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Procº nº 340/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos em que é recorrente o banco A.
(S.A.), e recorrido B., pelo essencial das razões constantes da exposição prévia do relator, que consta de fls. 91 a 96 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, decide-se não se tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais e fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta.
Lisboa, 29 de Junho de 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 340/93.
2ª Secção.
1. B. instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa e contra a sua entidade patronal, o banco A. (E.P.), acção declarativa, seguindo a forma de processo sumário, solicitando, de entre o mais, a condenação daquela entidade na reintegração dele, autor, o qual foi objecto, por decisão de 8 de Fevereiro de 1989 do Conselho de Gestão do dito A., da sanção de despedimento com justa causa.
2. Por sentença de 15 de Julho de 1991, a Juiz do 5º Juízo de tal Tribunal julgou a acção procedente, o que motivou o A. a interpor, por requerimento datado de 18 de Outubro de 1991, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 27 de Janeiro de 1993, decidido considerar prejudicado o conhecimento do recurso, pois que declarou, ao abrigo da alínea ii) do artº 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho,
'amnistiadas as infracções disciplinares praticadas pelo Autor e, consequentemente', ordenou 'a sua reintegração no Banco Réu., no seu posto de trabalho e com a antiguidade que detinha à data do despedimento, com efeitos reportados à data da entrada em vigor da Lei nº 23/91'.
3. Deste aresto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recorreu o A., para o Tribunal Constitucional, dizendo no respectivo requerimento de interposição que, tendo-se aplicado 'uma norma cuja constitucionalidade foi suscitada oficiosamente pelo Tribunal da Relação', era 'tal recurso tempestivo'.
4. O recurso veio a ser admitido por despacho de 10 de Fevereiro de 1993 do Desembargador Relator, subindo os autos a este Tribunal.
5. Entende-se, porém, que o recurso em causa não deveria ter sido admitido.
Na verdade, trata-se inequivocamente, como se viu, de um recurso interposto ao abrigo da já citada alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, preceito que tem a sua génese na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição.
Sendo assim, como é, situamo-nos perante a impugnação de uma decisão judicial que aplicou uma norma cuja constitucionalidade o recorrente questiona. Simplesmente, exigem aqueles preceitos, de entre o mais que agora não importa considerar, que o questionar da compatibilidade da norma com a Lei Fundamental se efectue «durante o processo».
5.1. Neste ponto, tem o Tribunal Constitucional entendido que a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade «durante o processo» há-de ser entendida, não em termos formais (que apontem para que a suscitação ocorra enquanto o processo se não encontre findo), mas em termos funcionais de modo a que permitam que o tribunal a quo ainda esteja em tempo e condições para se pronunciar sobre a questão (consequentemente desencadeando a prolação de uma decisão sobre a matéria, decisão essa que, justamente por se tratar de um recurso, será submetida ao eventual juízo de censura por banda deste Tribunal). Por isso, e como, em regra, o poder cognitivo dos tribunais se esgota com a sentença, a suscitação da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade reportada a uma norma, há-de, também em regra, ser efectivada antes do proferimento da sentença.
É claro (e isso tem sido reconhecido pelo Tribunal) que poderão ocorrer hipóteses sem dúvida excepcionais em que, mercê de determinados circunstancionalismos, à parte interessada não foi possível a suscitação da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade antes de ocorrer a prolação da decisão do tribunal de cuja decisão se pretende recorrer com vista à obtenção da última palavra sobre a perspectivada desconformidade de uma norma que em tal decisão foi aplicada; nessas hipótese, tem o Tribunal perfilhado o entendimento de que, conquanto a parte interessada não tenha, antes de proferida a decisão
(maxime a sentença), trazido formalmente aos autos a sua óptica de discordância quanto à constitucionalidade ou ilegalidade da norma aplicada naquela decisão, ainda assim não lhe deve ser vedado, por intermédio de recurso, desencadear a prolação de um juízo decisório por parte do órgão a quem compete o controlo concentrado da constitucionalidade.
5.2. Nesta postura, vejamos se, de harmonia com os dados que nos fornecem os autos, ao ora recorrente, efectivamente, antes do acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa, não foi possível suscitar a inconstitucionalidade da norma constante da alínea ii) do artº 1º da Lei nº
23/91.
É para nós evidente que a resposta a tal questão não poderá deixar de ser a de que o recorrente bem poderia, antes de tal acórdão, ter expresso a sua opinião discordante sobre a constitucionalidade da norma em crise.
5.2.1. Na verdade, como se alcança do relato acima feito, aquando da efectivação do requerimento de interposição de recurso por intermédio do qual o A. apelou da sentença de 1ª instância, estava já em vigor a Lei nº 23/91 e, com ela, a norma do seu artº 1º, alínea ii).
Ora, se o recorrente entendia que essa norma era conflituante com o Diploma Básico, haveria que suscitar uma tal questão no processo antes de proferida a decisão do tribunal superior que desejava conduzir
à revogação da sentença de 1ª instância, pois que, a todos os títulos, era perfeitamente previsível que ela - porque em vigor no ordenamento jurídico se encontrava e o respectivo campo de previsão abarcava o caso dos autos - viesse a ser aplicável nesse caso, havendo fortíssimas hipóteses de ela poder fundamentar o juízo decisório daquele tribunal superior.
Daí que lhe fosse imposto o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade, de sorte a que, colocada essa questão ao Tribunal da Relação, este se viesse a debruçar sobre ela. Assim se desenharia, in casu, a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade «durante o processo», tal como é exigido pelas estatuições, já mencionadas, da Lei nº 28/82 e da Constituição, sendo certo que na hipótese vertente se não vislumbra a ocorrência de qualquer uma daquelas hipóteses certamente excepcionais a que acima nos reportámos.
5.3. O que é certo, porém, é que o recorrente, após a sentença de 1ª instância, e muito embora tivesse tido oportunidade de intervenção nos autos antes de ser prolatado o acórdão da Relação de Lisboa (e essa intervenção ocorreu concretamente, como é ilustrado pela circunstância de ter apresentado requerimento de interposição de recurso e alegação já depois de há algum tempo estar em vigor a Lei nº 23/91), não veio questionar a compatibilidade constitucional da norma da alínea ii) do seu artº 1º, preferindo só aludir a uma tal questão no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Tal requerimento, tem este órgão dito e redito, já não é meio idóneo para efeitos de se considerar como adequadamente suscitada durante o processo a questão de inconstitucionalidade, com vista ao desencadeamento do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 (cfr., por todos o Acórdão nº 339/86, deste Tribunal, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8º Vol., pags. 629 a 637).
6. Perante o exposto, entende-se não se poder tomar conhecimento do recurso, o que motiva a feitura da presente exposição prévia ex vi do nº 1 do artº 78º-A da assinalada Lei.
Cumpra-se a parte final de tal dispositivo.
Lisboa, 27 de Maio de 1993.
(Bravo Serra)