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Proc. nº 648/93 Messias Bento
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., mandatário do Partido Socialista às eleições autárquicas de 1993, pelo município de Almeirim - depois de, em 19 de Outubro de
1993, ter sido proferido despacho judicial a mandar afixar as listas de candidatos aos órgãos autárquicos daquele município, nos termos do nº 3 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, e a designar data para o sorteio das mesmas - veio, em 23 de Outubro de 1993, 'apresentar recurso pela inclusão nas listas de candidatura', pelo Partido Social Democrata, à assembleia de freguesia de Raposa, de B. e de C., uma vez que os mesmos renunciaram ao mandato para que haviam sido eleitos para o quadriénio de 1990/1993, conforme resulta da certidão das actas da assembleia de freguesia de Raposa (de 27 de Abril de 1991 e de 21 de Julho de 1992), que juntou.
O Juiz da comarca de Santarém - depois de, por despacho de 25 de Outubro de 1993, ter mandado ouvir o mandatário do PSD, para responder, querendo, no prazo de 48 horas, nos termos do artigo 22º, nº 2, do citado Decreto-Lei nº 701-B/76, o que este fez em 27 de Outubro de 1993 - proferiu despacho, em 28 de Outubro de 1993, a rejeitar as candidaturas dos referidos B. e C., que, assim, julgou inelegíveis.
2. Notificado, em 29 de Outubro, deste despacho de rejeição, veio o mandatário do Partido Social Democrata (D.) dele reclamar (ao abrigo do artigo 22º do citado Decreto-Lei nº 701-B/76), em 2 de Novembro de
1993.
O juiz, porém, por despacho de 3 de Novembro de 1993, decidiu 'não apreciar a reclamação em apreço', em virtude de a considerar ilegal, já que (segundo ele) a questão fora decidida pela sua decisão de 28 de Outubro, que - disse - foi proferida 'na sequência de reclamação interposta pelo mandatário da lista do PS [...], formulada ao abrigo do artigo 22º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro', por isso que 'o meio próprio de reacção contra a decisão proferida [fosse] o recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 25º do citado Decreto-Lei)'.
Nesse mesmo despacho, o juiz ordenou que os candidatos do Partido Social Democrata julgados inelegíveis (e, assim, rejeitados pelo despacho de 28 de Outubro) fossem substituídos nas listas, respectivamente, pelo primeiro e segundo suplentes. E, para além disso, julgou 'definitivamente admitidas todas as listas apresentadas', uma vez que - disse - não se verificavam 'outras irregularidades, para além das já decididas', mandando, em consequência, cumprir o disposto no artigo 22º, nº 5 (afixação das listas definitivamente admitidas) e 24º, nº 2, do citado Decreto-Lei nº 701-B/76.
As listas definitivas foram afixadas, conforme cota lançada nos autos, em 4 de Novembro de 1993.
3. Em 5 de Novembro de 1993, veio o referido mandatário do Partido Social Democrata (D.), ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 25º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, interpôr 'recurso da decisão final do Meritíssimo Juiz da comarca de Santarém', que julgou inelegíveis para a assembleia de freguesia de Raposa os candidatos B. e C..
Fundamentou o recurso, em síntese, nas seguintes razões:
(a). Os aludidos candidatos renunciaram ao mandato, respectivamente, em 21 de Julho de 1992 e 27 de Abril de 1993, conforme consta das actas da assembleia de freguesia de Raposa, de que se acha junta certidão aos autos;
(b). 'A renúncia prevista no nº 4 do artigo 14º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, não prejudica os efeitos do nº 1 do artigo supracitado, que se refere, especificamente, às situações de perda de mandato e dissolução dos órgãos autárquicos';
(c). 'Desta forma, não deveremos integrar no nº 4 daquele artigo a renúncia ao mandato por razões não conexas com a tutela administrativa como sejam de ordem pessoal, profissional ou política, pois caso contrário, estar-se-ia a distorcer o espírito da Lei de Tutela, que visa verificar o cumprimento da legalidade, conforme o disposto no artigo 2º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro'.
Por despacho de 8 de Novembro, foi mandado notificar o mandatário da lista do Partido Socialista, para responder, querendo, no prazo de dois dias, nos termos do artigo 27º, nº 3, do Decreto-Lei nº 701-B/76.
Não foi, porém, apresentada qualquer resposta.
4. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
5. O presente recurso vem interposto, como se disse, ao abrigo do artigo 25º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, nada havendo que obste ao seu conhecimento.
Foi o mesmo tempestivamente interposto por quem tem legitimidade para o efeito, e vem de uma decisão final do juiz relativa à apresentação de candidaturas.
Na verdade, foi apresentada reclamação pelo ora recorrente contra o despacho, de 28 de Outubro, que julgou inelegíveis os candidatos aqui em causa; e o juiz, por despacho de 3 de Novembro - ainda que recusando-se a 'apreciar a reclamação em apreço' - julgou 'definitivamente admitidas todas as listas apresentadas' e ordenou a sua afixação, depois de mandar que os candidatos rejeitados fossem nelas substituídos - ou seja: rejeitou definitivamente as candidaturas de B. e C..
6. Passando ao conhecimento do mérito do recurso, recordar-se-á que os candidatos B. e C. renunciaram aos mandatos (para que tinham sido eleitos, para o triénio de 1990/1993), respectivamente, em 27 de Abril de 1991 e em 21 de Julho de 1992.
Ignora-se a razão do pedido de renúncia formalizado pelo B.. Quanto a C., consta da respectiva acta que tal pedido se deveu a 'motivos de ordem profissional, falta de tempo para dar o disponível à autarquia'.
7. A Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, veio estabelecer o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e as associações de municípios de direito público (cf. artigo 1º) - para além de ter revogado os artigos 91º a 93º da Lei nº 79/77, de 25 de Outubro, que regulavam a tutela administrativa dos órgãos autárquicos -, e bem assim o artigo
70º e o nº 2 do artigo 81º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, que tratavam da perda do mandato dos membros eleitos dos órgãos autárquicos.
Os candidatos, cuja inelegibilidade aqui se questiona, foram julgados inelegíveis ao abrigo do disposto no artigo 14º, nºs 2 e 4, da referida Lei nº 87/89, uma vez que, para a decisão recorrida, 'a renúncia aos mandatos dos membros de órgãos autárquicos implica que os cidadãos que se encontrem em tais circunstâncias não possam ser candidatos nos actos eleitorais, destinados a eleger os membros de qualquer órgão autárquico, que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo'.
Não tem, porém, razão o juiz a quo, como vai ver-se.
Dipõe o artigo 14º da citada Lei nº 87/89:
Artigo 14º Efeitos da dissolução e da perda do mandato
1- Os membros de órgão autárquico objecto de decreto de dissolução, bem como os que hajam perdido o mandato, não podem fazer parte da comissão administrativa prevista no nº 2 do artigo anterior, nem ser candidatos nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido, nem nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável aos membros do órgão autárquico que tenham votado contra ou que não tenham participado nas deliberações, praticado os actos ou omitido os deveres legais a que estavam obrigados e que deram causa à dissolução do órgão.
3- Os membros dos órgãos autárquicos referidos no número anterior devem invocar a não existência de causa de inelegibilidade no acto de apresentação de candidatura.
4 - A renúncia ao mandato não prejudica os efeitos previstos no nº 1 do presente artigo.
No que aqui importa, a norma acabada de transcrever prescreve que os membros de órgão autárquico, que hajam perdido o mandato, não podem ser 'candidatos nos actos eleitorais [...] subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer
órgão autárquico'.
Tratando o preceito em referência dos 'efeitos da dissolução e da perda de mandato', claro é que a única perda de mandato, que tem como efeito a inelegibilidade no acto eleitoral subsequente, é a que, nos termos do artigo 10º da mesma Lei, for imposta por decisão judicial ou administrativa
(conforme os casos), por algum dos fundamentos enumerados no artigo 9º.
Que é assim, decorre, de algum modo, do próprio teor do nº 2 do mesmo artigo 14º, que dispõe que não incorrem na referida inelegibilidade os membros do órgão autárquico 'que não tenham [...] praticado os actos ou omitido os deveres legais a que estavam obrigados e que deram causa
à dissolução do órgão'.
A renúncia ao mandato, em si mesma, não é fundamento para a declaração judicial ou administrativa (conforme os casos) da respectiva perda, como bem resulta do teor verbal do mencionado artigo 9º.
Quando, por isso, o nº 4 do artigo 14º prescreve que 'a renúncia ao mandato não prejudica os efeitos previstos no nº 1 do presente artigo', o que tão-só significa é que aquele que se encontre nalguma das situações previstas no artigo 9º (ou, para a hipótese da dissolução, do artigo
13º) não deixa de ser inelegível se, adiantando-se à decisão judicial ou administrativa (conforme os casos) de perda de mandato, renuncia ao mesmo.
Não podia, de resto, ser outro o sentido da norma em apreço, pois que, achando-se constitucionalmente garantido o direito à candidatura segundo o princípio do sufrágio universal, livre e pessoal (cf., por
último, o Acórdão nº 25/92, Diário da República, II, de 11 de Junho de 1992) - ou seja, sendo o direito ao sufrágio passivo um verdadeiro direito subjectivo público (cf. Acórdão nº 602/89, Diário da República, II, de 6 de Abril de 1990)
-, a regra tem que ser a da elegibilidade dos cidadãos. A inelegibilidade, sendo, como é, uma restrição ao direito à candidatura, tem, naturalmente, que ser excepcional, só se justificando quando for necessária para garantir a liberdade de voto e o exercício isento e imparcial dos cargos autárquicos - e na medida em que o for (cf. artigo 50º, nº 3, da Constituição, conjugado com o artigo 18º, nº 2, também da Lei Fundamental).
Ora, não se vê que as razões, que, constitucionalmente, podem fundamentar restrições ao direito de candidatura, concorram no caso em que um eleito local renuncia ao respectivo mandato, alegando, designadamente,
'motivos de ordem profissional, por falta de tempo para dar o disponível à autarquia', como fez o candidato C..
Impôr a inelegibilidade em situações desse tipo seria, manifestamente, desnecessário e desproporcionado ao fim que a Constituição tem em vista quando, no artigo 50º, nº 3, prescreve que 'no acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos'.
Há assim que concluir que os candidatos B. e C. não se acham abrangidos pela causa de inelegibilidade, prevista no artigo 14º, nºs 1 e
4, da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro.
Tais cidadãos são, por isso, elegíveis para a assembleia de freguesia Raposa.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e julgar elegíveis os candidatos do Partido Social Democrata - PPD/PSD à eleição para a assembleia de freguesia de Raposa, do município de Almeirim, B. e C..
Lisboa, 16 de Novembro de 1993
Messias Bento Antero Alves Monteiro Diniz António Vitorino Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca Bravo Serra Maria da Assunção Esteves Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa