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Proc. nº 663/93 Cons. Messias Bento
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O mandatário do Partido Socialista às eleições autárquicas no concelho de Braga, A. - notificado, por carta registada de 5 de Novembro de 1993, do despacho (de 3 de Novembro de 1993) do juiz do 3º Juízo da comarca de Braga, que, entre o mais, julgou inelegível o candidato à assembleia de freguesia de Frossos, desse concelho (B.) - veio, em 9 de Novembro de 1993,
'recorrer da decisão'.
Alegou, para tanto, que a inelegibilidade a que se refere a alínea c) do artigo 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, apenas atinge o funcionário autárquico que concorrer a qualquer das assembleias de freguesia do concelho como primeiro candidato da lista, e não também aquele que se apresentar a sufrágio em 10º lugar dessa mesma lista, como no caso acontece com o mencionado B..
O juiz, por despacho de 12 de Novembro de 1993 (no qual começou por acentuar que entendia o requerimento do mandatário do Partido Socialista como 'uma reclamação da decisão questionada e não um recurso'), manteve a decisão de inelegibilidade do mencionado candidato B., ordenou a sua substituição 'pelo suplente que se lhe segue nº 11 – C.' e a correspondente rectificação das listas; e mandou que se procedesse à afixação destas, nos termos do nº 5 do artigo 22º do citado Decreto-Lei nº 701-B/76.
As listas foram afixadas (conforme cota constante dos autos), em 15 de Novembro de 1993, sem que se saiba a hora a que tal sucedeu.
2. O referido mandatário (A.) veio, então, em 16 de Novembro de 1993 (a hora que, no carimbo de entrada, se não regista), recorrer para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 1 do artigo 25º do citado Decreto-Lei nº 701-B/76, da decisão (de 12 de Novembro de 1993), que julgou inelegível (para a assembleia de freguesia de Frossos) o funcionário camarário B. e ordenou a sua substituição pelo suplente C., insistindo em que aquele se não acha abrangido pela alínea c) do artigo 4º daquele Decreto-Lei nº 701-B/76, uma vez que ocupa o 10º lugar da respectiva lista de candidatos.
3. Cumpre, então, decidir se o referido B. é ou não elegível para a assembleia de freguesia de Frossos do concelho de Braga, uma vez que nada há que obste ao conhecimento do objecto do recurso.
O recurso vem, na verdade, interposto de uma decisão final do juiz relativa à apresentação de candidaturas, já que proferida sobre reclamação apresentada contra uma sua anterior decisão, que julgara inelegível o candidato. De outro lado, foi ele interposto em prazo, uma vez que, tendo a afixação das listas sido feita a hora indeterminada de 15 de Novembro, e havendo o requerimento de recurso dado entrada na secretaria do tribunal recorrido logo no dia 16 imediato, a hora que também se não conhece, dúvidas não restam de que a sua interposição teve lugar dentro do prazo de 48 horas, fixado no nº 2 do citado artigo 25º.
II. Fundamentos:
4. O artigo 4º, nº 1, alínea c), dispõe como segue:
Artigo 4º Não podem ser eleitos para os órgãos do poder local: c) Os funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios.
O que, deste modo, o legislador primacialmente pretende
é garantir a isenção e a independência de quem exerce cargos electivos - desiderato para cuja consecução ele se acha constitucionalmente autorizado a estabelecer as inelegibilidades necessárias (cf. artigo 50º, nº 3, da Constituição da República).
Sendo esta a ratio da inelegibilidade em causa, ela respeita 'unicamente à eleição do órgão autárquico de que o cidadão é
'funcionário' ou de outro órgão da mesma autarquia', como se sublinhou no Acórdão nº 244/85 (Diário da República, II série, de 7 de Fevereiro de 1986). E, assim - como se consignou no acórdão nº 533/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º volume, 1989, páginas 383 e seguintes) - o funcionário de uma câmara municipal, sendo embora inelegível tanto para esse órgão autárquico, como para a assembleia do mesmo município, já é elegível para a assembleia de qualquer freguesia do município, salvo, naturalmente, se for primeiro candidato da respectiva lista, pois, neste caso, é inelegível'.
Bem se compreende que o funcionário de uma câmara municipal não possa candidatar-se como cabeça de lista a qualquer das assembleias de freguesia do respectivo concelho, pois que, vindo a ser eleito, passará a fazer parte da respectiva assembleia municipal, que é constituída, entre outros, pelos presidentes das juntas de freguesia do concelho (cf. artigos
251º da Constituição e 31º, nº 1, do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março) - e estes são os cidadãos que encabeçam as listas mais votadas nas eleições para as assembleias de freguesia (cf. artigos 247º, nº 2, da Constituição e 23º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 100/84).
Relativamente aos restantes candidatos às assembleias de freguesia do concelho de cuja câmara municipal são funcionários (ou seja,
àqueles que ocupem qualquer outro lugar nas listas), como, ainda que venham a ser eleitos, não integrarão qualquer órgão representativo do município
(assembleia municipal ou câmara municipal: cf. artigo 30º do citado Decreto-Lei nº 100/84), já não concorrem motivos capazes de justificar uma inelegibilidade.
As inelegibilidades, por serem restrições ao direito de candidatura, sempre haverão de apresentar-se como algo de excepcional (cf., sobre este último ponto, o acórdão nº 718/93, por publicar).
Por isso - contrariamente ao que se sustenta no despacho recorrido -, a simples possibilidade de um candidato a uma assembleia de freguesia, ocupando o número 10 da lista (como é o caso de B.), 'vir a ser membro eleito do órgão colegial do município [...], na sequência da substituição dos que se interpõem entre si e o actual cabeça de lista', não é suficiente para, à luz da Constituição, justificar uma inelegibilidade.
A norma legal, que estabelecesse uma tal inelegibilidade, consagraria uma solução que, por ser desproporcionada à consecução dos fins capazes de a justificar - que são, repete-se, garantir a isenção e a independência do exercício de cargos electivos - apresentar-se-ia como incompatível com a Constituição (cf. artigo 18º, nº 2, da Constituição).
A eventualidade, mais que remota, de um candidato que ocupa o 10º lugar de uma lista concorrente à eleição para uma assembleia de freguesia, no caso de ser eleito, vir a ocupar, na sequência de substituições sucessivas, um lugar de membro da assembleia municipal, sempre teria, de resto, remédio: num tal caso, o eleito em causa perderia o respectivo mandato, como bem resulta do que prescreve a alínea a) do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro ('tutela administrativa das autarquias locais e das associações de município de direito público').
5. O candidato B. é funcionário da Câmara Municipal de Braga e concorre à assembleia de freguesia de Frossos desse concelho. Ocupa, porém, o 10º lugar da lista de candidatos.
É ele, por isso, elegível.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder provimento ao recurso; e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e julga-se elegível o candidato B., que ocupa o 10º lugar da lista concorrente à eleição para a assembleia de freguesia de Frossos do concelho de Braga.
Lisboa, 23 de Novembro de 1993
Messias Bento António Vitorino Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca (com declaração de voto conjunta do Ac. 705/93) Maria da Assunção Esteves Fernando Alves Correia Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Luís Nunes de Almeida Antero Alves Monteiro Diniz (votei a conclusão, sem prejuízo de, no domínio da fundamentação do acórdão manter o entendimento assumido na declaração de voto que apresentei no Acórdão nº 244/85) José Manuel Cardoso da Costa