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Procº nº 175/93.
2ª Secção. Relator: Consº BRAVO SERRA.
I
1. O A. propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção de impugnação do despedimento de que foi alvo por parte da sua entidade patronal
- a B., acção essa que, por sentença de 14 de Novembro de 1986, foi considerada improcedente quanto ao pedido, formulado pelo autor, no sentido de ser declarado nulo aquele despedimento.
2. Dessa sentença apelou o A. para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 10 de Maio de 1989, anulou o julgamento realizado em 1ª instância, o que motivou que a B. interpuzesse recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
3. Este Alto Tribunal, por acórdão lavrado em 6 de Março de 1991, revogou o aresto proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, determinando que o tribunal de 2ª instância tomasse conhecimento da apelação.
4. Encontrando-se os autos na Relação de Lisboa, na sequência da determinação constante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça, o A. fez atravessar neles um requerimento por intermédio do qual solicitava que, ex vi do disposto na alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91, de
4 de Julho, fosse julgada amnistiada a infracção disciplinar que a B. considerava ter sido praticada por ele, requerente.
5. Ouvida a B., veio ela defender ser aquela disposição legal constante da Lei nº 23/91 materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13º, 62º, nº 1, e 82º, nº 2, da Lei Fundamental, ao que, para além disso, acrescia que, na sua óptica, tal disposição era inaplicável ao caso dos autos, por isso que haveria que a interpretar no sentido de a expressão «decisão definitiva e transitada» ser entendida como se reportando à decisão definitiva tomada pela entidade patronal.
6. Por acórdão de 11 de Dezembro de 1991, a Relação de Lisboa considerou amnistiada a infracção disciplinar imputada ao A., decidindo ainda, em consequência, não conhecer da apelação face à 'inutilidade superveniente na sua ponderação'.
7. Notificado deste acórdão, veio o A. requerer a respectiva aclaração no sentido de se esclarecer se, ao se declararem
'amnistiadas as alegadas infracções disciplinares com a consequente reintegração do apelante nos serviços da apelada', isso significava que subjacente à decisão estava 'a anulação do despedimento como consequência imediata da amnistia das infracções e por sua vez o dever de serem pagas ao apelante as retribuições que deixou de receber'.
8. A Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de Março de
1992, aclarou o seu anterior acórdão de 11 de Dezembro de 1991, explicitando que
'a amnistia aplicada não anula o despedimento e apenas faz cessar os seus efeitos com a reintegração do apelante nos serviços da apelada'.
9. Do acórdão de 11 de Dezembro de 1991 agravaram para o Supremo Tribunal de Justiça a B. e o A., a primeira defendendo que não devia ser aplicada a amnistia decretada pela alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91, quer por sofrer esta disposição legal de inconstitucionalidade, quer por se dever considerar que a mesma não era cabida no caso dos autos, e o segundo defendendo que, com a concessão da amnistia, se deveria determinar, na sequência da reintegração do apelante nos serviços da apelada, o pagamento de todas as retribuições e subsídios devidos e as demais consequências, designadamente promoções, tudo desde a data do despedimento e não desde a data do diploma legal instituidor da amnistia.
10. Por acórdão de 4 de Novembro de 1992, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento aos agravos, o que, por um lado, levou a B. a recorrer desse aresto para o Tribunal Constitucional e, por outro, conduziu o A. a formular um requerimento por intermédio do qual declarou 'renunciar à amnistia em questão', solicitando que os autos baixassem ao Tribunal da Relação de Lisboa a fim de prosseguirem 'seus termos, que foram suspensos face à aplicação da amnistia entretanto decretada'.
11. A B., ouvida sobre o requerimento do A., veio aos autos dizer que nada tinha 'a opor à pretensão do Autor'.
12. O Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 2 de Dezembro de 1992, admitiu o recurso interposto pela B. para o Tribunal Constitucional e, tocantemente à solicitação do A., disse:
'Pretende o Autor, A., renunciar aos efeitos da amnistia.
Ora, foi o próprio Autor que requereu a sua aplicação e provocou o
'dictum' do Tribunal sobre esta pretensão. Por outro lado, o direito à renúncia está sujeito a prazo, que já correu.
Daqui resulta que o Requerente vem contra acto próprio, quando está esgotado o poder cognitivo do Tribunal e correu o prazo que tinha para o efeito.
Indefere-se, portanto, o requerimento de fls. 390.'
13. Notificada deste despacho, a B. solicitou que sobre o mesmo recaísse acórdão que julgasse 'válida e legitima a renuncia do Autor à aplicação dos efeitos da amnistia'.
14. No seguimento desta solicitação, o Supremo Tribunal de Justiça, em 3 de Fevereiro de 1993, proferiu acórdão com o seguinte teor:
'.............................................
Pelo requerimento de fls. 390 veio A. renunciar à amnistia.
Foi o próprio Requerente que antes pedira a sua aplicação.
Daqui resulta vir contra acto próprio, quando está esgotado o poder cognitivo do Tribunal por ter ocorrido decisão que não foi posta em causa.
Termos em que se indefere o requerido.
.............................................'
15. Remetido os autos ao Tribunal Constitucional, o Relator exarou, ao abrigo do que se estatui no nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, exposição na qual foi dito:-
'1. Por acórdão lavrado em 4 de Novembro de 1992, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça negar provimento ao agravo interposto pela B., do acórdão tirado em 11 de Dezembro de 1991 pelo Tribunal da Relação de Lisboa e através do qual, de entre o mais, foram declaradas amnistiadas, ex vi do disposto na alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, as infracções laborais imputadas a A., trabalhador daquela empresa pública.
Desse acórdão interpôs a B. recurso para o Tribunal Constitucional.
2. A questão a que se reporta o presente recurso é de vizualizar como simples, e isso pela circunstância de a apreciação da compatibilidade constitucional da norma ínsita na alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91 ter já sido objecto de detalhada apreciação por este Tribunal através do seu Acórdão nº 153/93, tirado em sessão plenária ao abrigo do artº 79º-A da mencionada Lei nº 28/82, Acórdão esse em que, sem divergência de opinião por parte dos Juízes que o subscreveram, se concluiu não ser inconstitucional aquela norma, designadamente pela alegada ofensa dos artigos 13º, nº1, 62º, nº 1, 82º, nº 2, e 87º, nº 2, todos da Lei Fundamental (o citado Acórdão foi publicado na
2ª Série do Diário da República de 23 do corrente mês de Março).
Daí que, dada a simplicidade da questão, se efectue, de harmonia com o nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, a presente exposição prévia, na qual se propõe dever ser negado provimento ao recurso, por isso que as considerações efectuadas no dito Acórdão nº 153/93 continuam a convencer o Tribunal, sendo que as mesmas aqui se dão por totalmente reproduzidas'.
16. Ouvidos o A. e a B., nos termos e para os efeitos da parte final do aludido nº 1 do artº 78º-A, nada veio dizer o primeiro, enquanto que a segunda referiu que, 'tendo aceite a declaração feita pelo recorrido no Venerando Supremo Tribunal de Justiça - no processo que aí correu os seus termos sob o nº 3.519, da 4ª Secção, no qual se suscitava a questão da inconstitucionalidade da norma da alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, - da não aplicação ao seu caso concreto desta mesma norma, se verifica assim a inutilidade superveniente do recurso'.
II
1. Entende este Tribunal que, contrariamente ao defendido pela recorrente, não nos situamos perante uma situação que configure uma inutilidade superveniente do presente resurso.
Na verdade,
2. O Supremo Tribunal de Justiça, ao negar provimento ao agravo deduzido pela B. no respeitante ao acórdão prolatado no Tribunal da Relação de Lisboa, inequivocamente fez aplicação da norma contida na alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91, norma essa cuja compatibilidade constitucional tinha sido posta em causa pela recorrente, a qual, em passo algum dos autos, veio a desistir do recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional.
3. Por outra banda, aquele Supremo Tribunal decidiu já, por acórdão passado em julgado, que não era de atender à «renúncia» de aplicação, solicitada pelo recorrido, dos efeitos da norma de clemência sub specie, pelo que tais efeitos, no caso, hão que considerar-se como produzidos.
Por conseguinte, a decisão tomada neste particular pelo Supremo Tribunal de Justiça, constitutiva, como se disse, de caso julgado formal, vai impedir que a «declaração de renúncia» do recorrido possa desencadear nos presentes autos quaisquer efeitos.
E, sendo assim, torna-se claro que a dita «declaração» não possa acarretar uma situação de inutilidade do recurso.
IV
1. Isto posto, incumbirá ao Tribunal passar ao conhecimento do mérito do recurso.
Ponderando o que se disse na exposição prévia do relator, à qual, no essencial, se dá concordância, e considerando o que consta do Acórdão deste Tribunal nº 153/93, publicado na 2ª Série do Diário da República de 23 de Março 1993, decide-se:
a) - Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho e, em consequência,
b) - Negar provimento ao recurso, condenando a recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quatro unidades de conta.
Lisboa, 5 de Maio de 1993
Bravo serra Fernando Alves Correia Messias Bento Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Mário de Brito José Manuel Cardoso da Costa