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Acórdão 748/96 ACTA
Aos vinte e nove de Maio de mil novecentos e noventa e seis achando-se presentes o Exmº. Conselheiro Presidente José Manuel Moreira Cardoso da Costa e os Ex.mos Conselheiros Guilherme da Fonseca, José Manuel Bravo Serra, Maria Fernanda Palma, Vítor Nunes de Almeida, José de Sousa e Brito, Armindo Ribeiro Mendes, Alberto Tavares da Costa, Antero Monteiro Dinis, Luis Manuel César Nunes de Almeida, Messias Bento e Fernando Alves Correia foram trazidos a conferência os presentes autos.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Ex.mo Presidente ditado o seguinte
ACÓRDÃO nº 748/96
1. Por ofício de 5 de Janeiro do ano corrente, o Partido Comunista Português veio comunicar a este Tribunal 'a identificação dos titulares que, nos termos dos artºs nºs 1º e 4º, nº 2, alínea a), da Lei 4/83, de Abril, na redacção da Lei 25/95, de 18 de Agosto, estão obrigados a fazer a declaração de rendimentos para efeitos de controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos'.
No mesmo ofício esclarece-se, entretanto, que, 'ainda que com dúvidas sobre a interpretação legal que deve ser dada à referida lei, opta o PCP por decidir efectuar a declaração dos rendimentos de todos os membros do seu Conselho Nacional, dado que este pode ser considerado como órgão executivo do Partido'. E, por fim, requere-se o depósito das declarações dos titulares dos
órgãos do Partido, a tanto obrigados.
2. Autuado o ofício em causa com o respectivo expediente, suscita o Secretário do Tribunal na sua informação, todavia, a dúvida de saber se os titulares dos órgãos do Partido requerente, em funções à data da entrada em vigor da citada Lei nº 25/95, se acham já adstritos à obrigação de apresentação da declaração de património e rendimentos, consoante esse diploma passou a impor, ou se essa obrigação não existirá apenas para os 'membros dos órgãos permanentes de direcção nacional e das Regiões Autónomas dos partidos políticos, com funções executivas' [artigo 4º, nº 2, alínea a), da Lei nº 4/83, na redacção da citada Lei nº 25/95] que assumam os respectivos cargos na vigência desta Lei.
Assim, importa resolver a dúvida suscitada, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 109º da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção da Lei nº
88/95, de 1 de Setembro.
3. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de apreciar a questão da aplicação no tempo da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto, com referência
às alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 4/83, por ela introduzidas: fê-lo, quanto à primeira - respeitante aos cargos de 'administrador designado por entidade pública em pessoa colectiva de direito público ou em sociedades de capitais públicos ou de economia mista' - nos Acórdãos nºs 471/96, 473/96 e
474/96, de 14 de Março; e, quanto à segunda dessas alíneas - respeitante aos cargos de 'director-geral, subdirector-geral e equiparados' - no Acórdão nº
472/96, da mesma data.
Em todos esses arestos se perfilhou o entendimento - nesse sentido, pois, se firmando doutrina - de que tais preceitos apenas são aplicáveis às situações constituídas (seja pelo início de funções, seja pela eleição para um novo mandato ou pela recondução no exercício das mesmas) - em 17 de Setembro de
1995 ou em data posterior. E isso - esclareceu-se - vale tanto para o dever de declaração previsto no artigo 1º, como para os previstos nos nºs 1 e 3 do artigo
2º da mencionada Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95, ora em causa.
4. Para chegar a tal conclusão, o Tribunal começou por ponderar que, mesmo quando falte uma disposição transitória específica (como no caso acontece), nem por isso os critérios (sobre a aplicação temporal das leis) do artigo 12º do Código Civil hão-de considerar-se 'de aplicação como que automática e obrigatória, mas antes devem ceder quando da lei e do seu contexto se extrairem elementos ou argumentos interpretativos que conduzam, a uma diversa solucão'. E, depois, explicitando os argumentos que, em tal sentido, e no caso, ocorriam, disse o seguinte, que se transcreve dos citados arestos:
'O primeiro tópico a ter em conta, no sentido indicado, é de carácter por assim dizer substantivo e reside no facto de a obrigação e o ónus, que a Lei nº 4/83 impôs aos titulares de certos cargos e a Lei nº 25/95 veio estender aos titulares de outros, representarem uma limitação ou restrição ao direito dos titulares desses cargos à privacidade (cfr. artigo 26º, nº 1, da Constituição).
