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Procº nº 293/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, tendo em conta as razões aduzidas na exposição escrita de fls. 1495 a 1507, neles efectuada pelo relator, que aqui se dá por reproduzida, à qual nem as recorrestes, nem o recorrido, responderam, e a que, no essencial, se dá concordância, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do recurso interposto pela recorrente A.;
b) Negar provimento ao recurso interposto pela recorrente B.;
c) Condenar cada uma das recorrentes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 4 de Novembro 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 293/93.
2ª Secção.
Fls. 1486 a 1491 - informe que a satisfação ao solicitado pelo Estabelecimento Prisional de Vale dos Judeus não se insere na competência atribuída a este Tribunal, pelo que, em princípio, o requerido por tal Estabelecimento será objecto de pronúncia pelos tribunais da ordem judiciária aquando da 'baixa' dos autos aos mesmos.
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I
1. No 3º Juízo Criminal de Lisboa foram submetidas a julgamento, A., B., C. e D., tendo sido condenados, por acórdão de 13 de Fevereiro de 1992, como co-autores e em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 23º e 27º, alínea g), do Decreto-Lei nº 430//83, de 13 de Setembro, e de um crime de associação de delinquentes, previsto e punível pelo nº 2 do artº 28º do mesmo diploma, tendo,
à primeira, sido imposta a pena única de 12 anos de prisão e Esc. 400.000$00 de multa, à segunda, a pena única de 15 anos de prisão, Esc. 600.000$00 de multa e na pena de expulsão do território nacional pelo período de 15 anos, ao terceiro, a pena única de 16 anos de prisão, Esc. 600.000$00 de multa e na pena de expulsão do território nacional pelo período de 15 anos e, ao quarto, a pena
única de 14 anos de prisão, Esc.500.000$00 de multa e na pena de expulsão do território nacional pelo período de 15 anos.
2. Do acórdão condenatório recorreram em tempo para o Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público e os arguidos B., C. e D., tendo a primeira, na motivação de recurso por si apresentada, concluído, inter alia, que o 'artigo 363º do CPP encontra-se ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação clara do disposto nos artºs 9º-b),
13º nº 1, 18º, 20º, 32º nº 1, 205º nº 2, todos da Constituição da República Portuguesa'.
3. Por sua banda, a arguida A. apresentou nos autos, em
28 de Fevereiro de 1992, requerimento, acompanhado de motivação, por intermédio do qual pretendia interpôr recurso para aquele Supremo Tribunal, sendo que, por despacho datado de 6 de Março seguinte, proferido pelo Juiz do aludido 3º Juízo Criminal, não foi o recurso recebido, invocando-se, para tanto, a sua extemporaneidade.
A arguida A., então, apresentou reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, por despacho de 31 de Março de
1992, a indeferiu.
4. Encontrando-se os autos já no Supremo Tribunal de Justiça e com dia designado para a audiência pública e julgamento, a arguida A. atravessou neles requerimento com o seguinte teor:
'A., arguida-recorrida nos Autos à margem referenciados, não se encontra em condições processuais para comparecer eficazmente na Audiência designada para as 10: 30 horas do dia 17 de Dezembro de 1992, pelos fundamentos seguintes: A - Breve descrição da matéria fáctica A arguida-recorrida A., ora requerente não foi jamais notificada de qualquer Motivação de Recurso, certamente douta, sendo a presente notificação para a aludida Audiência o seu primeiro contacto com o presente Recurso. Embora tenha, em tempo, realçado o facto de estranhar não ter sido proposto qualquer recurso que a afectasse o facto é, como se deixou então provado, que jamais foi notificada de qualquer recurso. Tal facto acompanhado do legalmente previsto no n.º 4 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, deixou a ora requerente absolutamente convicta que não fora proposto qualquer recurso que a afectasse. B - De Direito B1. A falta de notificação de qualquer acto constitui nulidade sanável, embora dependente de arguição, que agora se faz, conforme dispõe o n.º 2 do artigo
121.º do mesmo Código de Processo Penal e a mera comparência ou renúncia de comparência da arguida sanará tal nulidade. No entanto a arguida não pretende sanar tal nulidade pois não prescinde do direito de ser notificada da Motivação de Recurso, nem do direito de a esta responder, se assim o julgar necessário. Pelo exposto, apenas poderá comparecer a tal audiência após a respectiva notificação e a concessão do prazo legal para resposta à Motivação de Recurso. B2. Por outro lado, a falta de notificação da Motivação do Recurso constitui, para além da nulidade supra, violação do princípio do contraditório constitucionalmente consagrado no n.º 5 do artigo 32.º sob a epígrafe 'Garantias do Processo Penal' da Constituição da República Portuguesa, sendo por isso mesmo inconstitucional. Por tudo o exposto, por não renunciar à comparência na Audiência designada, mas por tal comparência sanar as irregularidades arguidas, vem requerer a V. Exa. se digne: A
Por um lado a dar sem efeito a marcação efectuada e B Por outro lado a mandar notificar a arguida-recorrida ora requerente da Motivação do Recurso e a conceder-lhe o prazo legal para a respectiva resposta'
5. Em 17 de Dezembro de 1992 foi lavrado no S.T.J. acórdão por intermédio do qual foi negado provimento ao recurso do Ministério Público e concedido parcial provimento ao recurso dos arguidos B., C. e D., pois que, no tocante às penas de expulsão do território nacional que lhes foram impostas, foram as mesmas fixadas, respectivamente, nos períodos de 8, 10 e 9 anos.
Neste mesmo aresto, no que concerne à questão de inconstitucionalidade suscitada pela arguida B., foi dito, a dado passo:
'........................................
Contrariamente ao pretendido pela recorrente B. o artº 363º do C.P.P. não se encontra ferido de inconstitucionalidade (cfr., por todos, o Ac. do T.C. n 253/92 in D.R., II Série, de 27-10-92).
O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n. 7/87, de 9-1-1987, publicado no Diário da República, I Série, nº 33, Suplemento, de 9-2-87, procedeu à apreciação preventiva da constitucionalidade de vários artigos do C.P.P. e a do cit. artº 363º nem sequer foi suscitada, por não haver dúvidas então sobre a mesma.
Como decidiu o S T.J., no Acórdão de 20-6-90, Proc n 40.958, sumariado na 'Actualidade Jurídica', nºs 10/11, pág. 5, 'o artº 363º do C.P.P.
87 estabelece, como já estabelecia o artº 466º do C.P.P. 29, o princípio da oralidade, salvo quando o tribunal dispuser de meios técnicos idóneos para assegurar a reprodução integral das declarações, bem como quando a lei expressamente o impuser, como é o caso do artº 364º do mesmo Código.
Não se trata, porém, de registo de prova para efeitos de recurso, mas tão só para prevenir a correspondência entre a que é produzida e a que resulta do julgamento; não está no espírito da norma a sistemática redução a escrito das declarações, o que significaria a preterição do princípio da oralidade e seria fonte de delongas processuais, que o Código quis evitar'.
.............................................'
6. A arguida B., não se conformando com o acórdão prolatado no S.T.J., do mesmo veio interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez invocando o seguinte:
'Fundamento legal: artº 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro; artº 72º nº 2, alínea b), artº 72º nº 2, artigo 75º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 85/89 de 7 de Setembro'.
7. O Conselheiro Relator do S.T.J. exarou em 15 de Janeiro de 1993 despacho em que, por um lado, admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional pela arguida B. e em que, por outro, respeitantemente ao requerimento formulado pela arguida A. e que acima se encontra transcrito em
4., disse:
'........................................
O ilustre defensor da arguida A., encontrando-se presente na audiência de julgamento de 13-2-92 (ver a acta de fls 1240 a 1241 e o despacho de fls. 1308) foi logo notificado do recurso interposto pela arguida B..
A aludida A. também recorreu, mas fora de prazo, como foi decidido no despacho de 6-3-92 (fls 1308 e vº), do qual reclamou para o Exm.º Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o qual indeferiu, em 31- -3-92 (fls 1388 a 1339) a sua reclamação.
Teve oportuno conhecimento da interposição (e basta esta para a 1ª parte do n. 4 do invocado artº 411º do C.P.P.) dos recursos interpostos pelos restantes sujeitos processuais, ficando salvaguardados os seus direitos de defesa e em igualdade de circunstâncias processuais com os restantes arguidos, não se verificando qualquer nulidade (que a ter-se verificado teria ficado oportunamente sanada - artº 121º do C.P.P.), tendo sido respeitado o princípio do contraditório.
Não havia, assim, fundamento para deferir o requerido a fls 1428 a
1430 e nem a situação da requerente A. foi agravada no acórdão de fls 1431 a
1446. Notifique.
.............................................'
8. A arguida A., notificada deste despacho, veio, por requerimento junto aos autos e dirigido ao Presidente do Tribunal Constitucional, manifestar a sua intenção de recorrer do mesmo para tal Tribunal.
Reza assim, no que ora releva, o citado requerimento:
'............................................. C - Em requerimento aos Autos a arguida alegou que não fora notificada de motivações de recurso que a afectassem processualmente, ou seja, obviamente, do recurso interposto pelo M.P., conforme já constava dos Autos pela forma descrita em A. Alegando igualmente que tal lapso feria o processo de nulidade e de Inconstitucionalidade. D - Não o entendeu, o Venerando Conselheiro Relator, no despacho acima referenciado, Ora de tal não se conformando a arguida vem interpôr o presente recurso para o Tribunal Constitucional'.
9. Por despacho de 11 de Fevereiro de 1993 do Conselheiro Relator do S.T.J., foi a arguida A. convidada a, em cinco dias, cumprir o disposto no nº 1 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, 'indicando a alínea do n. 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie' (sic).
Na sequência desse convite, a arguida A. veio dizer que:
'............................................. O presente recurso para o Venerando Tribunal Constitucional é proposto nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 70 da Lei 28/82 (com a redacção que lhe foi dada pela Lei 85/89) uma vez que a ser recusada a notificação das Motivações de Recurso do Ministério Público nos termos do artigo 411 nº 4 do C.P.P. e nos termos já alegados nos Autos, tal facto constitui por si só violação do Princípio do Contraditório consagrado no nº 5 do artigo 32º da Constituição da República'.
10. Proferiu então o Conselheiro Relator do S.T.J. despacho, datado de 18 de Março de 1993, através do qual admitiu '...os recursos para o Tribunal Constitucional (fls. 1455, 1458 e 1461), pelas arguidas B. e A....', e isto não obstante já anteriormente (cfr. supra 7.) ter admitido o recurso interposto pela arguida B..
11. Subiram os autos a este Tribunal, tendo o ora relator, por ter entendido não conter o requerimento de interposição de recurso formulado pela arguida B. os elementos a que se reportam os números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, efectuado convite no sentido de tal indicação ser fornecida.
Veio, por isso, a arguida B. apresentar nos autos requerimento onde escreveu que:
'... este recurso é interposto com base no disposto no art.º 70º nº 1 alínea b) da lei 28/82 de 15 de Novembro, uma vez que o douto Acórdão do STJ (de que ore se recorre) considerou constitucional a norma inserta no art.º 363º do C. P. Penal.
Ora, na motivação entregue, oportunamente no STJ (24.02.1992), a recorrente considerava inconstitucional o referido art.º 363º do CPP, alegando, que esse art.º 363º do CPP se encontra ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos art.ºs 9º, 13º nº
1, 18º, 20º, 32º nº 1 e 205º nº 2 todos da Constituição da República.
O presente recurso tem, assim como escopo, a apreciação, por parte deste Venerando Tribunal, da constitucionalidade da citada norma (o art.º 363º do CPP).'
II
1. É entendimento do ora relator que, de uma banda, não se deve tomar conhecimento do recurso interposto pela arguida A. e, por outra, que a questão de constitucionalidade implicada no recurso interposto pela arguida B. é de perspectivar como simples, dado que a mesma foi já objecto de anterior decisão por parte deste Tribunal, precisamente em aresto que adiante se citará.
Daí a feitura, ao abrigo do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82, da presente exposição.
Assim:
2. Como à evidência ressalta do relato acima feito, a arguida A., de um lado, não fez a indicação dos elementos a que aludem os já citados números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82 (quer no primitivo requerimento de interposição de recurso, quer no apresentado na sequência do convite que lhe foi dirigido pelo Conselheiro Relator do S.T.J.); de outro, não suscitou, antes do despacho proferido em 15 de Janeiro de 1983 por aquele Conselheiro Relator, a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, antes se devendo, também à evidência, concluir que reportou o vício de desconformidade com a Lei Fundamental ao 'lapso' consistente em não ter sido notificada das motivações de recurso apresentadas no processo, 'lapso' esse que, inclusivamente, rotulou de nulidade - pois que teria sido ofendido o nº 4 do artº 411º do vigente Código de Processo Penal - e que levou à respectiva suscitação; de outro, ainda, baseou o recurso por si intentado interpôr na alínea c) do nº 1 do artº 70º daquela Lei, sendo certo que em passo algum do despacho pretendido impugnar se efectuou recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
2.1. Estas considerações bastam, pois, por si só, para que se não deva conhecer do recurso apresentado pela arguida A..
3. Tocantemente ao recurso da arguida B., dúvidas se não colocam em como, antes da prolação do acórdão de 17 de Dezembro de 1992 (o ponto foi levantado na motivação do recurso para o S.T.J.), a mesma questionou a compatibilidade constitucional da norma constante do artº 363º do indicado Código de Processo Penal - na parte em torna a documentação em acta das declarações produzidas em audiência dependente da existência, no tribunal, de meios esteneotípicos ou estenográficos ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas - pois que, na sua óptica, não se dispondo, num caso concreto, desses meios, fica prejudicada uma 'verdadeira igualdade de 'armas', preterindo-se a 'garantia de defesa do arguido consistente na possibilidade de documentação das declarações', 'sendo assim impossível o ... Tribunal 'a quo' (ou, eventualmente, um Tribunal superior) poder reexaminar a prova já produzida', e isso para além de criar 'situações de desigualdade, de verdadeira e própria injustiça', quando se confrontem os casos de tribunais dotados de tais meios com outros que deles não dispõem.
3.1. Ora, a questão colocada no presente recurso e sobre a qual o Supremo Tribunal de Justiça efectuou um juízo no sentido da conformidade constitucional da norma ínsita no artº 363º do C.P.P. actual, foi já objecto de aprofundada análise por parte do Tribunal Constitucional, vertida no seu Acórdão nº 253/92 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 27 de Outubro de 1992), acórdão esse subscrito, sem divergências, pelos Juízes que intervieram no julgamento da citada questão.
Em tal aresto se concluiu que a norma aí apreciada e ora igualmente sub iuditio, não violava o «princípio da igualdade», maxime «o princípio da igualdade de armas», o «direito ao recurso», entendido como
«direito a um duplo grau de jurisdição», «as garantias de defesa do arguido que o processo penal deve prosseguir», «o princípio da reserva dos tribunais quanto
à competência para administrar a justiça» e o «princípio da independência dos tribunais».
3.3. As razões então carreadas para se atingir o juízo a que se chegou no aludido Acórdão nº 253/92 continuam a convencer este Tribunal, que não divisa qualquer argumentação, designadamente a aduzida pela arguida B., que as ponha em causa. Por isso se há-de, aqui, concluir do jeito que se concluiu naquele aresto.
4. Em face do exposto, propõe-se que:
a) se não tome conhecimento do recurso interposto pela arguida A.;
b) se negue provimento ao recurso do recurso interposto pela arguida B..
5. Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Lisboa, 21 de Setembro de 1992.
(Bravo Serra)