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Proc. nº 363/92
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I
1. Herdeiros de A., representados por B., vieram reclamar para o Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos do art. 700º, nº
3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do relator que não admitiu o recurso interposto pelos mesmos para o plenário do Tribunal Constitucional, pelo requerimento de fls. 242 e 243, requerendo que sobre a matéria do mesmo despacho recaia acórdão 'que uniformize a jurisprudência das secções do Tribunal Constitucional, definindo materialmente que no actual sistema constitucional português há unicamente 3 graus de jurisdição, sem prejuízo da competência própria do TC (art. 212º/3/4/5 da Lei Fundamental)' (a fls 256 vº).
Invocam que existe o 'perigo de se ter criado anomalamente uma situação inconstitucional de um 4º grau de jurisdição, em oposição manifesta com o Assento do STJ 7/79, de 24 de Julho (Arts. 211º e ss. da Lei Fundamental)', sendo a matéria do número de graus de jurisdição em matéria expropriativa uma que 'atinge o âmago da função específica de controlo de constitucionalidade pelo TC, Matéria Constitucional sobre a qual não pode haver dúvidas, possibilidades ou meras aceitações, mas sim certezas matemáticas: ou há três graus de jurisdição ou há quatro'.
2. O despacho reclamado, proferido a fls. 245 a 251, datado de 26 de Abril de 1993, não admitiu o recurso oportunamente interposto pelos ora reclamantes para o plenário do Tribunal Constitucional, por considerar que não se verificavam os pressupostos legais para a sua admissão.
II
3. A consulta dos autos mostra que a 1ª Secção do Tribunal Constitucional indeferiu, através do Acórdão nº 187/93 (a fls. 192 a
205 dos autos, proferido em 3 de Março de 1993) uma reclamação deduzida, nos termos do art. 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Sr. Desembargador relator no Tribunal da Relação de Évora que não admitiu um recurso oportunamente interposto pelos referidos herdeiros, num processo de expropriação por utilidade pública. O despacho então reclamado e confirmado pela conferência considerou que não se achavam ainda esgotados os recursos ordinários nesse processo, havendo hoje recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pela segunda instância, mesmo na parte respeitante à fixação da indemnização, por força da aplicação imediata do art. 37º do Código das Expropriações de 1991.
Os reclamantes - após a arguição da nulidade deste acórdão nº 187/93, desatendida integralmente pelo Acórdão nº 278/93, a fls. 230 a 236 dos autos - pretenderam então interpor recurso para o plenário do Tribunal Constitucional, considerando que vigora no processo civil o princípio de um máximo de três graus de jurisdição, princípio com acolhimento no texto constitucional, e invocando que o referido acórdão se acharia em oposição com o Acórdão nº 279/92, proferido pela 1ª Secção do Tribunal Constitucional, e com o Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/79, de 24 de Julho.
O despacho do relator que indeferiu o recurso interposto ao abrigo do nº 1 do art. 79º -D da Lei do Tribunal Constitucional começou por considerar que era manifesto que 'a divergência de julgados só pode fundar um recurso para o plenário se a mesma se verificar entre decisões do Tribunal Constitucional. A invocação de uma eventual divergência entre o acórdão agora recorrido e uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça é irrelevante para abrir a via do recurso para o plenário do Tribunal Constitucional' (a fls. 247).
Em seguida, analisou a questão de saber se havia divergência entre os Acórdãos nºs 279/92 e 187/93 sobre o julgamento de uma questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de uma mesma norma jurídica, acentuando que ambos se haviam debruçado sobre despachos de não admissão de recursos de constitucionalidade em processos de expropriação por utilidade pública, fundamentados na não verificação do requisito de prévia exaustão dos recursos ordinários, previsto no art. 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, muito embora no primeiro acórdão a não admissão do recurso se baseasse mo assento nº 7/79 do Supremo Tribunal de Justiça e no segundo se fundasse na imediata aplicação do art. 37º do Código da Expropriações de 1991. No Acórdão nº 187/93 foi expressamente acolhida a afirmação feita no Acórdão nº
279/92 de que, tratando-se o regime de recursos de uma matéria de processo civil, não havia razões para o Tribunal Constitucional ter por infundada a tese que o acórdão confirmativo do despacho do relator consagrara, pois não cabia ao Tribunal Constitucional 'intervir ou resolver contendas jurisprudenciais em matérias que escapam à sua função específica de controlo de constitucionalidade.'
E concluiu do seguinte modo:
'Face ao que fica exposto, logo se verifica que não há nenhuma divergência entre ambos os acórdãos, pois se aceita no segundo a doutrina perfilhada pelo primeiro, muito embora as normas aplicadas pelo Tribunal da Relação de Évora nos dois processos em que surgiram as aludidas reclamações fossem diferentes; no primeiro caso, os arts. 16º e 20º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de
1987, 678º do Código de Processo Civil, 46º, nº 1, e 83º, nº 4, do Código das Expropriações de 1976, bem como o Assento 7/79 do Supremo Tribunal de Justiça; no segundo caso, o art. 37º do Código das Expropriações de 1991, bem como a norma revogatória constante do art. 3º do Decreto-Lei nº 438/91'
Os fundamentos de não admissão do recurso constam do nº 4 do despacho ora reclamado, que aqui se deixa integralmente transcrito:
'Para além de não existir qualquer divergência jurisprudencial quanto ao princípio acolhido em ambas as decisões pretensamente em oposição e para além de se acentuar que as normas aplicadas nos despachos reclamados sobre que recaíram ambos os acórdãos eram diferentes, é decisivo pôr-se em relevo que nenhumas das decisões julgou qualquer questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, limitando-se a verificar se haviam sido legais os despachos reclamados que incidiram sobre a verificação ou não dos pressupostos de admissibilidade de recursos de constitcionalidade. Ora, o recurso para plenário só é admissível quando esteja em causa a divergência na decisão de questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, não quando ocorra qualquer divergência no entendimento de normas sobre processo constitucional, como sucederia se se verificasse qualquer divergência sobre a norma do art. 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional (neste sentido, veja-se o Acórdão nº 252/93 do Plenário do Tribunal Constitucional, proferido em 29 de Março do corrente ano, no processo nº 316/91, ainda inédito).' (a fls. 250-251 dos autos)
4. O despacho agora em reclamação considerou assim que, além de não se verificar uma divergência jurisprudencial entre decisões do Tribunal Constitucional, verificando-se mesmo que as duas decisões em causa se referiam a normas diversas, era determinante, para não admitir o recurso para plenário, a circunstância de a alegada divergência apontada pelos recorrentes não respeitar a qualquer problema de inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma jurídica.
Entende o Plenário que, por assim ser de facto, deve ser confirmado o despacho reclamado.
5. Na verdade, mesmo em dois casos em que se verificou uma real divergência jurisprudêncial sobre a matéria de pressupostos do recurso de constitucionalidade, entendeu este Tribunal que não podia ser interposto o recurso previsto no art. 79º-D, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
Pode ler-se no citado Acórdão nº 252/93, ainda inédito, o seguinte:
'Ora, a divergência acima assinalada, na perspectiva do Tribunal, incide justamente sobre normas do processo constitucional ou, mais propriamente, sobre a interpretação das normas reguladoras e condicionadoras do recurso para o órgão a quem compete o concentrado controlo normativo - da constitucionalidade ou da ilegalidade - não sendo, por isso, uma divergência no tocante à existência, ou não, de um vício gerador de inconstitucionalidade ou ilegalidade reportadamente
às normas desaplicadas nas decisões dos tribunais geradores dos recursos para o Tribunal Constitucional e que foram pretextados para a prolação dos arestos ditos em oposição'.
E a mesma doutrina foi acolhida no Acórdão nº 310/93, também inédito (proferido em 27 de Abril de 1993 no processo nº 501/92).
Há, assim, que concluir que o Acórdão nº 187/93 é irrecorrível para o plenário do Tribunal Constitucional.
III
6. Pelos fundamentos expostos, decide o Plenário do Tribunal Constitucional manter o despacho reclamado, condenando-se os reclamantes nas custas e fixando-se, para tanto, em 8 (oito) unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Junho de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Messias Bento
Alberto Tavares da Costa
Bravo Serra
Maria da Assunção Esteves
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Vítor Nunes de Almeida
António Vitorino
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa