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Proc. nº 36/93
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., residente na Rua -----------------, nº
---------, em Lisboa, propôs acção com processo sumário contra a sua ex-entidade patronal, a B., (EP), com sede em Lisboa, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, em
30 de Março de 1990, pedindo que fosse declarada a nulidade do despedimento determinado pela demandada e condenada esta a reintegrá-lo ou a indemnizá-lo, conforme posterior opção, bem como a pagar-lhe as quantias em dívida já vencidas, e as vincendas até integral pagamento. Solicitou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de preparos e custas.
A acção foi contestada.
Foi marcada data para julgamento, tendo sido adiado o mesmo julgamento para 17 de Outubro de 1991 (a fls. 98).
Por requerimento entregue pelo autor em 1 de Outubro de 1991, veio o mesmo solicitar que lhe fosse aplicada a amnistia em matéria laboral constante da alínea ii) do art. 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho (a fls. 100-101). Ouvida a ré, veio esta sustentar que a norma amnistiadora era materialmente inconstitucional, mostrando-se violado o art. 13º da Constituição (a fls. 108-109).
Por despacho de fls. 105 e vº, foi indeferido o requerido, considerando a Senhora Juíza do 5º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa que o ilícito disciplinar a que se referiam os autos não se achava amnistiado, em virtude de o despedimento ser definitivo, por se achar totalmente decidido e firme no âmbito de empresa, antes da entrada em vigor da lei amnistiadora.
Veio a realizar-se julgamento e foi proferida sentença final a julgar improcedente e não provada a acção (a fls. 107 a 110).
Da decisão que recusou a aplicação da amnistia interpôs recurso o autor, sustentando que a amnistia era aplicável aos factos por si praticados e que tinham motivado o despedimento, visto que a impugnação judicial desse despedimento havia impedido que a decisão sancionadora pudesse ser qualificada como 'decisão definitiva e transitada'. Paralelamente a esse recurso, interpôs o autor recurso de apelação da sentença absolutória, sustentando a sua ilegalidade. A ré respondeu a ambos os recursos, sustentando a inconstitucionalidade da norma amnistiadora e a correcção do entendimento perfilhado no despacho recorrido, bem como a inteira legalidade da sentença de mérito. Veio a ré requerer a junção igualmente aos autos de um parecer jurídico de autoria do Dr. Bernardo da Gama Lobo Xavier sobre a interpretação da expressão final da norma amnistiadora.
Por acórdão de fls. 190 a 192 verso, proferido em
30 de Setembro de 1992, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu dar provimento ao recurso de agravo, declarando amnistiada a infracção disciplinar em causa, ordenando em consequência a reintegração pela ré do autor no seu posto de trabalho, com as inerentes regalias, a partir da entrada em vigor da Lei nº
23/91, condenando a mesma ré a pagar ao demandante as retribuições pecuniárias vencidas a partir da mesma data. Em função de tal decisão, considerou prejudicado o conhecimento da apelação.
2. Inconformada com este acórdão, veio a ré B. interpor dele recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo que este último Tribunal julgasse inconstitucional a norma amnistiadora aplicada pela decisão recorrida.
Este recurso foi admitido por despacho de fls.
196.
3. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
No recurso de constitucionalidade, apenas foram apresentadas alegações pela recorrente.
Nessa peça processual, a referida recorrente sustentou que a Lei nº 23/91 era materialmente inconstitucional na parte em que tornava a amnistia extensiva às infracções disciplinares, visto que o instituto da amnistia devia circunscrever-se apenas ao campo do ilícito criminal, não podendo o Estado 'penetrar no campo das relações de Direito Privado, designadamente do Direito de Trabalho, interferindo no exercício do poder disciplinar e constrangendo a entidade patronal a renunciar a uma prerrogativa inerente à própria essência da relação de trabalho subordinado' (a fls. 206 vº). A circunstância de o Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, mandar aplicar às empresas públicas, nas suas relações de trabalho subordinado com o seu pessoal, o regime jurídico do contrato individual de trabalho acarretaria, em sua opinião, a inconstitucionalidade da norma amnistiadora, por violação dos arts.
