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Proc. nº 79/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - No 1º Tribunal Militar Territorial do Porto, foi o arguido J... julgado e condenado, como autor de um crime de violências desnecessárias, previsto e punido pelo artigo 88º do Código de Justiça Militar, na pena de seis meses de presídio militar.
Inconformado com o assim decidido levou recurso ao Supremo Tribunal Militar que, por acórdão de 30 de Novembro de 1995, lhe negou provimento e confirmou a decisão impugnada.
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2 - Sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o arguido apresentou requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, recurso esse não admitido por despacho de 8 de Janeiro de 1996, do Senhor Juiz Relator.
Contra este despacho veio então deduzir reclamação para este Tribunal aduzindo, no essencial, a fundamentação seguinte:
'No recurso interposto o que está em causa é a violação do art. 13º da Constituição da República Portuguesa.
Tal preceito constitucional consagra a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
Sempre que tal não aconteça, salvo o devido respeito, existe uma violação flagrante aos princípios que regem o Estado Português.
Ora o nº 1 do art. 44º do Código Penal, aplica--se a todos os cidadãos, 'excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes'.
O recorrente, salvo melhor opinião, não se encontra abrangido por tal excepção.
Assim sendo, sempre tal preceito legal devia ser aplicado ao seu caso.
Nunca o recorrente pretendeu por em causa a douta decisão judicial em questão, desejando apenas beneficiar, como cidadão comum, de uma norma que lhe é favorável e que não foi tomada na devida conta pelo tribunal recorrido, que não teve presente o princípio geral consagrado no já citado art. 13º da C.R.P., não aplicando ao arguido a pena que lhe é mais favorável.
Não pertencerá ao Tribunal Constitucional a fiscalização da aplicação das leis, tendo em conta o não cumprimento dos preceitos constitucionais?
Se a resposta for afirmativa o recurso interposto tem de ser admitido.'
Os autos foram levados à conferência que, por acórdão de 1 de Fevereiro de 1996, manteve o despacho reclamado.
Suportou-se, para tanto, em entendimento assim defendido:
'Ao Tribunal Constitucional, no campo da constitucionalidade, compete verificar a conformação das normas legais com a Constituição e não a aplicação das que forem tidas como constitucionais.
Assim, não havendo norma que o reclamante repute inconstitucional, nem pretendendo ele um juízo sobre a constitucionalidade de qualquer preceito legal, é óbvio que o recurso por ele interposto não podia ser admitido'.
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3 - Remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, foram eles com vistos ao senhor Procurador-Geral Adjunto que se pronunciou no sentido do indeferimento da reclamação.
Passados os demais vistos de lei, cabe agora apreciar e decidir.
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4- Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
A admissibilidade deste tipo de recurso - aquele a que o
reclamante lançou mão - acha-se condicionada, além do mais, pela confluência de dois pressupostos essenciais: a) a inconstitucionalidade da norma deverá ter sido suscitada durante o processo pelo próprio recorrente; b) tal norma haverá de ser utilizada na decisão impugnada como seu suporte normativo.
O legislador constituinte elegeu como conceito identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade (cfr. os artigos 278º, 280º e 281º da Constituição) o conceito de norma jurídica pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas), podem nesta sede, na qual se incluem os processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, ser objecto de sindicância.
Com efeito, como vem sendo reiteradamente definido pela jurisprudência deste Tribunal, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões dos outros tribunais (decisões de provimento ou de rejeição) não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas com interesse para o julgamento da causa (cfr. por todos os acórdãos nºs 128/84 e 274/88, Diário da República, II série, de, respectivamente, 12 de Março de 1985 e 18 de Fevereiro de 1989).
E assim sendo, pertence aos recorrentes o ónus de suscitar, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas para a decisão da causa e por ela aplicadas, havendo de fazê-lo de modo directo, explícito e perceptível através da indicação das disposições legais sobre que se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade, em ordem a que os tribunais aquando do respectivo julgamento sejam confrontadas com a matéria da inconstitucionalidade e sobre ela possam proferir decisão de provimento ou de rejeição.
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5 - Ora, à luz das considerações antecedentes há-de afirmar-se que o reclamante não suscitou, válida e adequadamente durante o processo, a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, desde logo da norma do artigo 44º, nº 1, do Código Penal, cuja legitimidade constitucional aliás não contestou, limitando-se a exprobrar o acórdão do Supremo Tribunal Militar por não ter feito aplicação de tal norma, com o que resultaria violado o disposto no artigo 13º da Constituição.
Mostra-se assim patente a inverificação de alguns dos pressupostos de que depende a abertura da via de sindicância constitucional.
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6 - Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.
Lisboa, 11 de Junho de 1996
Ass) Antero Alves Monteiro Dinis Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa