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Proc. nº 765/92
1ª Secção Rel. Cons. António Vitorino
Acordam, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido B., tendo sido suscitada pelo relator a questão prévia do não conhecimento do recurso em virtude de a questão de constitucionalidade da alínea a), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, apenas ter sido suscitada pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação no
'parecer' emitido ao abrigo do disposto no artigo 416º do Código de Processo Penal, 'parecer' esse que não foi notificado ao arguido, o que atentaria contra as garantias de defesa do mesmo e o princípio do contraditório constantes do artigo 32º, nº 5 da Constituição, e de que decorreria, por seu turno, a inidoneidade de tal peça processual para validamente colocar a questão em causa durante o processo (como postula o artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), o Tribunal perfilha, contudo, o entendimento de que, prefigurando a descrita situação quando muito uma mera irregularidade processual, dela não poderá resultar qualquer impedimento quanto ao conhecimento do pedido, pelo que improcede a aludida questão prévia.
2. Em face do que, tendo em atenção os fundamentos e o conteúdo decisório do Acórdão nº 349/93, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Agosto de 1993, tirado pelo plenário do Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 79º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, o Tribunal decide:
a) desatender a questão prévia suscitada pelo relator;
b) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 11º, nº
1, alínea a), do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro;
c) negar provimento ao recurso e confirmar, na parte impugnada, o acórdão recorrido.
Lisboa, 3 de Novembro de 1993
António Vitorino (vencido, quanto à questão prévia, nos termos da declaração junta ao Acórdão nº 592/93)
Armindo Ribeiro Mendes
Maria da Assunção Esteves
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa
Proc. nº 765/92
1ª Secção
EXPOSIÇÃO PRELIMINAR DO RELATOR - ARTº 78º-A
1. Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular contra B., imputando-lhe a prática de um crime de emissão de cheque sem cobertura, previsto e punido pelos artigos 23º e 24º, nºs 1 e 2 alíneas a) e c) do Decreto-Lei nº 13.004, de 12 de Janeiro de 1927, este último na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro.
Na descrição da matéria de facto não se fez qualquer alusão à existência de prejuízo patrimonial decorrente de tal actuação do arguido.
O juiz do processo ( do 5º Juízo Correccional de Lisboa) entendeu proceder ao arquivamento dos autos em virtude de, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, se exigir para a prática do crime de emissão de cheque sem provisão os elementos constantes daqueles preceitos e um elemento novo, isto é, causar prejuízo patrimonial ao tomador do cheque, o que não consta da acusação, pelo que concluiu o aludido juiz que os factos nela descritos não constituíam crime, o que equivalia a dizer que se estava em presença de uma situação despenalizada em virtude da entrada em vigor da lei nova.
2. Perante tal despacho, o Ministério Público recorreu para a Relação de Lisboa argumentando, em síntese, que o despacho recorrido, ao decidir pela despenalização, violou o disposto nos artigos 23º e 24º do Decreto-Lei nº
13.004, na sua última redacção, 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 454/91 e 2º, nº 2, do Código Penal, pelo que solicitou que o aludido despacho fosse substituído por outro que ordenasse o prosseguimento do processo.
O arguido não respondeu ao recurso.
3. No Tribunal da Relação de Lisboa o processo foi com vista ao representante do Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 416º do Código de Processo Penal, o qual, antes de abordar as questões de legalidade subjacentes à interposição do recurso, entendeu dever colocar ' a questão da conformidade de tal artº 11º, nº 1 com as normas constitucionais, nas suas duas vertentes, isto é, constitucionalidade e legalidade, que analisaremos por essa ordem'.
Debruçando-se sobre a questão de constitucionalidade, o representante do Ministério Público defendeu que ' o Governo, integrando o crime do artº 11º, nº 1, alínea a) do D.L. nº 454/91, de 28.12 - único que está em causa no caso sub judice - com o elemento típico 'causando prejuízo patrimonial', excedeu a autorização legislativa que lhe foi concedida pela A.R., constante da Lei nº 30/91, de 20.07, pelo que tal norma legal está ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artº 168º, nº 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa.'
4. Seguidamente o relator determinou que os autos fossem aos vistos dos adjuntos e, depois, à conferência ( artº 419º, nº 4, alínea b) do Código de Processo Penal ). Esta, por Acórdão, concluiu, sobre a questão de constitucionalidade suscitada no 'parecer' do Ministério Público, invocando a decisão do Tribunal Constitucional, constante do Acórdão de 10 de Outubro de
1991, onde se decidiu pela plena constitucionalidade daquele diploma legal, que a lei de autorização legislativa nº 30/91, de 20 de Julho, conferiu ao governo uma 'credencial parlamentar ampla, no sentido de considerar crime de emissão de cheque sem provisão as condutas previstas nas alíneas a) e b) - correspondentes
às alíneas a) e b) do artº 11º da L 454/91, - quer elas causassem 'prejuízo patrimonial à mesma pessoa ou a terceiro' quer o não causassem'. E dispondo de uma tal habilitação ampla, o Governo decidiu apenas utilizá-la de forma restrita, o que é consentido pela lei de autorização legislativa em causa'. Razão pela qual a Relação decidiu que o diploma não enfermava do vício de inconstitucionalidade material ou orgânica e a final negou provimento ao recurso.
5. Notificado deste Acórdão, o representante do Ministério Público no Tribunal da Relação recorreu de tal decisão para o Tribunal Constitucional através de requerimento do seguinte teor:
' O Agente do Ministério Público junto deste Tribunal notificado do douto Acórdão de fls. 90 e segs., vem, do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artº 280º, nº 1. al. b) e nº 2, al. d). da C.R.P., e no artº 70º, nº 1, al. b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, nos termos e com os fundamentos seguintes:
' 1. No seu 'Parecer' suscitou a questão da inconstitucionalidade e/ou ilegalidade do artº 11º, nº 1, al. a) do D.L. nº
454/91, de 28 de Dezembro.
2. No douto Acórdão, ora recorrido, tal norma legal foi aplicada.
3. Consideramos que foram violados os artigos 168º, nº 1, al. c),
3º, nº 3 e 115º, nº 2, todos da Constituição da República.
4. Tal decisão não é impugnável por via de recurso ordinário.
Termos em que se requer a admissão do presente recurso.'
6. O relator na Relação entendeu o recurso como legítimo e tempestivo e por isso admitiu-o.
Subidos os autos a este Tribunal foram distribuídos, pelo que desde logo cumpre apreciar as condições de admissão do recurso a que se reportam, o que se passará a fazer.
7. O Ministério Público recorre do aludido Acórdão da Relação com fundamento no disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, ou seja, com fundamento em que na decisão recorrida se aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada no decurso do processo.
No requerimento de interposição do recurso, o representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa foi explícito ao identificar o seu 'Parecer' de fls. 75 e segs. como a peça processual onde a questão de constitucionalidade foi suscitada. Com efeito, na primeira instância o Ministério Público não havia suscitado nenhuma questão de constitucionalidade e apenas na Relação e no referido 'Parecer' foi a mesma introduzida 'ex novo' e como questão antecedente à da própria legalidade do despacho recorrido.
Tal 'Parecer' foi emitido pelo representante do Ministério Público ao abrigo do disposto no artigo 416º do Código de Processo Penal, que dispõe que
' antes de ser apresentado ao relator, o processo vai com vista ao Ministério Público junto do tribunal de recurso'.
Neste contexto, cumpre apurar desde logo se, para efeitos do artigo
70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (recurso de decisão judicial que haja aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada no decurso do processo), o 'Parecer' do Ministério Público, emitido ao abrigo do disposto no artigo 416º do Código de Processo Penal, constitui meio idóneo de suscitar pela primeira ( e única ) vez uma questão de constitucionalidade de que este Tribunal Constitucional deva tomar conhecimento.
8. O artigo 416º do Código de Processo Penal de 1987 coincide, no essencial, com o disposto no artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, cujo teor era o seguinte: ' Os recursos, antes de irem aos juízes que têm de os julgar, irão com vista ao Ministério Público se a não tiver tido antes'.
Sobre este artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929 teve o Tribunal Constitucional ocasião de se pronunciar por diversas vezes.
Com efeito, no Acórdão nº 150/87 ( publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1987 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº
367, pág. 210 ), a 1ª Secção deste Tribunal julgou tal norma inconstitucional pois que ' quando interpretada no sentido de conceder ao Ministério Público, para além já de qualquer resposta ou contradita da defesa, a faculdade de trazer aos autos uma nova e eventualmente mais profunda argumentação contra o arguido, não pode deixar de ser havida como lesiva dos princípios consagrados no artigo
32º, nºs 1 e 5, da Constituição'.
Por seu turno, a 2ª Secção do Tribunal, nos Acórdãos nºs 398/89 ( publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Setembro de 1989 ), 495/89 e 496/89 ( publicados ambos na II Série do mesmo Diário da República, respectivamente de 28 de Janeiro e de 1 de Fevereiro de 1990 ) e 350/91
(publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Dezembro de 1991) julgou como não inconstitucional a aludida norma ' interpretada no sentido de que, quando os recursos lhe vão com vista, o Ministério Público pode pronunciar-se sobre o respectivo objecto, com um dos seguintes limites: não lhe ser consentido emitir parecer que possa agravar a posição dos réus ou, quando isso aconteça, ser dada aos réus a possibilidade de responderem.'
Assim sendo, e independentemente de curar agora do grau de sobreposição daqueles julgamentos de constitucionalidade, ou seja, dos domínios de coincidência ou de dissociação de um julgamento assente numa interpretação conforme à Constituição e de um julgamento de inconstitucionalidade parcial, decerto relevantemente determinados pelos condicionalismos fácticos presentes em cada um dos concretos casos então submetidos a decisão do Tribunal, ponto incontornável é que constitui alcance comum daquelas decisões, num patamar mínimo de exigência constitucional, que o 'Parecer' do Ministério Público emitido ao abrigo do disposto no artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929 não pode carrear nova argumentação em sentido desfavorável ao réu sem que se observem os ditâmes do princípio do contraditório que constitui limite impostergável das garantias do arguido consagradas nos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição.
Acresce que recentemente o Tribunal Constitucional, em plenário, foi precisamente confrontado com a questão da divergência jurisprudencial suscitada pelos aludidos arestos das suas duas Secções, sobre a qual deliberou uniformizar o seu entendimento, ao abrigo do disposto no artigo 79º-D, da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, na redacção decorrente da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro
(Acórdão nº 150/93, de 2 de Fevereiro de 1993, ainda inédito). Tal uniformização, embora com votos de vencido (entre os quais o do relator deste processo ) traduziu-se em não julgar inconstitucional 'a norma do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929 interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem'.
Ora, se este desiderato pode ser alcançado quanto ao aludido artigo
664º do C.P.P. de 1929, por identidade de razões se deverá aplicar ao seu sucedâneo, isto é, ao artigo 416º do Código de Processo Penal ora vigente, cujo sentido e alcance, no que ora nos ocupa, daquele não difere, e isto pelas razões constantes dos diversos arestos acima citados. Ou seja, sempre que o processo for com vista ao Ministério Público e este emitir 'parecer' do qual resulta a possibilidade de agravamento da posição do réu, a este deve ser dada a possibilidade de responder ao aludido 'parecer', sob pena de se terem por violados o princípio do contraditório e as garantias de defesa dos arguidos consagrados no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
9. Revertendo ao caso em apreço.
Como já se viu, a questão de constitucionalidade do artigo 11º do Decreto-Lei nº 454/91 só foi suscitada pelo Ministério Público no 'Parecer' emitido ao abrigo do artigo 416º do Código de Processo Penal. A proceder tal questão, dela resulta que a norma em causa, tida na decisão recorrida como despenalizadora, produzirá inelutavelmente uma consequência agravadora da posição do réu no processo, efeito que se alcançaria sem que, no decurso do processo, ao réu tivesse sido facultada a possibilidade de se pronunciar sobre essa questão e eventualmente contraditá-la.
Com efeito, conforme resulta dos autos, após a emissão do 'parecer' o juiz relator, verificando a existência de causa extintiva do procedimento e da responsabilidade criminal que põe termo ao processo e que constituía único motivo do recurso, determinou (despacho de fls. 70) que os autos fossem a vistos dos juízes adjuntos e, depois, à conferência, nos termos do disposto no artigo
419º, nº 4, alínea b) do Código de Processo Penal (que prevê que o recurso é julgado em conferência quando 'exista causa extintiva de procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo de recurso').
Neste quadro, o 'parecer' do Ministério Público envolve inegavelmente a possibilidade de agravamento da posição do réu (ao preconizar a inconstitucionalidade da norma despenalizadora), dele não foi notificado o réu e o julgamento em conferência não permitiu qualquer forma de intervenção deste no processo que assegurasse minimamente o contraditório inerente ao processo penal.
Desta circunstância resultam ofendidas as garantias de defesa do arguido e o princípio do contraditório consagrados nos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição.
