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Procº nº 353/96.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Na acção, seguindo a forma de processo sumário, que M... e mulher, intentaram contra A ... e mulher, H ... e V..., o Juiz do 7º Juízo do Tribunal Cível da comarca do Porto, por despacho de 16 de Janeiro de
1996, entendeu ser competente para processamente daquela acção o Tribunal de comarca de Gondomar, razão pela qual, na sequência do assim decidido, foram os autos para aí remetidos.
Porém, o Juiz do 3º Juízo Cível do aludido Tribunal de comarca de Gondomar, por despacho de 29, ainda daqueles mês e ano, declarou
'incompetente em razão do território' 'a Comarca de Gondomar', decisão a que chegou após ter dito:
'..................................................
Nestes termos, declaram-se organicamente inconstitucionais - por violação dos arts. 168º, nº 1, q], 201º, nº 1, b] e c], 207º e 208º, nº 1, da CRP:
- o art. 55º, nº 3, do DL 214/88, de 17 de Junho, na redacção do DL
312/93, de 15 de Setembro;
- o art. 55º, nº 2, do DL 214/88, e 17 de Junho, na redacção do DL
206/91, de 07 de Junho, na medida em que regule para além do âmbito da criação e conversão de Tribunais, operada por este último diploma'.
Deste despacho interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional o representante do Ministério Público junto do referido Tribunal de comarca, solicitando a apreciação da inconstitucionalidade das normas ali recusadas aplicar.
2. Produziu alegação o Ex.mo Procurador-geral Adjunto em funções neste Tribunal, que, propugando pela procedência do recurso, formulou as seguintes conclusões:-
'1º - As normas constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 3º da Lei nº 24/90 estabelecem um regime de direito transitório especial, relativamente à regra da estabilidade da competência proclamada pelo artigo 18º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, susceptível de ser entendido como aplicável a todas e quaisquer modificações da competência decorrentes das graduais implementação, concretização e desenvolvimento dos novos princípios e regras vigentes em sede de organização judiciária, por força da reforma iniciada através da edição da Lei nº 38/87, independentemente do concreto diploma legal que os venha a actuar.
2º - As normas desaplicadas na decisão recorrida, constantes do Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, nas suas sucessivas versões, carecem de conteúdo inovatório, face à referida norma dos nºs 1 e 2 daquela Lei nº 24/90, assim interpretada, limitando-se a mandar actuar o nela preceituado aquando da entrada em funcionamento dos novos tribunais ou juízos criados no desenvolvimento e como decorrência da própria Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.
3º - Não padecem, pois, tais normas da apontada inconstitucionalidade orgânica, já que encontram suporte bastante nos citados nºs 1 e 2 do artigo 3º da Lei nº 24/90'.
Tendo em atenção que inúmeros processos do jaez do presente - nos quais está em causa a efectivação de um juízo de compatibilidade ou não compatibilidade com a Constituição das normas desaplicadas pela decisão impugnada - têm sido objecto de distribuição neste Tribunal, consequentemente sendo já o objecto do vertente recurso do conhecimento dos respectivos Juízes, foram dispensados os seus «vistos».
II
1. As normas que não foram aplicadas pela decisão sob censura (e que, impropriamente, foram «declaradas» inconstitucionais), são, como se viu, as constantes do números 2 e 3 do artº 55º do Decreto-Lei nº 214/88, de
17 de Junho, a primeira na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 312/93, de 15 de Setembro, e a segunda na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 206/91, de 7 de Junho, na medida em que regulam 'para além do âmbito da criação e conversão de Tribunais, operada por este último diploma'.
1.1. Dispunha o artº 55º do D.L. nº 214/88, na sua primitiva redacção:
Artigo 55.º
(Entrada em funcionamento de novos tribunais ou juízos)
1. Os tribunais ou juízos criados ou convertidos pelo presente diploma entram em funcionamento na data em que for determinada a respectiva instalação, por portaria do Ministro da Justiça.
2. Após a instalação dos tribunais referidos no número anterior, os processos que se encontrem pendentes nos actuais tribunais de comarca e que sejam da competência de outros tribunais, nomeada- mente dos tribunais de círculo, de família, de família e menores e de trabalho transitam para estes, devendo, para o efeito, ser remetidos à distribuição.
3. Até à entrada em funcionamento dos novos tribunais e juízos, mantém-se a composição e a competência dos tribunais e juízos, ainda que extintos pelo presente regulamento, que detinham a correspondente jurisdição.
Com a redacção resultante do D.L. nº 206/91 esse artº
55º passou a apresentar o seguinte teor:-
Artigo 55.º
Entrada em funcionamento de novos tribunais ou juízos
1 - Os tribunais ou juízos criados ou convertidos pelo presente diploma entram em funcionamento na data em que for determinada a respectiva instalação, por portaria do Ministro da Justiça.
2 - Após a instalação dos tribunais referidos no número anterior, dar-se-á cumprimento ao preceituado no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 24/ /90, de 4 de Agosto.
3 - O disposto no número anterior será igualmente aplicável às acções ou incidentes referidos nos artigos 144.º, 147.º, 150.º, 151.º e 153.º do Código de Processo do Trabalho, bem como à actualização das pensões, quando suscitadas em processos de acidente de trabalho já findos.
4 - Até à entrada em funcionamento dos novos tribunais ou juízos, mantém-se a composição e a competência dos tribunais e juízos, ainda que extintos pelo presente regulamento, que detinham a correspondente jurisdição.
Com a redacção introduzida pelo D.L. nº 312/93, o mesmo artigo ficou assim redigido:-
Artigo 55.º
Entrada em funcionamento de novos tribunais ou juízos
1 - Os tribunais ou juízos criados ou convertidos pelo presente diploma entram em funcionamento na data em que for determinada a respectiva instalação, por portaria do Ministro da Justiça.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os juízos criminais e os juízos de pequena instância criminal decorrentes da conversão dos extintos juízos correccionais e de polícia.
3 - Após a entrada em funcionamento dos tribunais ou juízos criados ou convertidos pelo presente diploma, dar-se-á cumprimento ao preceituado no n.º
1 do artigo 3.º da Lei n.º 24/ /90, de 4 de Agosto.
4 - O disposto no número anterior será igualmente aplicável às acções ou incidentes referidos nos artigos 144.º, 147.º, 150.º, 151.º e 153.º do Código de Processo do Trabalho, bem como à actualização das pensões, quando suscitadas em processos de acidente de trabalho já findos.
5 - Até à entrada em funcionamento dos novos tribunais ou juízos, mantém-se a composição e a competência dos tribunais e juízos, ainda que extintos pelo presente regulamento, que detinham a correspondente jurisdição.
6 - Até à instalação dos tribunais de círculo e dos tribunais de família e de menores, a respectiva competência mantém-se nos tribunais de comarca que detêm a correspondente jurisdição ou nos juízos de competência especializada cível e criminal criados por este diploma.
7 - No caso previsto no número anterior, o colectivo é presidido pelo juiz de círculo.
Convém aqui assinalar que, com a redacção dada pela Lei nº 24/90, de 4 de Agosto, o artº 18º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro [a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais - que, nos termos do seu artº 108º, deveria ser regulamentada por decreto-lei no prazo de 90 dias (nº 1), no qual se fixaria o destino dos processos e papéis pendentes na data da sua entrada em vigor (nº
3)], passou a dispôr:-
Artigo 18.º
Lei reguladora da competência
1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, sem prejuízo do disposto no artigo 81.º.
2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.
Note-se que o artº 81º, referido naquele preceito, igualmente na redacção da Lei nº 24/90, se reporta à competência do tribunal de círculo, interessando sublinhar que, nos termos do seu nº 2, '[s]empre que, estando pendente uma causa no tribunal de comarca, ocorra uma alteração superveniente do respectivo valor, considerada relevante pela lei processual, ou resultante de decisão proferida em incidente de verificação do valor, susceptível de determinar, nos termos previstos no número anterior, a competência do tribunal de círculo, será o processo oficiosamente remetido a este tribunal'.
De outro lado, consagrou-se no artº 3º da aludida Lei nº
24/90:-
Artigo 3.º
Disposições transitórias
1 - As modificações da competência decorrentes da Lei Orgânicas dos Tribunais Judiciais são imediatamente aplicáveis aos processos pendentes, em fase anterior ao início do julgamento em 1.ª instância, nos tribunais de comarca existentes à data da respectiva entrada em vigor, devendo ordenar-se oficiosamente a sua remessa ao tribunal que, para eles, passa a ser competente, logo que instalado.
2 - Exceptuam-se, no âmbito do processo penal, as modificações da competência territorial decorrentes da criação de novas comarcas, que não são aplicáveis aos processos referentes a infracções cometidas na respectiva área, antes da sua instalação.
3 - As modificações e aditamentos introduzidos pelo presente diploma ao texto da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais aplicam-se imediatamente aos processos pendentes, devendo ordenar-se oficiosamente a sua remessa, no estado em que se encontrarem, ao tribunal que, para eles, passe a ser competente, face ao preceituado neste diploma, desde que instalado, nos termos previstos no artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho.
4 - Exceptuam-se do disposto no número anterior: a) Os processos em que haja já sido suscitada e resolvida, por decisão transitada em julgado, a questão concreta da competência do tribunal; b) Os processos em que já tenha tido início a audiência de julgamento em 1.ª instância, salvo se esta decorrer perante tribunal que funcione necessariamente como singular e o julgamento dever pertencer ao colectivo.
2. Dos normativos acima indicados resulta claramente que, para além de uma regra geral semelhante àqueloutra constante do diploma adjectivo civil, regra essa constante do artº 63º do Código de Processo Civil - reportamo-nos, como é claro, ao que consta do nº 2 do artº 18º - as modificações que tem sofrido a orgânica judiciária (mormente no que concerne ao diploma fundamental na matéria, i. e., a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) têm sido acompanhadas de disposições transitórias especiais, que, de certo modo, vêm, pontualmente, derrogando a referida regra legal no que concerne a alterações de competência territorial e/ou material fundadas em modificações de direito, com vista, justamente, a permitir aquilo que não seria permitido por aquela regra, ou seja, a mutabilidade da instância no tocante à competência do órgão jurisdicional.
Compreende-se, aliás, essa opção legislativa.
2.2. Na verdade, se as modificações operadas pelas disposições de orgânica judiciária (designadamente as levadas a cabo pelas sucessivas alterações da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) foram e têm sido iluminadas pelo desiderato de tornar mais eficiente e rentável a acção dos
órgãos jurisdicionais, desta arte se apresentando para o legislador como mais aptas a esse desiderato as modificações que introduziu e vem introduzindo, torna-se lógico que seja, desde logo, conferida aos novos órgãos criados ou transformados e como tal declarados em termos de poderem funcionar (ou seja, após a declaração da sua instalação), a competência para curarem dos processos, acções e papéis que se encontravam a cargo de outros tribunais, cuja actividade, ao tratarem dos mesmos, foi reconhecida como não sendo a mais curial atentas a eficiência e rentabilidade desejadas.
Daí que se surpreenda a existência de «disposições transitórias» tais como aquelas ínsitas no já referido artº 3º, números 1 e 3, da Lei nº 24/90 (o último referente às modificações e aditamentos da orgânica judiciária decorrentes da própria Lei nº 24/90 ao alterar o texto primitivo da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).
Disposições essas que, na regulamentação levada a efeito pelo Decreto-Lei nº 206/91 - ao proceder à introdução de modificações no designado «Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais» (o D.L. nº
214/88) - com vista a adaptar este último diploma às alterações conferidas à organização judiciária, nomeadamente pela Lei nº 24/90, não podiam ser ignoradas, consequentemente se impondo a adopção de um normativo tal como aquele que consta do nº 2 do artº 55º do mencionado D.L. nº 214/88, o que o mesmo é dizer, um normativo do qual decorresse a ultrapassagem da regra geral da estabilidade da competência.
