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Procº nº583/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos em que são recorrentes A. e mulher, B., e em que é recorrido o Estado, pelo essencial dos fundamentos constantes da exposição lavrada pelo relator de fls. 132 a 138, que aqui se dá por integralmente reproduzida e sobre a qual os recorrentes se não pronunciaram e a que o recorrido deu total anuência, decide-se não se tomar conhecimento do recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais e fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 19 de Janeiro de 1994
Bravo Serra Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Messias Bento José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 583/93.
2ª Secção.
1. No Tribunal de comarca de Almada, em representação do Estado, propôs o Ministério Público contra A. e mulher, B., acção, seguindo a forma de processo ordinário, requerendo:
por um lado, que fosse o Autor declarado dono e possuidor de um prédio rústico designado por
----------------------------------------, sito no concelho de
---------------------, inscrito na 3ª Repartição de Finanças de
-------------------- na matriz predial rústica da ---------------------- sob os artigos ----º e -----º, secção ----, em nome da Fazenda Nacional - Direcção Geral dos Seviços Florestais e Aquícolas, - e descrito sob o nº ----- a folhas
----do Livro ---- na Conservatória do Registo Predial de -----, prédio esse no qual os Réus, sem qualquer título, autorização, licença e aprovação de projecto, procederam, no local designado por -----------------, na -------------------, a uma construção em madeira e chapas de zinco;
por outro, que fosse os Réus condenados a reconhecer ao Autor o direito de propriedade sobre o dito prédio e a demolirem a obra que nele levaram a cabo, restituindo-lho, em sessenta dias, livre e desembaraçado de construções .
Contestaram os Réus dizendo, em síntese, que o circunstancionalismo dos autos não era 'processual, mas sim constitucional/administrativo', porquanto, embora sabendo eles que não eram proprietários do prédio reivindicado, o que era certo era que, sendo os mesmos muito pobres e consagrando o que se consagra nos artigos 65º e 67º da Constituição, só o Município de Almada teria 'uma resposta capaz: dar uma casa a uma família miseravelmente carenciada', motivo pelo qual se deveria julgar
'extinta a instância por inutilidade da mesma', já que o caso dos autos devia
'ser resolvido administrativamente, com a entrega de uma casa aos RR', face à obrigação que o Estado tem em 'solucionar esta situação de insuficiência económica, construindo ou mandando construir e não demolindo ou mandando demolir, a não ser que tenha já a solução alternativa de transferência do casal para uma habitação condigna'.
2. Por saneador/sentença lavrado em 13 de Janeiro de
1992, foram os Réus condenados no pedido, o que originou que estes apelassem para o Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo, em súmula, na alegação produzida, que:
eles, Réus, 'apresentaram uma contestação constitucionalista baseada nos arts. 65º e 67º da Lei Fundamental', devendo
'concretizar-se o direito constitucional da habitação, antes da demolição da barraca de madeira';
'a única questão constitucional levantada pelos apelantes não teve pronúncia judicial e devia ter havido uma resposta muito concreta e mais elevado nível teórico/prático, pelo que a SENTENÇA' era nula;
'[o]s presentes autos constituem um 'luxo processual' desnecessário, inútil e inconstitucional'.
3. Por acórdão de 2 de Dezembro de 1992, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso e, a propósito do que era referido pelos Réus sobre a circunstância de a sentença recorrida não ter conhecido da única questão constitucional levantada, foi referido:
'........................................
.percorrendo os doze artigos da contestação, não se vê que em algum deles tenha sido levantada alguma questão a decidir pelo tribunal recorrido.
Na verdade, os RR. invocam os direitos à habitação e protecção da família consignados nos arts. 65º e 67º da CRP, mas, no art. 11, logo acrescentam que 'só o Município de Almada tem uma resposta capaz'. Os RR não pediram ao tribunal que lhes fosse reconhecido o direito de continuarem na obra clandestina em causa, direito que, de resto, não lhes assiste.
E quanto à defesa dos direitos constitucionais à habitação e protecção da família, consignados nos arts. 65º e 67º da CRP, se acaso há incumprimento do Estado e das demais entidades públicas das obrigações ali indicadas - questão que não compete a este tribunal apreciar - então verificar-se-á uma omissão inconstitucional a desencadear os mecanismos previstos no art. 283º da CRP..........................................'
4. Do acórdão de que acima se encontra transcrita parte recorreram os Réus para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando, inter alia, que, tendo o aresto impugnado concluído que, se acaso houvesse incumprimento pelo Estado das obrigações indicadas nos artigos 65º e 67º da Constituição, verificar-se-ia uma omissão inconstitucional, então deveria tal omissão constituir 'um facto fundamentador da recusa da restituição', pelo que o Tribunal de 2ª Instância devia ter carreado 'para o processo os elementos de facto que' permitissem 'accionar o artº 283º/2/ da Lei Fundamental, pelo que há violação de um comando constitucional por erro de interpretação e de aplicação do mesmo normativo'.
5. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de Janeiro de 1993, negou a revista, dizendo, a dado passo:
'.............................................
Determina o nº 1 do art. 283º da Constituição, que a requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autónomas, dos presidentes das assembleias legislativas regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais.
Portanto, aquilo que os recorrentes pretendem que a Relação fizesse,
é da competência do Tribunal Constitucional.
Também não se vê que a questão, tardiamente posta pelos recorrentes, pudesse chegar ao Tribunal Constitucional através do mecanismo previsto no art.
280º da C.R.P.
.............................................'
6. É deste acórdão que, pelos A. e mulher, vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional, dizendo, no requerimento elaborado para o efeito, que o faziam 'ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº
70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro com a nova redacção da Lei 85/89 de 7 de Setembro', por isso que no aresto pretendido censurar houve 'uma omissão inconstitucional (Arts. 65º, 67º e 238º/2/ da Lei Fundamental)', o que 'foi oportunamente suscitado na contestação ..., na tréplica..., no requerimento de interposição de recurso... e nas alegações...'.
7. Não obstante o referido no acórdão prolatado no S.T.J. e que consta do excerto acima transcrito, foi o recurso admitido por despacho de 16 de Setembro de 1993.
8. Tal despacho, todavia, não vincula este Tribunal
(cfr. artº 76º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), entendendo o ora relator que se não pode tomar conhecimento do objecto do recurso, o que conduz à feitura da presente exposição ex vi do nº 1 do artº 78º-A daquela Lei.
9. Na verdade, sendo este recurso interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da aludida Lei, mister seria que o Alto Tribunal a quo, na respectiva decisão, e como um fundamento jurídico que a suportasse, tivesse recusado a aplicação de qualquer norma com base num juízo de desconformidade com a Constituição [cfr. artigo 280º, nº 1, alínea a), do Diploma Básico, e artº 70º, nº 1, alínea a), já citado]
Ora, o que é inequívoco é que o acórdão pretendido impugnar não recusou a aplicação de qualquer norma com o pretexto de ser a mesma desconforme aos preceitos ou princípios ínsitos na Lei Fundamental.
De outra banda, e como sem qualquer margem para dúvidas resulta do que se consagra no nº 1 do artigo 283º daquela Lei Básica, afora as entidades referidas naquele normativo, a mais ninguém é atribuída legitimidade para solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação e verificação do não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais, sendo que, além disso, o processo visando tais apreciação e verificação é regulado nos termos do artigo
67º da Lei nº 28/82 (norma que remete para os artigos constantes da Secção V do Subcapítulo I do Capítulo II dessa mesma Lei), o que, in casu, obviamente, não sucede.
10. Termos em que se propugna pelo não conhecimento do objecto deste recurso.
Cumpra-se o estatuído na parte final do aludido artº
78º-A da Lei nº 28/82.
Lisboa, 22 de Outubro de 1993.
(Bravo Serra)