E nem se diga que a questão é irrelevante por o Tribunal a quo ter desatendido a questão de inconstitucionalidade aventada pelo Ministério Público, já que tal desiderato, em si mesmo, não pode produzir qualquer efeito sanatório face à ausência de contraditório sobre matéria que potencialmente envolvia a possibilidade de agravamento da posição do réu.
Acresce que, se a decisão recorrida tivesse sido de sentido oposto ( de procedência da questão de constitucionalidade suscitada pelo Ministério Público ), logo de desaplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade, de tal decisão caberia recurso obrigatório a interpôr pelo Ministério Público ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
10. À conclusão a que chegamos poderá obtemperar-se que, mesmo tendo-se passado as coisas da forma descrita e com as assinaladas consequências, não seria esta a sede adequada para emitir um juízo àcerca da aplicação ao processo do disposto no artigo 416º do Código de Processo Penal, já porque esta norma não vem directamente impugnada nem foi desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade no decurso do processo, já porque o despacho liminar do artigo 78º-A se reporta tão somente à verificação dos pressupostos de admissão do recurso (e da probabilidade de procedência do mesmo em casos de manifesta falta de fundamento ou de simplicidade da questão a decidir).
Tais objecções, contudo, afiguram-se improcedentes como se passará a ver.
Desde logo porque o Tribunal, nos termos da Constituição e da Lei
(artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82), tem que verificar, nesta sede, se foi suscitada a questão de constitucionalidade durante o processo, razão pela qual o artigo 75º-A do citado diploma legal obriga à indicação, na petição de recurso, da peça processual onde tal questão foi levantada perante o tribunal a quo. O mesmo é dizer que o Tribunal vai apurar se a questão de constitucionalidade foi suscitada de forma idónea no decurso do processo. Nesse contexto, o Tribunal tem reiteradamente afirmado que não se pode ter por validamente suscitada a questão de constitucionalidade no decurso do processo ( salvo casos excepcionais ) quando tal arguição de inconstitucionalidade opere em momento em que já se encontre esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo. Tal crivo quanto à admissibilidade dos recursos de constitucionalidade em causa, assente num entendimento jurisprudencial da locução 'durante o processo', decorre, assim, do 'espírito do sistema' de fiscalização concreta e dele é extraído, por via interpretativa, mas sem uma directa e expressa cominação legal.
Ora, por identidade de razões, também não se pode deixar de apreciar da idoneidade do meio processual usado por uma parte no processo para suscitar uma questão de constitucionalidade, por forma a apurar se do uso desse meio resulta preenchido o requisito de tal questão ter sido suscitada 'durante o processo'.
Dito de outra forma: se a questão de constitucionalidade do artigo
416º do Código de Processo Penal, na interpretação e aplicação dele acolhida no processo, não constitui objecto do recurso de constitucionalidade em causa, contudo, como tem sucedido em diversas ocasiões no labor jurisprudencial deste Tribunal, nada impede que o Tribunal recorra a um juízo de constitucionalidade
àcerca de norma legal diversa da do objecto do recurso para melhor ajuizar da própria questão de constitucionalidade sobre que o recurso versa.
E se as coisas assim são quanto ao objecto do processo propriamente dito, não se antolha que de igual forma se não deva proceder quando se apreciam os pressupostos de admissibilidade do próprio recurso de constitucionalidade.
Assim resulta que a peça processual em que o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade (artigo 75º-A, nº 2, da Lei nº 28/82) não parece idónea para abrir a via do recurso de constitucionalidade, pois que se suporta numa interpretação inconstitucional da lei, isto é, tal peça, dado o conteúdo com que se apresenta, viola o artigo 32º, nº 5, da Constituição, devendo ter-se por nula e inexistente, inexistindo assim também o pressuposto inicial para a interposição do recurso de constitucionalidade.
O poder de cognição deste Tribunal relativo à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, ao averiguar se a questão de constitucionalidade foi suscitada durante o processo, há-de necessariamente considerar se tal suscitação o foi em peça processual idónea, válida e regularmente integrada no processo, no processo tramitada de harmonia com a lei e não em oposição à lei.
11. Nestes termos entende-se que a aplicação da norma do artigo 416º do Código de Processo Penal no processo padece do vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa dos arguidos (artigo 32º, nºs 1 e 5 da Constituição) e consequentemente não se pode ter por idónea a questão de constitucionalidade a coberto dele suscitada, termos em que se entende não dever tomar conhecimento do recurso.
Ouçam-se as partes por cinco dias (nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro).
Lisboa, 22 de Setembro de 1993
António Vitorino