62º, nº 1, e 82º, nº 1, e 87º, nº 2 da Constituição. A norma amnistiadora violaria também o princípio constitucional da igualdade, por introduzir um factor de discriminação e de desigualdade entre os trabalhadores. Além disso, e na sequência da posição tomada pelo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional em alegações num outro processo que se identifica, a recorrente sustentou também que deveria considerar-se juridicamente inexistente a parte final da norma amnistiadora, por não ter sido votada a aprovada na Assembleia da República, sendo ainda inconstitucional a amnistia em apreço por violação ao princípio do Estado de direito democrático, ao abranger os despedimentos de trabalhadores de empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos.
Nas suas alegações, a recorrente impugnou ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que ordenou a readmissão do autor nos quadros de pessoal da recorrente e a condenou a pagar-lhe as retribuições a partir de certa data, Considerou que tal decisão teve por efeito fazer equivaler indevidamente a amnistia à sentença de anulação do despedimento, pois que amnistiar um trabalhador seria apenas perdoar o infractor e não implicaria a anulação de um acto supostamente ilícito da entidade patronal, tornando o trabalhador credor desta. Igualmente inadmissível seria a solução perfilhada pelo acórdão recorrido de considerar que a amnistia das infracções disciplinares deveria ter por efeito o renascimento de uma relação de trabalho em que o Estado não era parte (a fls. 206 e 207).
4. O relator considerou dever dispensar os vistos, atendendo a jurisprudência unânime e reiterada do Tribunal Constitucional no sentido de perfeita conformidade constitucional de toda a norma constante da alínea ii) do art. 1º da Lei nº 23/91.
Cumpre, pois, apreciar o objecto do recurso, visto não haver razões processuais que a tal obstem.
II
5. Começar-se-á por delimitar o objecto do recurso.
A recorrente nas suas alegações sustenta que a norma amnistiadora aplicada pelo Tribunal da Relação é materialmente inconstitucional e que a sua parte final é mesmo juridicamente inexistente. A par desta problemática, pretende que o Tribunal Constitucional censure a decisão recorrida na parte em que considerou certos efeitos jurídicos como decorrendo de uma amnistia em matéria laboral.
Ora, relativamente à questão dos efeitos da amnistia, carece o Tribunal Constitucional de competência para censurar o acórdão recorrido quanto ao entendimento perfilhado sobre tais efeitos.
Na verdade, o Tribunal Constitucional só pode conhecer de questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (e, no caso de ilegalidade, a sua competência acha-se delimitada em função do disposto no art.
280º da Constituição) respeitantes a normas. Como se exprime o art. 71º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, os 'recursos das decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada', só podendo o Tribunal 'julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação' (art. 79º-C da mesma lei).
Assim sendo, constitui objecto do presente recurso apenas a questão de inconstitucionalidade imputada à alínea ii) do art.
1º da Lei nº 23/91, não cabendo, no mesmo objecto, a questão dos efeitos da amnistia, matéria para a qual são exclusivamente competentes os tribunais judiciais.
6. Dispõe a alínea ii) do art. 1º da Lei nº
23/91, de 4 de Julho.
'Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
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ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada'.
A questão posta ao Tribunal Constitucional é a de saber se a norma em causa é ou não conforme à Constituição, nomeadamente quando confrontada com os seus arts. 13º, 62º, nº 1, 81º, alínea c), e 82º, nº 2.
Ora, sobre esta questão e a propósito de uma relação laboral de que era parte uma outra empresa pública, foram tirados, por unanimidade, pelo Tribunal Constitucional dois acórdãos, em processos avocados ao plenário deste mesmo Tribunal nos termos do art. 79º-A da Lei do Tribunal Constitucional, nos quais se julgou não inconstitucional a transcrita norma
(importa no caso, e por se tratar da aplicação da sanção de despedimento, referir em especial o Acórdão nº 153/93, publicado no Diário da República, II Série, nº 69, de 23 de Março de 1993). Dada a jurisprudência assim firmada, em caso idêntico ao dos autos, mantém-se o teor da mesma, remetendo-se de forma integral para os fundamentos e conteúdo decisório daquele aresto, que aqui se dão por reproduzidos.
III
5. Nestes termos, decide o Tribunal Constitucional julgar improcedente o presente recurso, confirmando em consequência o acórdão recorrido.
Lisboa,11 de Maio de 1993
Armindo Ribeiro mendes
Vítor Nunes de Almeida
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
Luís Nunes de Almeida