Com efeito, esta circunstância - de se estar perante uma lei nova que toca um direito fundamental das pessoas - não pode deixar de suscitar logo uma atitude da maior contenção quanto à aplicabilidade imediata de tal diploma. E, mesmo que não possa dizer-se que ela, só por si, há-de excluir sempre
(nomeadamente por uma hipotética exigência constitucional) a aplicabilidade imediata da correspondente lei, a verdade é que, na situação em apreço, o seu relevo redobra de ponto, quando se atente em que a limitação ou restrição do direito à privacidade, que a Lei nº 4/93 já comportava, surge particularmente agravada na Lei nº 25/95 (agora em causa), e de resto quanto a todos os seus destinatários: na verdade, não se trata só - nesta última lei - de impor aos titulares de cargos políticos e equiparados, alargando o correspondente elenco, a obrigação de apresentarem uma declaração de património e rendimentos; trata-se, além disso, de consignar a regra da livre consulta pública e da livre possibilidade de divulgação dessas declarações.
Pois bem: vindo a Lei nº 25/95 interferir com uma tal amplitude no direito à privacidade, de que inquestionavelmente são também titulares os seus destinatários, não é crível que haja sido seu propósito afectar - mesmo sem retroactividade e, por conseguinte, sem aparente obstáculo constitucional (cfr. art. 18º, nº 3, da Constituição) - situações já constituidas antes. Se o fosse, o mais natural é que ela o tivesse expressamente consignado - como justamente aconteceu na versão inicial da Lei nº 4/83.
Eis, pois, uma razão 'substantiva' (no sentido de ligada aos próprios valores jurídico-materiais em presença) a justificar a não aplicabilidade imediata, nos termos expostos, da Lei nº 25/95. Mas a essa razão acresce, no mesmo sentido, uma outra, de carácter adjectivo e sistemático: é a de que, se o intuito do legislador fosse o de conferir aplicabilidade imediata ao novo regime de controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos e equiparados estabelecido pela Lei nº 25/95, e nomeadamente às disposições dele que alargaram o universo das entidades sujeitas a esse controlo, então haveria de ter estabelecido o prazo ou prazos dentro dos quais os titulares já em funções, de cargos por ele abrangidos ex novo, deveriam cumprir a respectiva obrigação de declaração - e isso porque, obviamente, a essas situações são inaplicáveis os prazos definidos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 4/83, na versão que lhe foi dada por esse diploma. Ou seja: se fosse esse o propósito da Lei nº 25/95, então também por aí não deveria ela deixar de conter um preceito semelhante, ou idêntico, justamente ao do nº 2 do artigo 8º da versão originária da lei que veio alterar. Não acontecendo assim, igualmente por este outro fundamento há-de afastar-se a sua aplicabilidade imediata'.
Chegado aqui, o Tribunal, porém, acrescentou:
'Isto posto, importa, no entanto, precisar quais as situações, não contempladas na versão inicial da Lei nº 4/83, a que, por deverem considerar-se anteriores à Lei nº 25/95, esta não se aplicará e aquelas outras a que tal lei já haverá de entender-se aplicável. Ou seja: importa precisar qual a data de início dessas situações relevante para determinar a aplicação da nova lei.
Dir-se-ia, prima facie, que essa data seria a da entrada em vigor da Lei nº 25/95, a saber, o dia 17 de Novembro de 1995 (cfr. o artigo 2º do mesmo diploma legal): num estrito rigor formal, como apenas as situações iniciadas a partir de então caem sob o império exclusivo dessa nova lei, só elas, na verdade, ficariam sujeitas ao correspondente regime. Uma tal solução afigura-se, porém, desrazoável ou excessiva, à luz das razões - e, em especial da que primeiro se enunciou - que conduziram a afastar a aplicabilidade imediata da Lei nº 25/95.
Com efeito, publicada que foi esta lei, quemquer que posteriormente viesse a assumir (pela primeira vez ou por recondução ou reeleição) algum dos cargos - inclusive cargos políticos electivos - nela previstos, já bem poderia contar com a aplicação do regime estabelecido por esse diploma - e de tal modo que, em direitas contas, já não poderá dizer-se que tal aplicação, no caso, representasse um agravamento a posteriori, e inesperado, das condições de exercício das respectivas funções (maxime, do respectivo mandato). E isto, muito particularmente, quando a assunção dessas funções (inicial ou na sequência de recondução ou reeleição) tenha ocorrido em momento tal que, contado a partir dele o prazo para a apresentação da declaração prevista no artigo 1º da Lei nº
4/83, esse prazo ainda estivesse a correr no momento em que a lei (a Lei nº
25/95) ia entrar em vigor: é que, verificada esta circunstância específica, tão pouco ocorre já, sequer, a razão 'adjectiva' que vimos opor-se igualmente á aplicabilidade imediata desse diploma'.
Consequentemente, o Tribunal concluiu:
'Eis por que o Tribunal entende que, não sendo embora de reconhecer aplicabilidade imediata, nos termos expostos, à Lei nº 25/95, essa lei, no entanto, deve considerar-se desde logo aplicável às situações que, constituídas
(com a assunção do cargo ou de um novo mandato pelo respectivo titular) ainda antes da sua entrada em vigor mas já depois da sua publicação, o hajam sido em momento tal que, contado a partir daí o prazo de 60 dias fixado no artigo 1º da Lei nº 4/83, na versão que a mesma Lei nº 25/95 deu a esse preceito, um tal prazo não tivesse ainda terminado quando esta (a Lei nº 25/95, ora em causa) entrou em vigor. O que vale por dizer que tal diploma será aplicável a todas as situações constituídas a partir de 17 de Setembro de 1995: ou seja, será aplicável aos titulares de qualquer dos cargos nela previstos que hajam assumido as respectivas funções, ou iniciado um novo mandato no exercício delas, nessa data ou em data posterior'.
5. Ora, não se vê razão para não aplicar igualmente esta doutrina aos titulares de cargos previstos na alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/83, a saber, os 'membros dos órgãos permanentes de direcção nacional e das Regiões Autónomas dos partidos políticos, com funções executivas' - uma vez que, tendo sido esse preceito introduzido pela Lei nº 25/95, tais cargos também só a partir de então ficaram abrangidos pelo regime da dita Lei nº 4/83.
Assim, também quanto aos titulares desses cargos que já se encontrassem em funções em 17 de Setembro do ano transacto deverá entender-se não estarem os mesmos adstritos ao dever de declaração previsto no artigo 1º da Lei nº 4/83 (na redacção da Lei nº 25/95). E, não estando sujeitos a esse dever, também o não estão aos previstos nos nºs 1 e 3 do artigo 2º da mesma Lei (sempre naquela redacção) - já que a doutrina supra transcrita sobre a aplicação temporal da Lei nº 25/95 'vale na íntegra', como se disse nos acórdãos em que foi firmada, também quanto a eles.
Ainda como se explicitou, mutatis mutandis, nesses arestos, aos deveres de declaração acabados de mencionar só ficarão sujeitos os referidos membros com funções executivas das direcções nacinal e regionais dos partidos políticos - ou seja, os que se achavam já em funções em 17 de Setembro de 1995 - se e quando, findo o seu actual mandato, vierem a ser reeleitos ou designados para um novo mandato no cargo que desempenham, ou (evidentemente) eleitos ou designados para o exercício de outro cargo que igualmente caiba na previsão da supra citada alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/83.
6. Por todo o exposto, o Tribunal Constitucional decide que os membros dos órgãos permanentes de direcção nacional e das Regiões Autónomas, com funções executivas, do Partido Comunista Português, eleitos ou designados para o exercício dessas funções em data anterior a 17 de Setembro de 1995, não estão sujeitos à obrigação prevista no artigo 1º da Lei nº 4/83, de 2 de Abril, na redacção da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto.
Guilherme da Fonseca Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Messias Bento Fernando Alves Correia Bravo Serra (vencido, por entender que as considerações que levaram o Tribunal a decidir do modo como decidiu nos Acórdãos nºs. 471/96 e 474/96 não são transponíveis para as pessoas referidas na alínea a) do nº 2 do artº 4º da Lei nº 4/83, de 2 de Abril, na redacção dada pela Lei nº 25/95, de 18 de Agosto. Na verdade, tenho para mim que a aceitação de cargos nos órgãos de partidos políticos por parte dos cidadãos não é, seguramente, iluminada pelos mesmos desidratos que presidem à aceitação do desempenhodas funções referidas nas alíneas a) a c) do nº 3 do artº 4º da referida Lei nº 4/83. Por outro lado, sou de opinião que em relação aos cidadãos que desempenhem funções nos lugares a que se reporta a mencionada alínea a) do nº 2 do artº 2º daquela Lei nº 4/83 não se podem aplicar as razões a que se alude o segundo parágrafo de fls. 7 do vertente aresto) Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos de declaração de voto junta no acórdão
473/96). Vitor Nunes de Almeida (vencido, pelos fundamentos do voto junto ao acórdão nº
473/96). José de Sousa e Brito (vencido, pelos fundamentos da declaração de voto junta ao acórdão nº 473/96). Antero Alves Monteiro Diniz (requerido,pelos fundamentos da declaração de voto produzida no acórdão nº 473/96). Luis Nunes de Almeida (vencido, pelas mesmas razões que o Exmº o Exmº Cons. Bravo Serra). José Manuel Cardoso da Costa