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Procº nº 64/92
2ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - O Ministério Público intentou acção declarativa contra o sindicato A. no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, pedindo que fossem declaradas nulas as disposições constantes dos artigos 23º, nº 1, e 77º, nº 1, dos estatutos daquela associação sindical, por aí se prever que as reuniões ordinárias do Congresso se efectuassem apenas de quatro em quatro anos, sendo igualmente esse o prazo do mandato dos corpos gerentes, em contradição com o preceituado no nº 7 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abil, onde se prescreve que o mandato dos corpos gerentes não pode ter duração superior a três anos.
A acção viria, porém, a ser julgada improcedente, porquanto o Mmº Juiz do 4º Juízo Cível de Lisboa se recusou a aplicar a mencionada norma da Lei Sindical por a considerar violadora do disposto no artigo 55º da Constituição, onde se garante a liberdade sindical, designadamente 'a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais'.
Desta decisão recorreu para o Tribunal Constitucional, por imposição da Constituição e da lei, o Ministério Público.
2 - Nas suas alegações, o Procurador-Geral Adjunto sustenta que a orientação já seguida por este Tribunal quanto à norma em causa no Acórdão nº 455/87 ( in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10º vol., pág. 585) - no sentido da sua não inconstitucionalidade - deve ser alterada, confirmando-se a decisão recorrida.
Segundo alega, a norma em causa não é necessária para assegurar o princípio da periodicidade do acto eleitoral, enquanto exigência do princípio democrático, uma vez que uma periodicidade de quatro anos, como a prevista nos estatutos do sindicato recorrido, também garante o respeito daquele princípio.
De igual modo, este mesmo sindicato recorrido, nas suas alegações, sustenta a confirmação da decisão recorrida, recordando que a Lei Sindical foi aprovada e publicada antes da Constituição, razão pela qual bem se compreende que vários dos seus preceitos entrem em colisão com esta última.
3 - Objecto do presente recurso é, pois, a questão da constitucionalidade da norma constante do nº 7 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 215-B/75, na parte em que determina que o mandato dos corpos gerentes não pode ter duração superior a três anos, a qual há-de ser confrontada com o preceituado no artigo 55º da Lei Fundamental.
Dispõe-se aí, na alínea c) do nº 2 desse artigo, que no exercício da liberdade sindical é garantida aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais.
Por outro lado, o nº 3 do mesmo artigo
55º estipula que 'as associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da vida sindical'.
Da leitura conjugada destes preceitos constitucionais resulta, conforme se ressaltou no Acórdão nº 342/86 deste Tribunal, que, em matéria de estatutos das associações sindicais, a regra 'é a auto-organização,a auto-regulamentação e o auto-governo', pelo que a lei ordinária não pode estabelecer limites à liberdade de organização e de regulamentação dos sindicatos, para além dos que são impostos pela própria lei fundamental', ou seja, os que decorrem do princípio da organização e gestão democrática, constitucionalmente consagrado. Assim sendo, e como se acentuou no citado aresto, 'só, pois, para concretizar estes limites se poderá admitir a intervenção do legislador ordinário estabelecendo normas imperativas em matéria de organização sindical'.
Vejamos se é o que acontece no caso em apreço.
4 - No Acórdão nº 455/87, este Tribunal entendeu que a norma questionada não padecia de qualquer vício de inconstitucionalidade, tendo então assinalado que é a própria Constituição 'a ligar ao princípio do sindicalismo democrático a exigência da realização de eleições periódicas para os corpos gerentes das associações sindicais e, portanto, a exigência de um limite temporal ao mandato destes últimos', pelo que, em tais circunstâncias, 'não se vê como deva considerar-se ilegítima uma intervenção legislativa que vem precisamente explicitar e concretizar tal exigência e acautelar reforçadamente a sua observância'.
Já na altura se considerou que não procedia o argumento segundo o qual o princípio democrático, impondo um limite temporal à duração dos mandatos, não exigia que tal limite fosse de três anos, pelo que a matéria haveria de ser objecto de concretização pelas associações sindicais, no âmbito da sua liberdade de organização e auto-regulamentação. Com efeito, e como então se disse, havendo uma certa margem de indeterminação das exigências do princípio democrático, 'o problema está em saber, apenas, se o legislador a preencheu ou ocupou de maneira necessária, adequada e proporcionada'.
Ora, no caso concreto, a resposta será afirmativa, já que 'se mostra necessário o estabelecimento legal de um limite
(máximo) à duração do mandato dos corpos gerentes das associações sindicais; por outro lado, três anos é um período que não pode ter-se como demasiado curto, seja do ponto de vista do objectivo subjacente ao princípio da periodicidade eleitoral (o de assegurar uma regular intervenção do conjunto dos associados na escolha dos respectivos representantes e na definição da linha de acção sindical, assim se garantindo a renovação e um mínimo de actualização da fonte de legitimidade dos segundos), seja do ponto de vista das exigências de funcionalidade, que também aqui cumprirá levar em conta'.
5 - Não se vê motivo para alterar este entendimento, que se continua a perfilhar.
Na verdade, não interessa agora aqui averiguar se um prazo de quatro anos também alcançaria o desiderato constitucional: de uma banda, não cabe a este Tribunal analisar a conformidade com a Constituição dos estatutos do sindicato recorrido; e, de outra banda, não lhe cabe apurar se a opção legislativamente escolhida é a única possível ou, sequer, a melhor, desde que haja previamente reconhecido - como o fez - que o legislador podia (e devia) emitir normação sobre a matéria e que, depois, haja verificado que a solução adoptada é uma das comportáveis pelo texto constitucional.
Assim sendo, não se justifica um julgamento de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 17º, nº 7, do Decreto-Lei nº 215-B/75, na parte aqui em análise.
6 - Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, assim se revogando a sentença recorrida que deve ser substituída por outra em conformidade com o ora decidido sobre a questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 5 de Maio de 1993
Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Bravo Serra
Mário de Brito (vencido, em conformidade com a declaração de voto que fiz no Acórdão nº 455/87, citado no texto) José Manuel Cardoso da Costa