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Procº nº 782/92.
2ª Secção. Relator:-Consº BRAVO SERRA.
I
1. Não se conformando com a coima do montante de Esc.
338.000$00 que lhe foi aplicada pelo despacho do Subdirector-Geral das Florestas, proferido em 6 de Julho de 1992, por infracção ao disposto no artº
1º do Decreto-Lei nº 172/88, de 16 de Maio, veio A. impugná-la perante o Tribunal de comarca da Golegã.
2. Por sentença de 3 de Novembro de 1992, foi o impugnante condenado no pagamento da coima de Esc. 188.000$00, dizendo-se naquela peça processual, de entre o mais, que era inconstitucional a norma constante do artº. 1º [deve-se a manifesto lapso a referência, naquela peça processual, ao artº 9º] ' nº 1 al. a) do D.L. 172/88 de 16 de Maio na parte em que o limite máximo da coima prevista excede duzentos mil escudos, por infringir o disposto no artº. 17º nº 1 do D.L. 433/88 de 27 de Outubro e o artº 168º nº 1 al. a), segunda parte da Constituição da República Portuguesa'.
3. Desta sentença recorreu para o este Tribunal o Ministério Público, aqui tendo o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto apresentado alegação na qual apresentou as seguintes conclusões:
'1º - O Governo, sem autorização da Assembleia da República, só tem competência para fixar os montantes mínimos das coimas aplicáveis se respeitar os limites estabelecidos no regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social, constante do Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro;
2º - Envolve violação do regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social a fixação pelo Governo de limite máximo da coima de montante superior ao constante do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, como acontece com a norma desaplicada na decisão recorrida;
3º - Termos em que se deve julgar inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição, a norma constante do artigo
9º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 172/88, de 16 de Maio, na parte em que fixa em valor superior ao do regime geral o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa cometida por pessoa singular consistente no corte ou arranque de sobreiros, em criação ou adultos, que não se encontrem secos, doentes ou decrépitos ou dominados prevista no nº 1 do artigo 1º conjugado com o corpo do nº 1 do artigo 9º, ambos do mesmo diploma, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida na parte impugnada'.
Por seu turno, o recorrido A., na alegação apresentada, ofereceu o merecimento dos autos, aditando que corroborava 'a posição do Ilustríssimo Procurador-Geral Adjunto, junto do Tribunal da Comarca da Golegã, reproduzindo e fazendo suas as brilhantes alegações do referido magistrado'.
4. Devido à circunstância de a matéria em discussão no presente recurso já ter, por várias vezes, sido objecto de decisões deste Tribunal entendeu o relator dispensar os «vistos» dos restantes Juízes.
II
1. A sentença sob recurso, como se viu, desaplicou a norma ínsita na alínea a) do nº 1 do artº 9º do D.L. nº 172/89, mas apenas no segmento em que estabelece, como limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação prevista no nº 1 do artº 1º do mesmo Decreto-Lei, um valor superior ao limite máximo das coimas aplicáveis às contra-ordenações dolosas praticadas por pessoas singulares.
Na verdade, dispõe-se nos citados artigos:
'Artigo 1.º - 1 - É proibido o corte ou arranque de sobreiros, em criação ou adultos, que não se encontrem secos, doentes, decrépitos ou dominados.
2 - ..........................................
3 - ..........................................
4 - ..........................................
5 - .........................................'
'Artigo 9.º - 1 - As infracções ao disposto no presente diploma constituem contra-ordenações puníveis com as seguintes coimas:
a) Infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 1.º - coima de 3000$ a 3
000 000$;
b) ......................................
c) ......................................
d) ......................................
e) ......................................
f) ......................................
g) ......................................
2 - ..........................................
3 - .........................................'
Por outro lado, estatuía-se na primitiva redacção do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, diploma regulador do regime geral do ilícito de mera ordenação social:
'Artigo 17.º
(Montante da coima)
1 - Se o contrário não resultar da lei, o montante mínimo da coima será de 200$ e o máximo de 200 000$.
2 - Se a lei, relativamente ao montante máximo, não distinguir o comportamento doloso do negligente, este só poderá ser sancionado até metade do montante máximo da coima prevista.
3 - As coimas aplicadas às pessoas colectivas poderão elevar-se até aos montantes máximos de:
a) 3 000 000$ em caso de dolo;
b) 1 500 000$ em caso de negligência'.
Através da nova redacção conferida pelo Decreto-Lei nº
356/89, de 17 de Outubro, à disposição imediatamente atrás transcrita, os limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis a pessoas singulares passaram a ser, respectivamente, de Esc. 500$00 e 500.000$00.
2. O Tribunal Constitucional, a propósito da demarcação de competências da Assembleia da República e do Governo no domínio do ilícito de mera ordenação social, tem seguido uma firme jurisprudência, que vem já de 1984
(cfr. Acórdão nº 56/84, publicado na 1ª Série do Diário da República de 9 de Agosto de 1984, no 3º Volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 153 e segs. e no nº 359 do Boletim do Ministério da Justiça, 281 e segs.), e que pode sintetizar-se nos seguintes tópicos:
Compete em exclusivo à Assembleia da República, salvo se conceder ao Governo autorização legislativa para tanto, legislar sobre o regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo e proceder à «desqualificação» de crimes em contra-ordenações ou «desgraduar» contravenções puníveis com pena restritiva da liberdade em contra-ordenações;
O Governo e a Assembleia da República têm competência concorrente para, dentro dos limites estabelecidos naquele regime geral, definirem contra-ordenações, alterá-las, eliminá-las e modificar a respectiva punição, bem como «desgraduar» contravenções não puníveis com pena restritiva da liberdade em contra-ordenações, respeitando o quadro do aludido regime geral.
3. Na senda deste entendimento, repetidamente reafirmado em inúmeros arestos (e, para não haver fastidiosa enumeração, cita-se agora tão só, e por mais recente, o Acórdão nº 329/92, publicado na 1ª Série do Diário da República de 14 de Novembro de 1992), há que concluir que o Governo, desacompanhado de autorização legislativa, quando entenda estabelecer coimas pela prática de actos ilícitos de mera ordenação social (quer os defina ex novo, quer os defina por «desgraduação» de anteriores ilícitos contravencionais não puníveis com pena restritiva da liberdade), há-de respeitar os limites mínimo e máximo previstos no respectivo regime geral, designadamente observando os limites previstos no artº 17º do Decreto-Lei nº 433/82.
Se o não fizer, ou seja, se estabelecer limites mínimos inferiores ao limite mínimo fixado naquela disposição ou limites máximos superiores ao limite máximo também ali estatuído, então estará a invadir a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, sendo as normas fixadoras de tais estabelecimentos organicamente inconstitucionais - por ofensa da alínea d) do nº 1 do artigo 168º da Constituição - nos segmentos em que tais limites, mínimo e máximo, se encontrem, respectivamente, fixados em valor inferior ou superior aos consignados no mencionado artº 17º.
4. Sendo assim, e revertendo ao caso sub specie, a norma constante da alínea a) do nº 1 do artº 9º do D.L. nº 172/88, ao fixar em
3.000.000$00 o limite máximo da coima da infracção contra-ordenacional prevista no nº 1 do artº 1º do mesmo diploma, desde que cometida por pessoas singulares, desbordou o limite máximo fixado no nº 1 do artº 17º do D.L. nº 433/82, sendo, por isso, na medida desse desbordamento, organicamente inconstitucional.
III
Perante o exposto, o Tribunal decide:
a) julgar inconstitucional, por ofensa da alínea d) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, a norma ínsita no artº 9º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 172/88, de 16 de Maio, na parte em que fixa em 3.000.000$00 o limite máximo da coima aplicável a pessoas singulares pela contra-ordenação consistente na infracção ao nº 1 do artº 1º do mesmo diploma e, em consequência,
b) negar provimento ao recurso, assim confirmando, na parte impugnada, a sentença recorrida.
Lisboa, 8 de Junho de 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa