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Procº nº 328/93.
2ª Secção. Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., pelo essencial da exposição do relator formulada de fls. 42 a 48, que aqui se dá por integralmente reproduzida, ponderando os fundamentos constantes do Acórdão deste Tribunal nº 331/92, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 14 de Novembro de 1992, tirado em Plenário ao abrigo do prescrito no artº 79º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, julga-se não inconstitucional a norma ínsita no nº
1 do artº 9º do D.L. nº 154/91, ou a norma resultante da conjugação daquele mesmo nº 1 com o nº 2 do mesmo artigo, assim se concedendo provimento ao recurso e se determinando a revogação da decisão impugnada, a fim de a mesma ser reformada de harmonia com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 8 de Junho de 1993
Bravo Serra Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 328/93.
2ª Secção.
1. No 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa foram instaurados autos de execução fiscal contra A., visando obter o pagamento coercivo da quantia de Esc. 2.193.991$00 e juros, devida a título de I.V.A..
2. A dado passo do respectivo processamento, a Juiz daquele Juízo, em 18 de Março de 1992, exarou despacho por intermédio do qual se decidiu ser o Tribunal Tributário de 1ª Instância incompetente em razão da matéria para de tais autos conhecer, sendo que, para tanto, se efectuou, nesse despacho, recusa de aplicação das normas constantes dos números 1 e 2 do artº 9º do Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril
Para tanto, foi entendido no aludido despacho que as mencionadas normas violavam as disposições constantes dos artigos 20º, nº 1,
113º, nº 2, 114º, nº 1, 115º, nº 2, 168º, números 1, alínea q), e 2, 205º, números 1 e 2, 206º, 214º, nº 3, e 268º, números 4 e 5, todos da Constituição.
3. Do referido despacho, no tocante à recusa de aplicação normativa, recorreu para este Tribunal o Ministério Público, recurso que veio a ser recebido em 10 de Fevereiro de 1993.
4. A matéria da conformidade ou não conformidade constitucional da normas em questão foi já objecto de apreciação por banda do Tribunal Constitucional por intermédio do seu Acórdão nº 331/92, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 14 de Novembro de 1992, tirado em Plenário ao abrigo do prescrito no artº 79º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, tendo sido, sem divergência de opinião, subscrito por todos os Juízes que intervieram no julgamento.
É certo que, no caso, se tratava da fiscalização concreta de constitucionalidade de normas desaplicadas numa decisão judicial proferida numa determinada execução fiscal em que era exequente a B., tendo-se, naquele aresto, bem como no Acórdão nº 353/92 (ainda inédito), tido o cuidado de sublinhar essa circunstância, citando-se os Decretos números 16.899, de 27 de Maio de 1929, e 17.951, de 11 de Fevereiro de 1930, na parte não revogada pelo Decreto-Lei nº 48.953, de 5 de Abril de 1969, os Decretos números 20.879, de 13 de Fevereiro de 1932 - artigos 1º, § 2º, 2º e 3º - e 21.315, de 4 de Junho de
1932, e os Decretos-Leis números 22.497, de 5 de Maio de 1933, 23.591, de 23 de Fevereiro de 1934, 24.548, de 16 de Outubro de 1934, 25.898, de 4 de Outubro de
1935, 33.276, de 24 de Novembro de 1943 - artigos 4º, 6º e 9º - 35.518, de 2 de Março de 1946, 48.953, de 5 de Abril de 1969 e 693/70, de 31 de Dezembro.
No caso em apreço, tratam estes autos de execução da cobrança coerciva de créditos provenientes de dívidas por Imposto de Valor Acrescentado e juros em que, como é claro, é exequente o Estado.
Isso, porém, não altera minimamente as considerações
ínsitas nos falados Acórdãos números 331/92 e 353/92, nos quais até, a final
(cfr. ponto 6.1), se discorreu, perfunctoriamente embora, sobre as situações em que as execuções fiscais incidam sobre a cobrança de dívidas previstas nas alíneas a) a c) do nº 1 e nas alíneas a) e c) do nº 2, um e outro do artº 233º do Código de Processo Tributário.
4.1. Nos citados Acórdãos concluiu-se no sentido de a norma ínsita no nº 1 do artº 9º do D.L. nº 154/91, ou a norma resultante da conjugação daquele mesmo nº 1 com o nº 2 do mesmo artigo, não ser violadora da Constituição.
Significa isto que o Tribunal Constitucional, ao apreciar a compatibilidade de tal ou tais normas com a Lei Fundamental, não divisou ofensa, quer dos preceitos e princípios constitucionais convocados pela decisão proferida no Tribunal 'a quo', quer de quaisquer outros. E isso pela simples razão segundo a qual, de harmonia com o que se dispõe no artº 79º-C da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, este órgão de administração de justiça pode (e deve) julgar inconstitucionais as normas desaplicadas nas decisões recorridas ainda que se fundamente em violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles que foram os invocados para a desaplicação.
Daqui se poderia desde logo concluir que, se as normas em questão foram julgadas por este Tribunal conformes ao Diploma Básico, então isso deveu-se à circunstância de o mesmo ter entendido que elas não violavam qualquer regra ou princípio constitucional, não relevando, para sustentar diferente conclusão, o facto de o Tribunal Constitucional não ter, então, feito expresso apelo às disposições da Lei Fundamental que, no despacho ora recorrido, foram convocadas (e que serão as constantes dos artigos 20º, nº 1, 115º, nº 2,
168º, nº 2, e 264º, números 4 e 5, da Constituição) para além daquelas que, no despacho então impugnado e que foi apreciado no Acórdão nº 331/92, foram invocadas .
4.2. De todo o modo, sempre se dirá, neste particular, que, na esteira das considerações formuladas nos citados Acórdãos, a expressa apreciação da questão consistente na eventual violação dos citados preceitos constitucionais pelas normas que foram objecto de desaplicação na decisão recorrida, é de considerar como de simples resolução.
Na verdade, em tais arestos ficou demonstrado que, para a edição dos números 1 e 2 do artº 9º do D.L. nº 154/91, não necessitava o Governo de credencial legislativa oriunda da Assembleia da República, pois que a
norma resultante da conjugação daqueles números não veio repor uma atribuição de funções que teriam sido retiradas aos Tribunais Tributários de 1ª Instância de Lisboa e Porto, antes se limitando a manter aquela atribuição, não havendo, desta arte, alteração, redução ou modificação de competência de tais Tribunais, acrescentando-se que a dita norma, 'por um lado, num certo entendimento, não pode ...ser perspectivada como constituindo estatuição sobre a competência dos tribunais e, por outro, em entendimento diverso segundo o qual essa norma
«tocava» em tal competência, porque, concedendo a Lei nº 37/90 autorização para a elaboração de um código de processo tributário que iria decorrentemente implicar alterações na competência dos tribunais fiscais, sempre em tal autorização - que representa um «mais» - se comportaria a possibilidade - que é afinal um «menos» - de, relativamente a alguns tribunais, se manter transitoriamente a anterior competência'.
Ora, perante esta asserção, torna-se evidente que não foram violadas pelas normas em apreço o nº 2 do artigo 115º e o nº 2 do artigo
168º, ambos da Constituição.
4.3. Por outro lado, mesmo concedendo que seja certa a perspectiva do despacho ora sob censura e segundo a qual os actos (ou, ao menos, alguns deles) mantidos de forma transitória na competência dos Tribunais Tributários de 1ª Instância de Lisboa e Porto terão a natureza administrativa, e que, a ser assim, a respectiva impugnação deveria obedecer ao regime das regras reguladoras do contencioso administrativo, o que se não passaria com o sistema mantido pelas normas sub specie que, afinal, cometem àqueles Tribunais a decisão desses actos (e, acrescentaremos nós, vêm permitir que a impugnação dessa decisão se faça para um tribunal de hierarquia superior, aqui actuando, pois, um recurso jurisdicional), então sempre se dirá que, mesmo que porventura fosse certo aquele raciocínio, é de evidência que o mencionado sistema em nada veda a garantia de acesso dos interessados aos tribunais, tal como se encontra consagrada no artigo 20º da Constituição. Assim como, de idêntico modo, não fica diminuída a garantia de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados (artigo 268º, nº 5, da Constituição), pois que um recurso jurisdicional não oferece, seguramente, menos garantias que um recurso contencioso (ainda que de jurisdição plena).
5. Face às considerações acima efectuadas e, designadamente à jurisprudência deste Tribunal já firmada nos mencionados Acórdãos, haverá de conceder-se que a resolução da presente questão, mesmo perante a argumentação carreada pelo despacho sob censura, é de perspectivar como simples, o que motiva a feitura da presente exposição ex vi do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Cumpra-se a parte final deste mesmo preceito.
Lisboa, 27 de Maio de 1993. Bravo Serra