onde foi aposta a data e, em caso afirmativo, que data se encontrava nele inscrita antes de aí se escrever'10'.
Aquele Laboratório informou, no entanto, só poder proceder ao exame solicitado na presença do original do documento.
3. Cumpre decidir. E decidir, desde logo, se deve conhecer-se do objecto do recurso.
II. Fundamentos:
4. O recorrente tem legitimidade para recorrer, pois que
é o mandatário do Partido Socialista no concelho de Vimioso para as eleições autárquicas.
Importa, no entanto, verificar se o terá feito em tempo
- melhor dizendo: se o recorrente terá feito prova, como lhe cumpria, da tempestividade do recurso.
É que, não obstante constar da certidão (junta com a petição de recurso) que a afixação do edital (a partir da qual se contam as 48 horas para recorrer: cf. artigo 104º, nº1, do Decreto-Lei nº701-B/76, de 29 de Setembro) teve lugar no dia 10 de Janeiro de 1994, às 10 horas; e não obstante também ser essa a data inscrita na fotocópia de tal edital, que, posteriormente, o recorrente fez juntar aos autos; esta fotocópia dá indícios de que a data do edital foi emendada, rasurando-se o algarismo que nele fora primitivamente inscrito para identificar o dia, e escrevendo-se '10' por sobre a rasura. Ao que acresce, por um lado, que as testemunhas inquiridas sobre o facto (e, bem assim, os cidadãos que subscreveram a declaração atrás referida) são unânimes em afirmar que o edital em causa foi afixado no dia 7 de Janeiro de 1994, pelas 11 horas; e, por outro, que este Tribunal não pôde dispor do original do edital para, mediante exame laboratorial, esclarecer a suspeita de viciação que a fotocópia legitimamente levanta.
Sendo este o quadro factual e cumprindo ao recorrente provar a tempestividade do recurso, o Tribunal não pode deixar de concluir que este não logrou fazer essa prova.
À míngua de tal prova, a consequência é não se conhecer do recurso, por inverificação de um dos pressupostos do mesmo. E, face às suspeitas de viciação da data do edital, no que concerne ao dia nele inscrito, dar vista dos autos ao Ministério Público, para os efeitos tidos por convenientes.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). não conhecer do recurso;
(b). ordenar que os autos sejam continuados com vista ao Ministério Público, para os efeitos tidos por convenientes.
Lisboa, 19 de Janeiro de 1994
Messias Bento José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Bravo Serra Antero Alves Monteiro Dinis Fernando Alves Correia Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca António Vitorino Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa