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Procº nº 443/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Tribunal de comarca de Ourém em que são, recorrente, o Ministério Público e em que figuram como arguidos A. e B., concordando-se, no essencial com a exposição de fls. 63 a 67 formulada pelo relator, que aqui se dá por integralmente reproduzida, tendo em conta o que foi decidido nos Acórdãos em tal exposição citados, decide-se não julgar inconstitucional a norma constante do nº 3 do artº 16º do vigente Código de Processo Penal e, em consequência, no provimento do recurso, ordenar a revogação do despacho impugnado, a fim de ser reformado de harmonia com o agora decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 25 de Outubro de 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 443/93.
2ª Secção.
1. O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de comarca de Ourém deduziu, sob a forma de processo comum e perante tribunal singular, acusação contra A. e B., imputando-lhes o cometimento de factos que subsumiu à co-autoria material de dois crimes de furto qualificado previstos e puníveis pelos artigos 296º e 297º, nº 2, alíneas c) e h), ambos do Código Penal.
Como justificação da forma de processo que requereu, o aludido magistrado baseou-se nas circunstâncias de os arguidos terem, à data do imputado cometimento dos factos descritos na acusação, respectivamente, 21 e 19 anos de idade, não terem antecedentes criminais e de os objectos subtraídos terem sido recuperados pelos seus legítimos proprietários, o que, no seu entender, conduziria a que as penas a impor em concreto aos ditos arguidos não ultrapassassem pena de prisão ou medida de segurança de internamento superior a três anos, motivo pelo qual, atento o disposto no nº 3 do artº 16º do Código Penal, solicitava a realização do julgamento perante juiz singular e não perante tribunal colectivo.
A Juiz do referido tribunal de comarca, porém, por despacho, não datado, proferido nos autos, rejeitou a acusação deduzida, o que fez após se recusar a aplicar o mencionado nº 3 do artº 16º do Código Penal, já que, na sua óptica, aquela disposição, muito embora estivesse em conformidade com o nº 58º do artº 2º da Lei nº 43/86, de 23 de Setembro, ao abrigo da qual foi autorizadamente editado o Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, enfermava do mesmo vício de inconstitucionalidade de que padecia aquele número e artigo da Lei nº 43/86, justamente o de violar o disposto nos artigos 205º e
206º da Constituição.
Desse despacho recorreu o magistrado do Ministério Público para o Tribunal Constitucional, constituindo, assim, objecto do presente recurso a questão de saber se é ou não conforme com a Lei Fundamental a norma constante do nº 3 do artº 16º do Código Penal, conforme a seguir se demonstrará.
2. Na verdade, como se pode extrair do raciocínio da Juiz autora do despacho sob censura, o vício de desconformidade com a Lei Fundamental não seria um vício directo, mas sim um vício indirecto ou consequencial daqueloutro contido num segmento normativo do artº 2º da Lei nº
43/86, de 23 de Setembro.
É evidente que tal raciocínio mostra-se incorrecto, desde logo pela circunstância de, não obstante - no tocante ao sentido e extensão da autorização conferida por aquela Lei - no item 58 do aludido artº
2º se permitir que no diploma editando ao abrigo da dita autorização se previsse a '[p]ossibilidade de fazer julgar pelo tribunal singular certos tipos legais de crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável' fosse 'superior a três anos de prisão mas em que a apreensão da prova não' oferecesse 'grande dificuldade, bem como os crimes que o não' fossem, 'na óptica do Ministério Público, passíveis em concreto de pena de prisão ou medida de segurança de duração superior a três anos', isso não significar, inelutavelmente, que no citado diploma autorizado viesse a ficar consagrada tal possibilidade.
Daí que a consagração da possibilidade permitida pela lei autorizadora, consagração essa ínsita no diploma autorizado, seja, uma vez consubstanciada em norma dele constante, de per si passível de ser materialmente parametrizada relativamente aos preceitos ou princípios constitucionais vigentes, sem que, para uma tal aferição, se torne necessário apelar àquela lei ou a raciocínios baseados em parametrização indirecta ou consequencial.
Perante o exposto, haverá que entender, como se disse, que objecto do presente recurso é, tão só, o da averiguação da compatibilidade constitucional da norma constante do nº 3 do artº 16º do Código de Processo Penal.
3. Ora, tocantemente a essa averiguação, tem este Tribunal tido ocasião de lavrar um imenso número de arestos nos quais se tem concluído não ser a norma sub specie colidente com os preceitos ou princípios constantes da Constituição, designadamente o que se prescreve nos seus artigos
205º e 206º.
Para essa jurisprudência uniforme, que uma vez mais se reitera, se remete agora, citando-se, a título meramente exemplificativo e, por isso, sem a preocupação de ser exaustivo, os Acórdãos números 393/89 (Diário da República, 2ª Série, de 14-SET-89), 435/89 (idem, idem, de 21-SET- -89), 455/89,
465/89 (idem, idem, de 30-JAN-90), 466/89, 467/89, 41/90, 43/90, 44/90 (idem, idem, de 4-JUL-90), 48/90 (idem, idem, de 11-JUL-90), 95/90, 96/90, 97/90,
100/90, 101/90, 102/90, 137/90 (idem, idem, de 7-SET-90), 140/90, 142/90, 143/90
(idem, idem, de 7-SET-90), 145/90, 147/90, 164/90, 165/90, 166/90, 167/90,
168/90, 178/90, 183/90, 195/90, 197/90, 206/90, 208/90, 217/90, 218/90, 219/90,
220/90, 226/90, 252/90, 269/90, 276/90, 282/90, 291/90, 293/90, 296/90, 297/90,
301/90, 319/90, 320/90, 326/90, 327/90, 328/90, 335/90, 5/91, 9/91, 11/91,
24/91, 28/91, 31/91, 35/91, 41//91, 43/91, 45/91, 46/91, 47/91, 50/91, 78/91,
79/91, 169/91, 170//91, 171/91, 212/91, 214/91, 281/91, 300/91, 301/91, 302/91,
303/ /91, 304/91, 305/91, 306/91, 307/91, 308/91, 309/91, 310/91, 311/ /91,
312/91, 313/91, 314/91, 385/91, 436/91, 455/91, 456/91, 27/92 e exposição prévia do relator, 39/92, 68/92, 79/92, 97/92, 339/92 e 291/93 (estes ainda inéditos).
Por isso se há-de concluir, talqualmente se fez naqueles Acórdãos, não padecer a norma em apreço de qualquer vício de inconstitucionalidade, o que conduzirá à procedência do recurso, de onde a presente questão se apresentar como simples e motivar a feitura da presente exposição ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
4. Cumpra-se a parte final do dispositivo em último lugar citado.
Lisboa, 6 de Outubro de 1993.
(Bravo Serra)