Isto significa, numa outra perspectiva das coisas, que a eventual diferenciação entre a regra do nº 2 do artº 18º da Lei nº 38/87 e aquela que se contém no nº 2 do artº 55º do D.L. nº 214/ /88, na redacção introduzida pelo D.L. nº 296/91 (não releva agora entrar em consideração com a primitiva redacção), se não operou inovatoriamente mercê deste diploma governamental, pois que esta última disposição mais não faz do que, como bem realça o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, 'mandar actuar o preceituado' no nº 1 do artº 3º da Lei nº 24/90.
3. Viu-se já acima que o artº 3º da Lei nº 24/90, nos seus números 1 e 3, comporta diferentes regras de direito transitório especial que se afastam da regra geral consagradora da estabilidade da instância no tocante à competência do órgão jurisdicional.
Efectivamente, quando no nº 1 se vem comandar que as modificações da competência resultantes da Lei de Organização Judiciária são imediatamente aplicáveis aos processos pendentes em fase anterior ao início do julgamento em 1ª instância - em consequência devendo eles ser oficiosamente remetidos para o tribunal que, para eles, passam a ser competentes - isso significa que o legislador (parlamentar) desejou que as modificações que em tal Lei de Organização se viessem a concretizar se deviam repercutir de imediato na competência dos órgãos jurisdicionais (os já existentes, os mantidos como tal, os criados, os reconvertidos e os transformados), independentemente de se ter por referência as modificações operadas pela própria Lei nº 24/90.
É que, quanto a estas, em concreto, veio a dispôr o nº 3 daquele artº 3º, já transcrito.
Por isso, quer o nº 2 do nº artº 55º do D.L. nº 214/88, na redacção introduzida pelo D.L. nº 206/91, quer o nº 3 desse artigo, na redacção dada pelo D.L. nº 312/93, reportando-se, como se reportam, aos tribunais e juízos criados ou convertidos pelo(s) diploma(s) que haja(m) de regulamentar as modificações de competência dos tribunais decorrentes das alterações da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, haviam de consagrar a regra da imediata aplicabilidade aos processos pendentes, em detrimento da regra geral constante do nº 2 do artº 18º daquela Lei, porque assim o determina o nº 1 do artº 3º da Lei nº 24/90.
3.1. Conclui-se, pelo que se vem de dizer, que o legislador governamental, ao editar, quer o D.L. nº 206/91, quer o D.L. nº
312/93, no que as alterações do artº 55º do D.L. nº 214/88 tange, não desbordou a sua competência, antes tendo acatado o que foi imposto pelo dito nº 1 do artº
3º, e isto sem que releve entrar agora na questão de saber se, designadamente no que respeita a modificações de competência meramente territorial, as mesmas haverão, necessariamente, de ser prosseguidas por diploma emanado da Assembleia da República ou do Governo munido da cabida credencial parlamentar e, ainda, se as normas em causa são normas de processo ou verdadeiras normas de competência.
Falece, desta sorte, o raciocínio subjacente à decisão sob censura que, inter alia, repousou, ao que tudo indica e bem vistas as coisas, na circunstância de o nº 1 (e também o nº 2) do artº 3º da Lei nº 24/90 se reportar(em) às modificações decorrentes dessa própria Lei, o que, como vimos, não deve assim ser perspectivado, já que aquele(s) número(s) se referem a todas as modificações levadas a efeito pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais
(a primitiva e as suas posteriores alterações), sendo o nº 3 do mesmo artº 3º, esse sim, a norma que diz respeito à modificações introduzidas especificamente por aquela Lei nº 24/90.
Pelas aduzidas razões, porque o nº 1 (e também o nº 2) do falado artº 3º tem (têm) vocação aplicativa para todas as alterações da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais que tenham incidência na competência dos tribunais, a nova redacção dada ao artº 55º do Decreto-Lei nº 214/88 pelos Decretos-Leis números 206//91 e 312/93 cumpriu, em sede regulamentar, o que ali se estatuiu, assim não enfermando de inconstitucionalidade orgânica.
III
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, consequentemente se determinando a revogação do despacho impugnado, a fim de o mesmo ser reformado em consonância com o ora decidido sobre a questão de constitucionalidade. Lisboa, 12 de Junho de 1996 Bravo Serra José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves correia José Manuel Cardoso da Costa