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Procº nº 348/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. A. intentou pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa contra B., e C., acção emergente de contrato de trabalho seguindo a forma de processo sumário, solicitando:
que a segunda Ré fosse condenada a reintegrar a Autora no seu local de trabalho, garantindo-lhe aí o direito de ocupação efectiva, e a pagar-lhe a retribuição correspondente a Janeiro de 1990, acrescida das remunerações que se vencessem até final;
que as duas Rés fossem, solidariamente, condenadas a pagarem-lhe a indemnização de Esc. 100.000$00.
2. Seguindo os autos seus regulares termos, por sentença proferida no 5º Juízo daquele Tribunal em 28 de Junho de 1991, foi a acção julgada parcialmente procedente, condenando-se a Ré C. a reintegrar a Autora no seu local de trabalho, garantindo-lhe aí o direito de ocupação efectiva, e a pagar-lhe as retribuições vencidas e as que se vencessem até efectivo pagamento, sendo, por outro lado, a mesma Ré absolvida do pedido indemnizatório formulado.
3. Não se conformando com o assim decidido, apelou a C. para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 10 de Março de 1993, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença apelada e, em consequência, absolvendo a apelante dos pedidos deduzidos.
Para alcançar um tal juízo, escreveu-se nesse acórdão:
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Para uma acertada decisão do recurso, importa não perder de vista e ter sempre presente o que a Autora pede na acção, bem como a causa de pedir.
Na sua petição inicial, como vimos, pede ela que a C. seja condenada a reintegrá-la no seu local de trabalho e a garantir-lhe aí o direito de ocupação efectiva...
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A procedência de qualquer destes pedidos postula a conclusão de que a apelante haja sido e seja entidade patronal da apelada.
Efectivamente, só se tiver vigorado (e ainda vigore) entre ambas um contrato de trabalho, que tenha sido violado no seu cumprimento pela C., se justificam e podem ter êxito tais pedidos.
Desta forma a questão essencial que se nos coloca é a da existência ou não de um contrato de trabalho entre Autora e essa Ré.
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Poderemos nós, em face dos factos atrás apontados, concluir que entre a ora apelada e a C. está ou esteve em vigor um contrato de trabalho?
Seguramente que não.
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O que podemos afirmar, de tais factos, é que essa trabalhadora manteve com a co-Ré B. um contrato dessa espécie, pelo qual prestou a esta serviços remunerados de limpeza nas instalações da D., onde trabalhou desde Março de 1983 até 12 de Maio de 1989, em execução de uma empreitada de serviços de limpeza a cargo daquela sociedade.
Em 12 de Maio de 1989 a Autora foi impedida de entrar no local de trabalho e, a partir dessa data, não mais prestou serviço aí.
Em 31 de Dezembro de 1989 a Ré B. deixou de ter a empreitada de prestação do serviço de limpeza da D., que passou a ser assumida pela apelante.
Segundo a Autora, dessa mudança de mão da empreitada de prestação de serviços de limpeza, resultou uma mudança da posição contratual de empregador entre as Rés, passando a apelante a ocupar na relação jurídica o lugar da B., por força da aplicação do artigo 37º do Decreto-Lei nº
49.408, de 24//11/68, e da Cláusula 18ª do CCTV para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza.
Vejamos se assim pode ser, começando pelo referido artº 37º.
O artº 37º do R.J.C.I.T., no seu nº 1, determina que a posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal se transmite ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento.
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Mas, para que exista um estabelecimento, seja ele comercial ou industrial, é preciso que exista uma universalidade de coisas, uma unidade económica mais ou menos complexa, com a qual o seu titular prossegue um seu negócio. Essa universalidade compõe-se dos mais variados elementos, corpóreos ou incorpóreos, que podem ir desde os imóveis, às máquinas, às matérias primas, aos trabalhadores, ao nome, às licenças, aos fornecedores, ao aviamento, à clientela, etc.
Todavia, nesta acção não se alegaram, nem se deram como provados, factos que nos permitam concluir que a Ré B. tenha cedido à co-Ré C., esse tal conjunto de bens e serviços, por si organizados e constitutivos do seu estabelecimento, com vista ao exercício da actividade desta cessionária.
Somente se deu como provado que, em 1 de Janeiro de
1990, a empreitada de limpeza das instalações da D. (onde a Autora prestou a sua actividade até 12 de Maio de 1989) passou a ser assumida pela ora apelante.
Não houve, consequentemente, neste caso, uma transmissão de um estabelecimento duma Ré para a outra.
O que se verificou foi somente o termo, em
31/12/89, duma empreitada de prestação de serviços de limpeza daquelas referidas instalações, da qual estava incumbida uma sociedade _ a B. _ e o início, em
1/1/90, da empreitada desses serviços por uma outra sociedade _ a C..
Não tendo havido _ como não houve _ qualquer transmissão de um estabelecimento, óbvio nos parece que não pode aplicar-se ao caso o disposto no artigo 37º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24/11/69, artigo esse que pressupõe sempre uma tal transmissão, embora esta se possa efectuar a um qualquer título.
Por isso, não foi por força e nos termos do mencionado artigo 37º, que se transmitiu para a C., a posição que a B., detinha nos contratos de trabalho que esta vinha mantendo com os trabalhadores que ali ocupava.
Consequentemente, também nunca, por aplicação dessa norma legal, poderia ter havido uma transmissão dessa posição contratual em relação ao contrato de trabalho da Autora, da B. para a apelante.
Mas se assim é quanto ao citado artigo, também igual conclusão é de tirar quanto à apontada Cláusula 18ª do CCT, que só pode ser o de 1989 (BTE n.º 12/89, de 29/3).
Na verdade, quanto a nós, é impossível defender, com a matéria fáctica dos autos, que, por força do disposto na Cláusula 18ª do C.C.T.V. para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza, publicado no B.T.E. n.º 12., de 23/3/89, houve uma continuação do vínculo laboral da Autora, desde Março de 1983, no qual a C., passou a ocupar, a partir de 1/1/90, o lugar da B..
A verificar-se esta hipótese, ter-se-ia operado em
1/1/90 uma continuação do contrato de trabalho da Autora, com a nova tomadora da empreitada a suceder à antiga
Sem dúvida que, não se tendo provado a existência de um qualquer acto inequívoco de rescisão contratual por parte da Autora ou da B., o contrato de trabalho entre ambas perdurou após 12 de Maio de 1989, ainda se mantendo no início de 1990, embora necessariamente num estado latente, porque não cumpridas as respectivas obrigações contratuais (pelo menos, nada se alegou ou provou acerca da sua execução noutro local diferente).
Daí, todavia, não resultou uma transmissão de posição contratual para a C., por aplicação da apontada Cláusula 18ª.
É que esta norma, emanada de um processo de negociação colectiva de trabalho, criou obrigações para as empresas prestadoras de serviços de limpeza, nos casos de sucessão de umas por outras nos locais de trabalho.
Mas, como norma de natureza contratual que é, só as criou nos precisos termos que dela constam.
Ora no nº 2 da Cláusula 18ª, determina-se o seguinte:
'Em caso de perda de um local de trabalho, a entidade patronal que tiver obtido a nova empreitada obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço' (acentuação de côr nossa).
No nº 3 dessa Cláusula acrescenta-se:
'No caso previsto no número anterior, o trabalhador mantém ao seviço da nova empresa todos os eus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo-se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior directamente decorrentes da prestação de trabalho tal como se não tivesse havido qualquer mudança de entidade patronal, salvo créditos que nos termos deste CCTV e das leis em geral já deveriam ter sido pagos'
Com esta Cláusula ampliou-se o regime de manutenção das relações laborais estabelecido no artigo 37º do R.J.C.I.T., beneficiando os trabalhadores com a garantia dos seus postos de trabalho, mesmo num caso em que nenhuma transmissão de estabelecimento ocorreu, mas em que, pela similitude das situações, se justifica uma solução idêntica à adoptada nesse preceito legal.
O que é perfeitamente admissível, por não contrariar nenhum preceito legal de interesse e ordem pública (...)
Houve a intenção, ao elaborar a norma do i.r.c.t., de salvaguardar a manutenção dos postos de trabalho naquele mesmo local, quando houvesse mudança da entidade prestadora dos serviços de limpeza, em relação aos trabalhadores que aí laborassem com carácter de normalidade na ocasião dessa alteração patronal.
Assim se explica que a obrigação de a nova empresa ficar com os trabalhadores apenas abranja os que normalmente prestavam serviço no local.
Só relativamente a estes se verifica a transmissão da posição contratual do empregador.
Quanto aos que normalmente não prestavam já serviço no local de trabalho, ou seja, os que aí não tinham o seu posto de trabalho, não se opera essa transmissão.
E, quanto à Autora, poder-se-á dizer que prestava serviço normalmente nas instalações da D., na altura da mudança de empresas na empreitada?
Parece-nos evidente que não, atendendo a que desde
12 de Maio de 1989 aí o não fazia, a que a partir dessa data uma outra trabalhadora tinha ido trabalhar para onde a Autora prestava serviço e a que tinha sido impedida de entrar no seu local de trabalho.
A Autora, ao tempo da mudança patronal, já não tinha o seu posto de trabalho nas instalações da D., o qual fôra ocupado por outra trabalhadora, a E., que passou a ser a titular dele.
Havia, portanto, mais de sete meses, em relação à data em que veio a ocorrer a mudança da titular da empreitada, que a Autora não prestava serviços naquele local de trabalho.
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Criou-se, pois, uma situação permanente e duradoura de não prestação de trabalho pela Autora naquele local, em relação à qual não se vê que esta tenha adoptado qualquer reacção durante todos aqueles meses que precederam a mudança de empresas (pelo menos, nada se alegou a esse respeito na p.i.). Não houve uma simples situação temporária de não prestação de serviços por ela no local habitual dessa prestação, mas em que o posto de trabalho continuasse em aberto à espera do regresso da sua titular.
Este estado de coisas, assim criado, é incompatível com o entendimento de que a Autora continuava a prestar normalmente serviço no local de trabalho em causa, condição necessária para se ter verificado, em
1/1/90, a transmissão da posição contratual entre as Rés, nos termos da citada Cláusula 18ª.
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Procedem as conclusões da apelante, que tem inteira razão quando sustenta só poder aplicar-se ao caso cláusulas do CCT publicado no BTE n.º 12/89, de 29/3, inserto a pág. 468 e seguintes desse Boletim (sempre aplicável, por força _ dizemos nós _ de P.E. constante do B.T.E. n.º 25/89, de
8/7), e não do CCT publicado no BTE n.º 7/87.
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3. Deste aresto pretendeu a A. interpôr recurso para este Tribunal, dizendo que o fazia ao abrigo da alínea i) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dado que a peça processual impugnada 'decidiu a aplicação da cláusula 18ª do CCT para as Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza em desconformidade com o anteriormente decidido no Acórdão 431/91 do Tribunal Constitucional'.
O Relator da Relação de Lisboa, porém, por despacho de 14 de Abril de 1993, indeferiu o solicitado, pois que, na sua óptica, 'o pretendido recurso não se enquadra na alínea i) invocada', uma vez que o acórdão intentado impugnar 'não fez aplicação da Cláusula 18ª de qualquer dos CCTs para as Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza', acrescentando que '[q]uem pretendia a aplicação de tal Cláusula 18ª do CCT _ não do CCT de 1989, mas sim o do de 1987 _ era a Autora, ora recorrente, o que no acórdão não se admitiu', sendo que 'a Autora não levantou na p.i. nenhuma questão acerca de inconstitucionalidade de qualquer norma, designadamente a dessa cláusula'.
4. Notificada deste despacho, atravessou a A. requerimento através do qual deduziu reclamação para este Tribunal, invocando, em síntese, que o o acórdão prolatado na Relação de Lisboa excluiu a aplicabilidade da aludida Cláusula 18ª 'partindo de um conceito de estabelecimento que é contrário ao decidido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional'.
Levados os autos à conferência naquela Relação, foi mantido o despacho reclamado.
5. O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal exarou parecer no qual propugna pelo indeferimento da presente reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. Da extensa transcrição acima efectuada e tocantemente ao que foi escrito no acórdão pretendido recorrer, extrai-se, inequivocamente, que não tem razão a ora reclamante.
Na verdade, o recurso intentado interpôr foi, pela ora reclamante, baseado na alínea i) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28//82, de 15 de Novembro.
Ora, como resulta indubitável, o acórdão tirado na Relação de Lisboa, de todo em todo, não procedeu a qualquer recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na contraditoriedade dessa norma com uma convenção internacional, nem, por outro lado, fez aplicação de norma, também constante de acto legislativo, em desconformidade com um anterior juízo, formulado pelo Tribunal Constitucional, de compatibilidade ou incompatibilidade com uma convenção internacional.
3. De onde concluir, limpidamente, não estarem, in casu, reunidos os pressupostos condicionadores do recurso a que se reporta a citada alínea i) (cfr., em caso semelhante, a exposição prévia da Relatora e o Acórdão deste tribunal nº 366/93, ainda inédito, tirado no Procº nº 685/92, da 1ª Secção).
4. Por outro lado, mesmo que se viesse a entender que houve lapso de escrita da reclamante, por isso que o recurso intentado interpôr era baseado, não na supra indicada alínea i), mas sim na alínea g) do nº 1 do referido artº 70º, ainda assim não deveria, também, ser recebido o recurso.
Na realidade, o acórdão tirado na Relação de Lisboa, como se viu, julgou inaplicável, no caso, perante a matéria fáctica que entendeu dever considerar-se provada, o disposto na cláusula 18ª do C.C.T. para as empresas prestadoras de serviço de limpeza publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº
12, de 29 de Março de 1989, sendo certo que um tal juízo não pode ser objecto de censura por banda deste Tribunal.
A isto há que aditar que, de todo o modo, o Acórdão nº 431/91 não julgou aquela norma inconstitucional (antes, e pelo contrário, julgou não inconstitucional a norma constante da cláusula 46ª do C.C.T. celebrado entre a Associação das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza e Actividades Similares e outros, publicado no B.T.E., 1ª Série, de 22 de Fevereiro de 1981, mas na parte em que, por força do preceituado na portaria de extensão de 21 de Julho de 1981, determinou que as empresas, não inscritas na dita Associação e que exercessem actividade na área regulada naquele contrato colectivo, tivessem que ficar ao seu serviço com os trabalhadores, de outras empresas, que operavam nos locais onde exerciam actividade aquelas outras empresas e que, em concurso, perderam as respectivas empreitadas de limpeza).
Ora, essa norma não foi, como claramente deflui do relato acima feito, convocada pelo Tribunal da Relação de Lisboa para a decisão do pleito que tinha de decidir.
Daí que, mesmo por via da citada alínea g), não seria o recurso de constitucionalidade de admitir.
Não merecem, assim, censura o despacho lavrado pelo Relator da Relação de Lisboa e o Acórdão que o manteve.
III
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em sete unidades de conta.
Lisboa, 19 de Janeiro de 1994 Bravo Serra Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa