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Processo n.º 56/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de novembro), do despacho proferido pelo Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte pelo qual foi indeferida a reclamação que a recorrente formulara contra o despacho que, no Tribunal Administrativo de Fiscal de Coimbra, não admitira o recurso interposto para aquele tribunal, com fundamento em inconstitucionalidade.
Argumenta «é inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 280º n.º 1 e 282º n.ºs 1 e 3 do CPPT, segundo a qual a falta de apresentação no prazo de 10 dias do requerimento de interposição do recurso, acarreta a imediata rejeição do recurso que é interposto no prazo de 30 dias e é feito acompanhar das alegações do recurso tal como se processa do CPC e no CPTA e que valeria como apresentação do recurso no âmbito destes processos, por tal interpretação comportar restrição desproporcional do princípio da efetividade da tutela jurisdicional, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado nos n.º 4 e 5 do artigo 20º da CRP». Em seu entender, seria «inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 280º n.º 1 e 282º, n.ºs 1 e 3 do CPPT segundo a qual a falta de apresentação no prazo de 10 dias do requerimento de interposição do recurso, acarreta a imediata rejeição do recurso que é interposto no prazo de 30 dias e é feito acompanhar das alegações do recurso tal como se processa do CPC e no CPTA e que valeria como apresentação do recurso no âmbito destes processos, por tal interpretação comportar restrição desproporcional do princípio da efetividade da tutela jurisdicional, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado nos n.º 4 e 5 do artigo 20º da CRP».
2. O recurso foi recebido no tribunal recorrido. No Tribunal Constitucional foi, porém, proferida a Decisão Sumária n.º 61/2012 a julgar improcedente o recurso. Afirma esta decisão:
[...] O Tribunal tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que constituem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como é o presente –, a existência dum objeto normativo, o esgotamento dos recursos ordinários; a suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido; e a aplicação da norma, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida.
No caso em apreço, a norma efetivamente aplicada no despacho recorrido não apresenta o enunciado acima referido; o que o despacho afirma é que nos termos do n.º 1 do artigo 280º do CPPT, o recurso 'deve ser interposto no prazo de 10 dias, a contar da notificação da decisão'. A partir da notificação do despacho que admitir o recurso, 'o prazo para alegações é de 15 dias'; tendo a recorrente interposto o recurso 'muito para além dos 10 dias', deveria ser, como foi, rejeitado o recurso.
Nesta conformidade, a ratio decidendi corresponde à norma que impõe a prática do ato no prazo de 10 dias.
Apreciada a esta luz, a norma aqui sub iudicio só seria constitucionalmente ilegítima se a fixação do prazo para o recurso fosse, de todo, irrazoável ou excessiva, por não existirem razões que a justificassem. Ou então, se esse prazo for de tal modo exíguo que inviabilizaria ou tornasse particularmente oneroso o exercício do direito. Da jurisprudência do Tribunal sobre o sistema de prazos processuais de caráter preclusivo, ressalta o entendimento de que o legislador goza de uma ampla liberdade de conformação, dentro da qual necessariamente subsiste o poder de fixar prazos com períodos de duração diversa, designadamente quando em causa está o direito de recurso, nas diversas áreas em que ocorre o litigio submetido aos tribunais. É, por isso, de fazer sublinhar o entendimento de se espelha, por exemplo, nos Acórdãos 336/99, 92/01, 473/01, 462/02, 102/10, 48/10 e 409/10, quanto a esta matéria, do qual facilmente se extrai a conclusão da não desconformidade constitucional do prazo agora em causa.
[...] Com fundamento nesta jurisprudência decide-se julgar, sumariamente, o recurso improcedente. [...]
3. Inconformada, a recorrente reclama para a Conferência a pedir a substituição do despacho por outro que ordene o prosseguimento do recurso. Sustenta, essencialmente, o seguinte:
[...] 4 - A questão de constitucionalidade, tal como a requerente a enunciou, durante o processo e no requerimento de interposição do recurso, diz exclusivamente respeito à irrazoabilidade da manutenção de um regime de interposição de recurso totalmente diferenciado no CPPT e que não encontra paralelo em mais nenhum diploma a impor dois procedimentos separados para um mesmo fim – um requerimento de interposição de recurso a apresentar no prazo de 10 dias, um despacho de admissão do recurso e um novo prazo para a apresentação das alegações do recurso no prazo de 15 dias.
5 - Não se trata de uma questão de prazos, ou seja, de saber se o prazo de 10 dias previsto no artigo 280º, nº 1 do CPPT é ou não razoável, mas de um procedimento de interposição de recurso que por ser excessivamente formalista e moroso foi arredado de todos os outros principais diplomas processuais, a saber: CPC, CPTA, CPP, só tendo “teimado” em se manter no CPPT, sem que nada o justifique.
6 - Vista sob este prisma, a apreciação da constitucionalidade da norma, isto é, da não conformidade constitucional deste procedimento com o disposto no artigo 20º, nº 4 e 5 da CRP é justificada e deveria merecer julgamento de inconstitucionalidade por não existir fundamento material que justifique o estabelecimento de formas de processamento diferenciadas dos recursos – a do CPPT e as do CPTA e CPC – e, assim, se apresenta como arbitrária.
7 - Como se refere no acórdão nº 271/95 deste tribunal [...]
8 - A violação do direito à tutela judicial efetiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efetivos para os seus interesses (Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª Edição, Coimbra, 1993, p. 163 e 164 e “Fundamentos da Constituição”, Coimbra, 1991, p. 82 e 83).
9 - Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como sendo entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência e sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa.
10 - A violação do direito à tutela judicial efetiva, sob o ponto de vista de limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efetivos para os seus interesses.
11 - Definido assim o conteúdo genérico do direito fundamental de acesso aos tribunais, que leva implicada a proibição da indefesa, tem-se por seguro que o regime instituído nas normas do artigo 280.º, nº 1 e 282º, nº 1 e 3 CPPT, quando interpretadas no sentido de ser necessária a apresentação de requerimento de interposição de recurso, despacho de admissão e alegações de recurso, padecerá de inconstitucionalidade, por ofensa daquele princípio constitucional por se traduzir na violação do direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas.
12 - Com efeito, semelhante interpretação obriga o interessado e o próprio Tribunal a praticar atos que se traduzem numa demora indevida na tramitação do recurso e que foi de resto o motivo que esteve na origem da alteração do modo da sua tramitação no CPTA, CPC e CPP.
13 - É clara a preocupação da lei nestes diplomas – CPTA, CPC e CPP – no sentido de imprimir celeridade ao andamento do processo. O interesse constitucional na celeridade na administração da justiça é hoje claramente assumido no artigo 20º, nº 4 e 5 da Lei Fundamental. A Constituição sublinha a necessidade de assegurar tutela em prazo razoável e impõe ao legislador a tarefa de construir modelos de procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade.
14 - Como resulta da leitura dos preâmbulos dos referidos diplomas – CPTA, CPC e CPP – em matéria de alteração do regime de recursos, foram razões de celeridade e prioridade que estiveram na origem da alteração do seu modo de processamento, onde antes se tramitava como o previsto nos artigos 280º, nº 1 e 282º, nº 1 e 3 do CPPT, passou a fazer-se de um passo só, interposição de recurso e alegações num só ato.
15 - Admite-se, é certo, que não resulta imperativo que tais preceitos hajam necessariamente de ser julgados inconstitucionais, já que, mostrando-se embora incompatível com a Lei Fundamental a interpretação que lhes foi dada na decisão recorrida, outra existe que os toma constitucionalmente comportáveis.
16 - Com efeito, mostra-se possível e adequada uma interpretação de conformidade constitucional daquelas normas, em termos de admitir o recurso interposto com apresentação de alegações efetuado no prazo de 15 dias, que afinal é o prazo que o CPPT no artigo 282º, nº 3 prevê para a apresentação das alegações de recurso, permitindo-se a prática do ato de interposição do recurso de um só ato, como sucede no CPTA, CPC e CPP. Com este sentido e alcance, não subsiste naquelas normas qualquer vício constitucional.
17 - É clara a preocupação da lei no sentido de imprimir celeridade ao andamento do processo. O interesse constitucional na celeridade na administração da justiça é hoje claramente assumido no artigo 20º, nºs 4 e 5 da Lei Fundamental.
18 - A Constituição sublinha a necessidade de assegurar tutela “em prazo razoável” e impõe ao legislador a tarefa de construir modelos de “procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade.”
19 - Não havendo razões para infletir este modelo de pensamento constitucionalmente estabelecido, que se afigura claramente aplicável ao objeto dos autos, de modo a garantir a sua conformação constitucional com os parâmetros fundamentais nela enunciados.
Deverá ser concedido provimento à reclamação determinando-se o prosseguimento do recurso, notificando-se a requerente para apresentar alegações, seguindo-se os ulteriores termos previstos no artigo 79º e seguintes da LTC.
Não houve resposta, cumprindo decidir em Conferência com dispensa de vistos.
4. A presente reclamação tem o mérito de revelar com total clareza o entendimento da reclamante quanto à questão de inconstitucionalidade em apreço. Admitindo que a norma impugnada corresponde, afinal, ao n.º 1 do artigo 280º do Código de Procedimento e Processo Tributário, excluídos os elementos que lhe foram aditados pela recorrente no requerimento de interposição do recurso, a sua desconformidade constitucional residiria «exclusivamente» na irrazoabilidade da manutenção de um regime de interposição de recurso próprio e diferenciado, previsto no aludido CPPT, sem paralelo em mais nenhum diploma, com imposição de «um requerimento de interposição de recurso a apresentar no prazo de 10 dias, um despacho de admissão do recurso e um novo prazo para a apresentação das alegações do recurso no prazo de 15 dias». Nesta ótica, a questão não residiria em saber «se o prazo de 10 dias previsto no artigo 280º, nº 1 do CPPT é ou não razoável», mas na mera existência de um regime próprio de interposição de recurso que, no entender na reclamante, seria excessivamente formalista e moroso, tendo sito «arredado» de todos os outros principais diplomas processuais, como o CPC, o CPTA, o CPP, só se mantendo no CPPT, sem que nada o justifique.
Não assiste qualquer razão à reclamante.
Face à posição agora expressa, é permitido admitir que, para a própria reclamante, o prazo fixado na norma impugnada não é, de todo, irrazoável ou excessivamente exíguo, e não torna particularmente oneroso o exercício do direito.
O que se censura, no sistema processual previsto na norma em questão, é, apenas, o de nela se contemplar um regime «que não encontra paralelo em mais nenhum diploma», que exige um requerimento de interposição de recurso a apresentar no prazo de 10 dias. Mas, para além de não ser certo que tal regime «não encontra paralelo em mais nenhum diploma», a verdade é que, tal como se afirmou na decisão sumária em análise, da jurisprudência do Tribunal sobre o sistema de prazos processuais de caráter preclusivo, ressalta o entendimento de que o legislador goza de uma ampla liberdade de conformação, dentro da qual necessariamente cabe o poder de fixar prazos com períodos de duração diversa, designadamente quando em causa está o direito de recurso, nas diversas áreas em que ocorre o litigio submetido aos tribunais. Aliás, a tese da reclamante só poderia merecer acolhimento por parte do Tribunal se fosse possível retirar da Constituição uma imposição, dirigida ao legislador ordinário, de prever uma única disciplina processual quanto ao processamento de recursos, o que, manifestamente, não ocorre.
Do exposto facilmente se extrai a conclusão da não desconformidade constitucional da norma em causa.
5. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada. Custas pela reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de março de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.