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Procº nº 96/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos em que é recorrente o banco A. e recorrido B., concordando-se no essencial com a exposição prévia elaborada pelo relator a fls. 111 a 118, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e tendo em conta os fundamentos constantes do Acórdão nº 153/93, deste Tribunal, ali citado, e que aqui se acolhem, decide-se negar provimento ao recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento (não conhecia do recurso, pelas razões aduzidas no Acórdão nº 153/93) José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 96/93.
2ª Secção.
I
1. B., funcionário do A. (EP), propôs, no Tribunal do Trabalho de Coimbra e contra este último, providência cautelar de suspensão do seu despedimento determinado por deliberação do Conselho de Administração daquele estabelecimento de crédito, invocando ser ilícita a sanção aplicada, por isso que nulo era o respectivo processo disciplinar.
Por sentença lavrada em 19 de Junho de 1991, o Juiz do citado Tribunal do Trabalho entendeu estar suficientemente indiciada a nulidade do processo disciplinar e, em consequência, decretou a 'suspensão dos efeitos do despedimento que o Banco requerido impôs ao requerente', determinando a readmissão deste ao serviço, com manutenção do 'salário, categoria profissional e demais regalias'.
2. Em 8 de Julho de 1991 o A. agravou daquela sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra, não tendo, em nenhum passo da alegação então produzida, suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade.
3. Aquele Tribunal de Relação, por acórdão de 2 de Julho de 1992 [por mero lapso encontra-se datado de 2 de Julho de 1991], julgou improcedente o recurso, para tanto ali se referindo que:
a) 'Não havendo processo disciplinar', impunha-se que fosse decretada a 'suspensão de despedimento';
b) 'Nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 12º do Dec.Lei nº 64-A/89, o despedimento' era 'ilícito se não' tivesse 'sido precedido do processo disciplinar respectivo', pelo que, sem a existência desse processo, não se podia decretar o despedimento;
c) Em 5 de Julho de 1991 entrou em vigor a Lei nº 23/91, de 4 de Julho, a qual 'amnistiou as infracções disciplinares cometidas por trabalhadores das empresas públicas ou de capitais públicos, desde que praticadas até 25 de Abril de 1991, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela mesma lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada';
d) Ao tempo, a recorrente era 'uma empresa pública e o recorrido seu trabalhador';
e) Os factos constitutivos da infracção imputada ao recorrido ocorreram antes de 25 de Abril de 1991, e não integravam ilícito penal;
f) O recorrido não fora 'despedido por decisão definitiva e transitada', pois que a decisão de despedimento ainda não tinha sido 'julgada por decisão insusceptível de recurso';
g) A Relação de Coimbra já anteriormente decidira, em dois acórdãos, 'que a aplicação da amnistia decretada pela alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91 de 4 de Julho não' violava 'nenhum preceito da Constituição da República nem' contrariava 'nenhum princípio constitucional';
h) 'Não havendo processo disciplinar válido, e sendo, por isso mesmo, ilícito o despedimento', justificava-se 'a suspensão dos efeitos do despedimento e a readmissão do recorrido ao serviço, sendo, assim, de confirmar a decisão nesse sentido proferida'.
4. É deste acórdão que o Banco trouxe recurso para o Tribunal Constitucional, dizendo, após convite formulado pelo ora Relator, que o recurso pretendido interpor o foi 'ao abrigo da alínea b) do artº 70º da Lei nº 28/82', que a 'questão de inconstitucionalidade da alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, foi suscitada ...no requerimento dirigido ao Venerando Juiz Desembargador Relator junto do Tribunal da Relação de Coimbra, após notificação do Acórdão proferido naquele Tribunal' dado que foi este órgão de administração de justiça que 'veio a aplicar oficiosamente a citada Lei nº
23/91, sendo certo que nunca antes a questão foi suscitada, designadamente pelo recorrido', e que, no seu entender, 'foi violado ... o princípio da igualdade consignado no artº 13º da C.R.P.'.
5. Já após ter sido, na Relação de Coimbra, admitido o recurso interposto, o B. elaborou requerimento dirigido ao Relator daquele Tribunal de 2ª Instância solicitando, além do mais, que fosse indeferido o recurso, pois que o recorrente não suscitara, antes da prolação do acórdão daquela Relação, a questão da inconstitucionalidade da alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91.
6. Por despacho de 8 de Outubro de 1992, o Relator da Relação de Coimbra indeferiu o requerido, estribando-se na circunstância de as decisões admissoras de recurso e fixadoras dos respectivos efeitos só poderem ser impugnadas nas alegações que viessem a ser produzidas.
II
1. A resolução da presente questão apresenta-se-nos como simples, e daí a feitura, ao abrigo do preceituado no nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, da presente exposição preliminar.
2. Em primeiro lugar, cumpre curar de uma questão conexionada com a admissão deste recurso.
Na realidade, muito embora se trate da interposição de um recurso à sombra da alínea b) do nº 1 do artº 70º daquela Lei - o que, de entre o mais, exige a suscitação, durante o processo, da inconstitucionalidade de uma norma - há que reconhecer que, antes de a Relação de Coimbra ter proferido a decisão constante do acórdão de 2 de Julho de 1992, o Banco recorrente não suscitara a inconstitucionalidade da norma em apreço.
Significa isso que, no caso, lhe estava vedado o recurso pretendido interpôr?
A resposta a esta questão tem de ser negativa.
2.1. Efectivamente, como este Tribunal de há muito tem vindo a defender, a suscitação da inconstitucionalidade ou da ilegalidade durante o processo tem de ser entendida num sentido funcional segundo o qual a invocação da questão há-de ser feita em momento tal que possa proporcionar ao tribunal a quo debruçar-se sobre ela, o que, em regra, conduz a que tal invocação tenha de ocorrer antes de estar findo o poder cognitivo desse tribunal.
Mas, se isto é assim, não deixa de ser também certo que o Tribunal Constitucional tem igualmente sustentado que existem hipóteses «de todo excepcionais e certamente anómalas» em que os interessados, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, não tiveram oportunidade processual para invocar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade da ou das normas que foram suporte da decisão.
Nessas hipóteses - tem o Tribunal defendido - há que salvaguardar ao interessado o direito ao recurso de constitucionalidade.
2.2. O presente caso afigura-se-nos, justamente, como uma daquelas hipóteses.
Na realidade, a Lei nº 23/91 foi publicada em Suplemento
à I Série do Diário da República datado de 4 de Julho de 1991, Suplemento esse que, porém, só foi posto à venda em 8 dos mesmos mês e ano e remetido para distribuição aos assinantes no dia seguinte - 9.
Ora, a alegação do recorrente dirigida ao Tribunal da Relação de Coimbra foi apresentada em 8 de Julho de 1991, não tendo ele tido, antes do acórdão de 2 de Julho de 1992, qualquer outra intervenção nos autos.
Perante esta situação factual, crê-se não ser exigível ao recorrente um juízo de prognose tal que o levasse a considerar que o aresto a lavrar na Relação de Coimbra tomasse como suporte decisório a aplicação da norma constante da alínea ii) do artº 1º a Lei nº 23/91 e, assim, por cautela, por intermédio de uma intervenção processual avulsa, viesse colocar à consideração daquele Tribunal e antes da prolação do acórdão, a questão da inconstitucionalidade dessa norma, pelo que aqui se desenha uma daquelas situações excepcionais e anómalas permissoras da admissão do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28//82 sem que, antes de esgotado o poder jurisdicional da citada Relação, fosse a dita questão suscitada (note-se que se concede que, pelo menos, foi a aplicação da aludida norma um dos fundamentos da decisão tomada pela Relação de Coimbra, o que, face ao teor do acórdão, não resulta totalmente líquido - cfr. o acima referido em I 3.).
Daí que nada obste ao conhecimento do objecto do recurso, pese embora o levantamento da questão de inconstitucionalidade só ter ocorrido em momento processual em que, normalmente, já não é adequado.
3. Tocantemente a este objecto, foi a matéria - ou seja, a compatibilidade constitucional da norma ínsita na alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91 - tratada por este Tribunal no Acórdão nº 153/93, tirado em Plenário ex vi do nº 1 do artº 79º-A da Lei nº 28/82 e subscrito por todos os Juízes sem divergência de opinião, aí se concluindo que ela não era feridente de normas ou princípios constitucionais, designadamente o princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Lei Fundamental (esse Acórdão foi objecto de publicação na 2ª Série do Diário da República de 23 de Março de 1993).
As razões que conduziram à decisão proferida no sobredito Acórdão e que aqui seria fastidioso enunciar, continuam a ser perfilhadas pelo Tribunal, que às mesmas nada tem a acrescentar.
4. Perante o exposto, é parecer do ora relator que deve ser negado provimento ao recurso, determinando-se a notificação das «partes» de harmonia com o disposto na parte final do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Lisboa, 24 de Março de 1993.
Bravo Serra