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Procº nº 703/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal e em que
é recorrente A., concordando-se, no essencial, com a exposição elaborada pelo relator, ora de fls. 194 a 201, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e que o arrazoado constante da peça que aquele mesmo recorrente apelida de
'alegações' não põe em causa, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta.
Lisboa, 1 de Março de 1994
Bravo Serra Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida
Procº nº 703/93.
2ª Secção.
1. Mediante libelo de 17 de Dezembro de 1992, respondeu perante o 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa A., tendo, por acórdão de 14 de Junho de 1993, sido considerado incurso na prática, como autor material, de um crime de violências desnecessárias, previsto e punível pelo artº 88º do Código de Justiça Militar, em consequência sendo condenado na pena de dois meses de prisão militar.
3. Não se conformando com essa decisão, da mesma recorreu o A. para o Supremo Tribunal Militar tendo, na alegação que produziu, defendido que a pena de prisão militar que lhe foi aplicada, se fosse adequada, teria de ser suspensa na respectiva execução ou substituída por pena de multa correspondente, pois que 'o silêncio do CJM acerca da (in)aplicabilidade em sede de justiça penal militar de normas gerais do Código Penal como a possibilidade de suspensão da execução da pena e/ou a da substituição desta por multa nos casos do art. 43º deste último Código só' poderia 'inculcar a aplicação de tais normas gerais em obediência ao princípio da subsidariedade', sob pena de,
'[a]ssim não sendo, as normas contidas no art. 46º. d), 39º, 28º e 27º do CJM' serem 'inconstitucionais e violadoras dos art. 277º.1, 13º, 27º e 29º da Constituição da República ou, pelo menos ilegais por violarem uma lei com valor reforçado como o não pode deixar o Código Penal de 1982, face ao CJM'.
4. O Supremo Tribunal Militar, por acórdão prolatado em
14 de Outubro de 1993, negou provimento ao recurso interposto.
Nessa peça processual, de entre o mais, foi referido:
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O Código de Justiça Militar, por um lado, estabelece, no seu artº
24º, como penas a impor pelos crimes essencialmente militares, as de prisão maior (hoje prisão), de presídio militar e de prisão militar.
A pena de multa não está incluída no elenco das penas militares,
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Deste modo, não existindo no direito penal militar a pena de multa é
óbvio que não pode substituir-se por ela uma pena militar.
Quanto à suspensão da pena são conhecidos e reafirmados pacificamente pela jurisprudência deste Supremo Tribunal os fundamentos da sua não admissão quanto às penas militares, face ao C.J.M. vigente.
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Vem ainda o recorrente arguir a inconstitucionalidade e a ilegalidade dos artºs 39º, 28º e 46º, nº 1, alínea d) do C.J.M..
Já se referiu que o Código Penal e o Código de Justiça Militar são diplomas legislativos de igual força pelo que as normas deste não podem ser tidas por ilegais se eventualmente se afastarem das daquele.
Por outro lado, o disposto nos artºs 27º, 28º e 46º, nº 1, alínea d) do C.J.M. são normas que nenhuma aplicação têm no caso sub judicio, pelo que a sua eventual inconstitucionalidade é in casu irrelevante.
O artº 39º foi efectivamente aplicado pelo Tribunal recorrido, mas não se percebe qual a inconstitucionalidade de que poderá sofrer face aos invocados princípios constitucionais do 'nullum crimen sine lege' ou da 'nula poena sine lege'.
Depreende-se do arrazoado do recorrente que este invoca uma inconstitucionalidade por omissão, violadora do princípio da igualdade previsto no artº 13º da lei fundamental.
De facto, crê-se que ele entende que o C.J.M. deveria prever a pena de multa e permitir a substituição das penas militares pela de multa. Não o prevendo existe, em seu juízo, uma omissão que viola o artº 13º da Constituição.
Já se mencionou que os direitos penais aplicáveis aos crimes essencialmente militares e comuns são e podem ser diferentes, têm finalidades diferentes e, portanto, não existe igualdade a contemplar entre os dois regimes penais.
Mesmo que assim não seja, não pode o Tribunal criar norma que supra a omissão normativa inconstitucional, pelo que tem de aceitar tal omissão.
Dir-se-á ainda que, mesmo que o recorrente tivesse razão, mesmo que o disposto nos artºs 43º, nº 1 e 48º, do C. Penal fossem aplicáveis no direito penal militar, as pretendidas substituições por multa e suspensão da pena imposta não eram de decretar.
De facto, o tipo de crime cometido pelo recorrente, de grande repercussão social e cuja gravidade se apura até pela reacção de organismos internacionais como a amnistia internacional, impõe, pelo menos por ora, que, pela necessidade de prevenção da sua futura prática, não se substitua a pena privativa da liberdade por pena pecuniária.
Por outro lado, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça de pena são insuficientes para satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção do crime.
E nem a personalidade do recorrente justifica essa medida. Bastará dizer que ele actuou por estar exaltado e pode-se prever que tornará eventualmente a delinquir, em circunstâncias semelhantes, se não sofrer justa punição pelo crime cometido.
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5. O A. suscitou a aclaração do acórdão de que acima parte se encontra transcrita, o que o Supremo Tribunal Militar, por aresto de 28 de Outubro de 1993, efectuou, muito embora se entendesse 'serem suficientemente compreensíveis os fundamentos do citado acórdão' [reportava-se ao aclarando acórdão].
6. O recorrente, uma vez mais não se conformando com o decidido, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do disposto nos arts. 277º.1, 280º.1.b), 280º.2.a) e d), todos da Constituição e art. 70º.b) e f) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', dizendo que, nas alegação de recurso para o S.T.M., invocou 'a ilegalidade e a 'inconstitucionalidade' do CJM', o que equivalia a invocar, 'por conseguinte, a inconstitucionalidade de todo o CJM', abarcando-se nessa expressão todas as normas daquele corpo de leis
'que foram aplicadas no acórdão da 1ª Instância', pelo que o recurso interposto era limitado 'à apreciação da inconstitucionalidade dos arts. 46º, 28º, 27º,
39º, 24º e 88º do Código de Justiça Militar'.
7. O Relator do Supremo Tribunal Militar, por despacho de 8 de Novembro de 1993, admitiu o recurso interposto, não deixando, porém, de sublinhar ter as maiores dúvidas quanto à admissibilidade, além do mais, por o acórdão pretendido recorrer ter afirmado 'que não eram de decretar a substituição por multa ou a suspensão da pena mesmo que fossem de aceitar as teses de inconstitucionalidade e de ilegalidade sustentadas pelo recorrente'.
8. Não obstante este despacho, e porque o mesmo não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artº 76º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), é o ora relator de opinião de que o recurso não deveria ter sido admitido, o que justifica a feitura da presente exposição ex vi do nº 1 do artº
78º-A da mesma Lei.
8.1. Na verdade, para além da circunstância - que não releva agora analisar - de se saber se, efectivamente, se pode dizer que as normas indicadas no requerimento de recurso pretendido interpôr para este Tribunal e formulado pelo A., foram, todas elas, aplicadas no acórdão pretendido impugnar (o que, diga-se de passagem, deveria sofrer resposta negativa), o que é certo é que, mesmo aceitando que o foram, o discurso, efectuado naquele acórdão, sobre as questões de (in)constitucionalidade e de (i)legalidade suscitadas no recurso para o Supremo Tribunal Militar não passa, de facto, de um mero obiter dictum.
Na realidade, o aresto lavrado naquele Alto Tribunal foi extremamente claro ao mencionar que, ainda que padecessem do vício de inconstitucionalidade a ou as normas que não prevêm - ou não admitem - que a pena de prisão militar aplicada a militares possa ser substituída por multa pelo tempo correspondente ou possa ser suspensa a respectiva execução, ainda assim esse vício não poderia ter qualquer repercussão na lide sujeita a apreciação, por isso que as circunstâncias do caso concreto, quer vistas de um prisma subjectivo reportadamente ao recorrente e às necessidades de prevenção especial, quer vistas de uma perspectiva objectiva, tomando em conta as necessidades de prevenção geral, nunca aconselhariam que a pena aplicada - privativa da liberdade - fosse substituída por multa ou tivesse suspensa a respectiva execução.
8.2. Significa isto, ao fim e ao resto, que, ainda que, pelo Supremo Tribunal a quo fosse efectuado, relativamente às mencionadas normas, um juízo de desconformidade à Lei Fundamental, nenhuma relevância teria esse juízo na decisão que tomou, porquanto um tal julgamento de inconstitucionalidade não levaria à desaplicação dessas mesmas normas com a consequente aplicação dos cabidos preceitos do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro de 1992, que prevêm a substituição das penas de prisão até seis meses e a suspensão da execução das penas de prisão não superiores a três anos.
E, reversamente, a efectivação do juízo segundo o qual as citadas normas não enfermavam de inconstitucionalidade igualmente nenhum reflexo teve no decidido, já que não foi da respectiva aplicação que resultou a não substituição da pena de prisão militar aplicada por pena de multa, ou a não suspensão da execução de tal pena, pois que nunca o circunstancionalismo envolvente do caso em análise isso permitiria.
8.3. Sendo isto assim, como ao ora relator se afigura, inequivocamente haverá que concluir que, no acórdão em apreço não foi, verdadeiramente, feita aplicação da ou das normas arguidas de inconstitucionais.
Ora, como tem de há muito sido defendido por este Tribunal, não cabe recurso de constitucionalidade relativamente a normas que, arguidas de inconstitucionalidade, não foram, no plano decisório, aplicadas na decisão recorrida, sendo que, se 'a decisão da questão de inconstitucionalidade não é susceptível de influir na decisão da questão de fundo' não deve dela tomar conhecimento o Tribunal Constitucional, 'o que é coisa que bem se compreende se se tiver em conta que o recurso de constitucionali- dade desempenha sempre uma função instrumental', não servindo, assim, para decidir sobre questões meramente académicas (cfr., v.g., Acórdãos números 322/90 e 216/91, publicados na 2ª Série do Diário da República de 15 de Março de 1991 e 14 de Setembro de 1991, respectivamente).
9. Cumpra-se a parte final do citado nº 1 do artº 78º-A.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1993.
(Bravo Serra)