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Procº nº 279/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos em que é recorrente A. e recorrida B., tendo em conta as considerações efectuadas na exposição formulada pelo relator de fls. 401 a 410 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, considerações essas às quais, no essencial, o Tribunal dá a sua concordância, sendo certo que as mesmas não são infirmadas pelas razões aduzidas pela recorrente de fls. 411 a 413, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 19 de Janeiro de 1994
Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 279/93.
2ª Secção.
1. B., na sequência do divórcio decretado entre si e seu ex-marido, A., fez instaurar inventário para separação de bens, nos respectivos autos vindo a ser nomeado cabeça de casal aquele A..
2. Na sequência do respectivo processo, e em diligência neles realizada, em ocasião para a qual estava designada a realização da conferência de interessados, a Juiz do 15º Juízo do Tribunal Cível da comarca de Lisboa proferiu despacho por intermédio do qual indeferiu três pretensões do mandatário da requerente do inventário, o que motivou que esta desse despacho agravasse para o Tribunal da Relação de Lisboa, recurso que a tal Tribunal veio a subir juntamente com o recurso de apelação que a mesma veio posteriormente a interpor da sentença homologatória do mapa de partilha.
3. Produzidas alegações por banda da requerente e do cabeça de casal - sendo que este último, nas mesmas, não suscitou, minimamente que fosse, qualquer questão de inconstitucionalidade tocantemente a normas jurídicas - , aquele Tribunal da Relação, por aresto de 14 de Novembro de 1991, revogou o despacho impugnado, consequentemente anulando a licitação a que nos autos se procedeu, o mapa de partilha neles realizado e a sentença homologatória do mesmo, entendendo que, com uma tal decisão, ficava prejudicado o conhecimento respeitante à apelação.
4. Não se conformando com o acórdão prolatado, o cabeça de casal agravou para o Supremo Tribunal de Justiça, na respectiva alegação não suscitando, em qualquer passo, alguma questão de desconformidade constitucional referentemente a norma jurídica, antes invocando que aquela decisão, na parte impugnada, incorreu 'nas nulidades previstas nas al. d) e e) do nº 1 do artº
668º do C.P.C.', violando 'repetidamente a lei substantiva e adjectiva, designadamente os artºs 9º do Cód. Civil e 1353º, nº 1, 1363º e 1370º, nº 1, todos do C.P.C.'.
5. Por acórdão tirado em 9 de Julho de 1992, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo, confirmando, por isso, o aresto recorrido.
Notificado do mesmo, veio o cabeça de casal requerer a respectiva aclaração, não tendo ele, na peça processual consubstanciadora desse pedido, referido o que quer que fosse que pudesse ser interpretado como a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade.
6. Por acórdão datado de 14 de Janeiro de 1993, foi o pedido de aclaração indeferido.
7. Tomando conhecimento deste último, o aludido A. fez juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:
'A., recorrente nos autos à margem indicados, notificado do Acordão, ora não aclarado, neles proferido, e com o mesmo se não conformando, dele vem interpôr o competente recurso para o Tribunal Constitucional, restrito às questões de inconstitucionalidade.
O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, e pretende ver-se declarada a inconstitucionalidade não só dos artºs 1353º, nº 1, 1370º, nº 1, ambos do C.P.C., na forma em que este S.T.J. os aplicou, e ainda os artºs 749º, 713º, nº 2, 661º, nº 1 e 762º, nº 1, todos do C.P.C., ao menos no modo como foram interpretados e aplicados pelo Acordão ora sob recurso.
Tais dispositivos legais, ao menos nesse modo e forma, violam - no entender do recorrente - claramente os artºs 20º, nº 1, 205º, nº 2, 207º e 208º, todos da C.R.P.
A questão da inconstitucionalidade dos atrás indicados normativos só pode ser suscitada no presente recurso porquanto só nesta última instância - que aliás se escusou a aclarar o que oportunamente lhe fora requerido, ao mesmo tempo que verberava o estilo 'inquisitório' (sic) do recorrente - se firmou a respectiva aplicação e entendimento, designadamente quando considera não só poder haver 'in casu' 3 e mais adiamentos de licitações, como também poder a decisão recursória conceder tal adiamento quando o pedido do então recorrente era distinto (Cfr. Acordão T.C. nº 3/83, de 13/7, publicado no D.R. II série de
26/1/84).
O presente recurso está em tempo, mostra--se interposto por quem para tal tem legitimidade, é o próprio e deverá ser admitido e processado como os de agravo em matéria cível (artºs 71º, nº 1, 72º, nº 1, al. b), 75º, nº 1, 75º-A, nºs 1 e 2, todos da já citada Lei nº 28/82).'
7. O recurso pretendido interpor foi admitido por despacho do Conselheiro Relator datado de 8 de Fevereiro de 1993.
8. Não obstante tal despacho, e porque o mesmo, ex vi do disposto no artº 76º, nº 3, primeira parte, não vincula este Tribunal, entende-se que não pode o mesmo dele conhecer.
8.1. Na verdade, como claramente deflui do relato anteriormente efectuado, o ora recorrente, antes da decisão impugnada, não veio aos autos suscitar a incompatibilidade com o Diploma Fundamental de qualquer norma jurídica que fosse ou viesse a ser utilizada como suporte decisório daquela decisão.
Ora, tratando-se no caso, como se trata, de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro - norma cuja génese se encontra na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição - mister é, para que se faculte o recurso aí previsto, que anteriormente à decisão pretendida censurar, a «parte» tenha, «durante o processo», suscitado a inconstitucionalidade da norma que tal decisão aplicou.
Tem este Tribunal, a respeito da expressão «durante o processo», utilizada nos indicados normativos, seguido uma jurisprudência firme de harmonia com a qual a mesma se há-de interpretar num sentido, não puramente formal - de tal sorte que a inconstitucionalidade normativa haja de ser suscitada antes de o processo se encontrar findo - , mas sim num sentido funcional - entendido este de jeito a que se permita que o tribunal a quo ainda esteja em tempo e condições para se pronunciar sobre a questão (consequentemente desencadeando a prolação de uma decisão sobre a matéria, decisão essa que, justamente por se tratar de um recurso, será submetida ao eventual juízo de censura por banda deste Tribunal). Por isso, e como, em regra, o poder cognitivo dos tribunais se esgota com a sentença, a suscitação da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade reportada a uma norma, há-de, também em regra, ser efectivada antes do proferimento da sentença.
É claro (e isso tem sido reconhecido pelo Tribunal) que poderão ocorrer hipóteses sem dúvida excepcionais em que, mercê de determinados circunstancionalismos, à parte interessada não foi possível a suscitação da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade antes de ocorrer a prolação da decisão do tribunal de cuja decisão se pretende recorrer com vista à obtenção da última palavra sobre a perspectivada desconformidade de uma norma que em tal decisão foi aplicada; nessas hipótese, tem o Tribunal perfilhado o entendimento de que, conquanto a parte interessada não tenha, antes de proferida a decisão
(maxime a sentença), trazido formalmente aos autos a sua óptica de discordância quanto à constitucionalidade ou ilegalidade da norma aplicada naquela decisão, ainda assim não lhe deve ser vedado, por intermédio de recurso, desencadear a prolação de um juízo decisório por parte do órgão a quem compete o controlo concentrado da constitucionalidade.
8.2. No requerimento interpositor do recurso o ora recorrente, como acima se disse, invocou que só com a prolação do acórdão lavrado no Supremo Tribumal de Justiça se tornou firme a aplicação das normas cuja inconstitucionalidade questiona e intenta que o Tribunal Constitucional aprecie, pelo que seria atempada a suscitação daquele vício em tal requerimento, estribando-se, para corroborar essa asserção, numa doutrina que teria sido seguida no Acórdão deste Tribunal nº 3/83.
Torna-se evidente a sua não razão neste particular.
De facto, o nosso mais alto Tribunal da ordem dos tribunais judiciais, no acórdão sub specie, veio a aplicar as normas que o recorrente opina padecerem de inconstitucionalidade de forma em tudo idêntica
àquela que foi perfilhada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, desta arte não lhes conferindo um sentido distinto do seguido no aresto de 14 de Novembro de
1991, o que o mesmo é dizer que veio a seguir, quanto às aludidas normas, interpretação totalmente semelhante àquela que foi efectuada pelo Tribunal de 2ª instância.
Sendo assim, e sabendo o recorrente qual foi esta última interpretação, obviamente que, se entendesse que ela era desconforme aos preceitos ou princípios constantes da Lei Básica, na impugnação para o Supremo Tribunal de Justiça que levou a cabo do acórdão da Relação de Lisboa, impunha-se que expusesse um tal ponto de vista, de molde a poder provocar, sobre tal questão, um juízo por parte daquele Supremo Tribunal. Assim seria cumprido o ónus, que sobre si impendia, de cumprimento daquele requisito, imposto pelas disposições da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição, e que consiste na suscitação, durante o processo, da questão da inconstitucionalidade de normas jurídicas.
A situação analisada no Acórdão 3/83, citado pelo recorrente em abono da tese por si perfilhada, não tem, limpidamente, qualquer similitude com aquela a que os presentes autos se reportam. Efectivamente, o que ali foi entendido foi que ainda deveria ser considerado como atempada suscitação de uma questão de inconstitucionalidade durante o processo uma arguição de um tal vício constante de uma peça processual junta aos autos já após a prolação da decisão do tribunal e antes de ela passar em julgado, mas desde que aquela questão versasse sobre as normas atributivas da competência material do mesmo tribunal. E isso porque, extrai-se do raciocínio contido em tal Acórdão, no tocante à incompetência do tribunal em razão da matéria, hierarquia ou das regras reguladoras da competência internacional, o poder jurisdicional não se esgota com a prolação da decisão antes do respectivo trânsito em julgado, razão pela qual ainda aí está aberto um tal poder.
Não foi, seguramente, esta a situação dos presentes autos.
8.3. Perante o exposto, há que reconhecer que, in casu, falta um dos requisitos condicionadores do recurso, ou seja, o de o recorrente não ter, antes de tirado o acórdão que pretendeu impugnar, suscitado a inconstitucionalidades das normas (ou de uma sua determinada interpretação) que no mesmo foram aplicadas (ou foram aplicadas com aquela interpretação) como suporte do respectivo juízo decisório, sendo certo que teve oportunidade processual bastante para tanto.
Termos em que se propende pelo não conhecimento do objecto do recurso e daí a feitura, de harmonia com o nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, da presente exposição.
Cumpra-se a parte final daquela disposição legal.
Lisboa, 1 de Junho de 1993.
(Bravo Serra)