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Proc. nº 769/92
2ª Secção Rel.: Consº Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa intentou acção para declaração de perda de mandato de A., como Presidente da Câmara Municipal de -------------, nos termos do disposto no artigo 1º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro. O Ministério Público imputou ao ora reclamante a prática de infracções previstas nos artigos 1º, nº 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 370/83, de 6 de Outubro, 9º, nº 2, alíneas a) e b), da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, e 81º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março.
A acção foi julgada procedente por sentença de 24 de Abril de
1992.
2. O réu interpôs recurso desta sentença para o Supremo Tribunal Administrativo, suscitando, nas respectivas alegações, a questão da inconstitucionalidade da norma contida no nº 2 do artigo 9º da Lei nº 87/89, se interpretada como sendo aplicável em casos em que não há culpa do agente. O réu entendeu que se teria violado o princípio de culpa, consagrado, conjugadamente, nos artigos 1º e 25º, nº 1, da Constituição.
Na verdade, o Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa observou, na sua sentença, que, 'a perda do mandato não constitui uma punição para um comportamento censurável ...'.
3. Por acórdão de 2 de Setembro de 1992, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, apesar de ter dado razão ao réu relativamente à questão de inconstitucionalidade suscitada. O Supremo Tribunal Administrativo entendeu que a perda de mandato dependia da existência de culpa, mas que, no caso vertente, esta fora provada.
4. O ora reclamante interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Pretende que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma contida no nº 2 do artigo 9º da Lei nº 87/89,
'... na parte em que foi interpretada como possibilitando a aplicação da sanção de perda de mandato independentemente da alegação e prova da existência de culpa.'
Tal recurso não foi admitido, por despacho de 25 de Setembro de 1992 do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, que concluiu pela falta de legitimidade do recorrente: '... se é certo que no julgamento em primeira instância se produziu a afirmação de que a perda de mandato opera independentemente da culpa do visado, neste Supremo Tribunal tal tese não foi subscrita ... Daqui resulta que, quanto à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 9º, nº 2, da citada Lei nº 87/89, o recorrente obteve 'ganho de causa', ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo não fez dela interpretação que o recorrente também não perfilhasse ...'.
5. É contra este despacho que foi deduzida a presente reclamação. O reclamante limita-se a sustentar que '... mesmo que as razões alinhadas no douto despacho reclamado fossem procedentes - o que se impugna -, isso de modo nenhum implicaria a ilegitimidade do recorrente.'
O Supremo Tribunal Administrativo confirmou o despacho reclamado, por acórdão de 29 de Outubro de 1992, em que expendeu as seguintes considerações:
'... Quer pelo disposto no artigo 104º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, quer pelo comando do artigo 680º, nº 2, do Código de Processo Civil, só podem recorrer duma decisão judicial as pessoas que nela tenham sido vencidas.
E como já se viu, o reclamante, como recorrente, quanto à questão de inconstitucionalidade não ficou vencido no julgamento que teve lugar neste Supremo Tribunal, antes obteve completo ganho de causa relativamente à tese adoptada na 1ª Instância quanto à interpretação que foi dada ao artigo 9º, nº 2, da Lei nº 87/89'.
6. O Procurador-Geral Adjunto em exercício no Tribunal Constitucional emitiu parecer sobre a presente reclamação, que concluiu do seguinte modo:
'A decisão recorrida não fez aplicação da norma do artigo 9º, nº 2, da Lei nº 87/89 na interpretação que o ora reclamante havia arguido de inconstitucional.
Era, assim, desde logo, inadmissível o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, o que prejudica o conhecimento da questão da legitimidade do recorrente.
Sendo o recurso inadmissível, deve a presente reclamação ser indeferida.'
II Fundamentação
7. A alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, com a redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro (tal como a alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição), determina que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais' que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.' Por outro lado, o nº 1 do artigo 71º da mesma Lei estabelece que 'os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada.'
Ora, o reclamante suscitou, como se viu, a questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 9º, nº 2, da Lei nº 87/89, na interpretação que postula que a perda de mandato não depende de culpa. Porém, a decisão de que pretende recorrer - o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Setembro de 1992 - não aplicou aquela norma segundo a interpretação alegadamente inconstitucional. Pelo contrário, aplicou a norma interpretando-a em consonância com o ora reclamante.
Deste modo, tal como propugnou, no seu parecer, o Procurador-Geral Adjunto em exercício no Tribunal Constitucional, o recurso é inadmissível, por não ter sido interposto de decisão judicial que haja aplicado norma cuja inconstitucionalidade fora arguida durante o processo (artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional). E, por conseguinte, fica prejudicada a questão da legitimidade do recorrente.
III Decisão
8. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 19 de Janeiro de 1994
José de Sousa e Brito Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa