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Procº nº 402/92 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. O Representante do Ministério Público junto do Tribunal de Instrução Criminal de Caldas da Rainha, uma vez declarada encerrada a instrução preparatória, deduziu querela provisória contra A., imputando-lhe a autoria de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 424º do Código Penal.
Declarada aberta a instrução contraditória, requereu a arguida a realização de diligências de prova, consistentes na junção de fotocópia do movimento de uma sua conta bancária e na inquirição de dez testemunhas sobre vários factos enunciados no requerimento.
2. Por despacho do Mmº Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Caldas da Rainha de 31 de Janeiro de 1991, foi indeferido o requerimento que solicitava as inquirições, ao abrigo do disposto no artigo 330º, § 2º, do Código de Processo Penal de 1929, com o fundamento de que 'a instrução contraditória visa, fundamentalmente, apurar factos que levem à abstenção de acusação ou a carrear novos factos para fortalecer a acusação provisória', ao passo que os factos a que alude o requerimento apresentado pela arguida 'são factos que conduziriam, a provar-se, a abonar o comportamento da arguida, mas não a infirmar o constante da acusação provisória', pelo que só, em sede de julgamento, é que tais 'factos serão relevantes e para a dosimetria da medida da pena'.
3. Deste despacho interpôs a arguida recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo aquela suscitado, nas respectivas alegações, inter alia, a questão da inconstitucionalidade do artigo 330º, § 2, do Código de Processo Penal de 1929, 'ao menos na forma como é interpretado pela decisão recorrida, ... por violar o art. 32º, em especial os seus nºs. 1,4 e 5, da C.R.P.'.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 19 de Novembro de
1991, não tomou, porém, conhecimento do recurso, porque, nos termos do artigo
653º do Código de Processo Penal de 1929, 'tal recurso só deverá subir com o recurso que eventualmente venha a ser interposto do despacho de pronúncia ou não pronúncia'.
4. Inconformada, interpôs a arguida recurso deste aresto para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo aquela reiterado, nas respectivas alegações, entre o mais, a tese da inconstitucionalidade da norma do artigo 330,
§ 2º, do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação referida.
Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 8 de Abril de
1992, decidiu não tomar conhecimento do recurso, com o fundamento de que, não havendo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos da relação proferidos sobre despacho de pronúncia ou não pronúncia, quer versem sobre matéria de direito, quer de facto, nos termos da doutrina do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1990, 'o mesmo entendimento se deverá ter relativamente ao acórdão, ou melhor, ao despacho que não admitiu a realização de diligências a efectuar em instrução preparatória do qual foi interposto recurso'.
5. Indeferida, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1992, a aclaração daquele aresto, interpôs a arguida, por meio de requerimento dirigido ao Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'da decisão da 1ª instância, que aplicara o art. 330º, parágrafo 2º, do C.P.P. de 1929'.
Este recurso foi admitido por aquele Conselheiro Relator, por despacho de 28 de Maio de 1992, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
6. Nas suas alegações produzidas neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto suscitou uma questão prévia, consistente na inadmissibilidade do presente recurso, uma vez que, 'por um lado, da decisão recorrida cabe (e foi efectivamente interposto e admitido) recurso ordinário, e, por outro lado, o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional foi endereçado a e decidido por entidade absolutamente incompetente'.
Ouvida sobre a invocada questão prévia, referiu, inter alia, a recorrente que esgotou os meios ordinários de recurso, para poder lançar mão do recurso para o Tribunal Constitucional, e que, 'sendo a última decisão proferida nos autos, em sede de recurso ordinário, um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, era perante esta instância que o requerimento de interposição deveria ter sido apresentado, como efectivamente o foi'.
7. Corridos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir a questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal.
II - Fundamentos.
8. Adiantar-se-á, desde já, que a questão prévia acima referenciada não pode deixar de ser atendida.
8.1. Com efeito, tendo o presente recurso sido interposto do despacho do Mmº Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Caldas da Rainha de 31 de Janeiro de 1991 - a única decisão de que, esclareça-se, podia ser interposto recurso, já que tanto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Novembro de 1991, como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Abril de
1992, não tendo conhecido dos recursos para eles interpostos, não chegaram a apreciar o mérito daquela decisão e, por isso, não aplicaram a norma questionada
-,o respectivo requerimento de interposição devia ter sido endereçado àquele juiz e por ele decidido e não dirigido ao Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça e por este apreciado. Como decidiu o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 23/88 (publicado no Diário da República, II Série, nº 201, de 31 de Agosto de 1988), são pressupostos processuais da decisão do recurso de constitucionalidade, a admissão do recurso por parte do tribunal que tiver proferido a decisão recorrida (artigo 76º, nº 1, da Lei nº 28/82) e a expedição do recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 699º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei nº 28/82).
Daqui resulta que o recurso de constitucionalidade não pode ser conhecido pelo Tribunal Constitucional se a admissão do recurso e a remessa do processo tiverem sido efectuadas por entidades absolutamente incompetentes, devendo tais actos ser considerados írritos e nulos [cfr. os Acórdãos deste Tribunal nºs. 363/89 e
216/93 (o primeiro publicado no Diário da República, II Série, nº 193, de 23 de Agosto de 1989, e o segundo inédito)].
8.2. Para além do apontado, outro fundamento existe para que o Tribunal Constitucional não tome conhecimento do presente recurso: consiste ele na não exaustão dos recursos ordinários que no caso cabiam (artigo 70º, nº 2, da Lei nº 28/82).
Na verdade, no caso sub judicio, da decisão de que se recorreu para o Tribunal Constitucional - o despacho de indeferimento de diligências instrutórias - cabia recurso ordinário para o Tribunal da Relação, recurso este que, aliás, foi efectivamente interposto e admitido, embora com eficácia diferida. Daí que daquele despacho não caiba recurso directo para o Tribunal Constitucional. Recurso para este Tribunal haverá, sim, como bem salienta o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, do acórdão do Tribunal da Relação que decidir o recurso ordinário actualmente pendente, no caso de esse acórdão vir a aplicar a norma arguida de inconstitucional e no caso de se entender que desse acórdão já não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
III - Decisão.
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se atender a questão prévia suscitada pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto e, em consequência, não tomar conhecimento do recurso, condenando-se a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 unidades de conta.
Lisboa, 25 de Outubro de 1993
Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Messias Bento Bravo Serra José Manuel Cardoso da costa