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Processo n.º 266/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão:
«1. Por decisão de fls. 133 e segs., foi proferida acusação contra os recorrentes por indícios da prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 2 do Código Penal, por referência ao artigo 391.º do Código de Processo Civil (CPC). Na sequência desta decisão, os recorrentes requereram a abertura de instrução invocando, nomeadamente, que a interpretação feita do artigo 391.º do CPC era inconstitucional por violação do artigo 29.º da Constituição, na vertente da proibição nullum crimen sine lege.
Por decisão do Tribunal Judicial de Viseu de fls. 294 e segs., foram os mesmos pronunciados nos termos da acusação anteriormente proferida. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, constante de requerimento inicial subsequentemente complementado por articulado posterior junto pelos recorrentes. O requerimento de interposição apresenta o seguinte conteúdo:
“A. e esposa B., nos autos de Instrução à margem referenciados,
Não se conformando com a decisão instrutória – aliás, douta – que, comprovando a acusação contra eles deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público, os pronuncia, imputando-lhes a prática, em autoria material, de um crime de desobediência qualificada, p.p. Pelo art. 348-2 do C. Penal, por referência ao art. 391 do Cód. Processo Civil, dela interpõem recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, nos termos e com os seguintes FUNDAMENTOS:
“1º
Por ser sobejamente consabido que uma providência cautelar decretada, especificada ou não, só faz incorrer no crime de desobediência qualificada todo aquele que a infrinja, a viole, como estatui o referenciado art. 391 do CPC.
Com efeito,
2º
Está-se então perante a chamada garantia penal da providência cautelar decretada.
Por isso que,
3º
V.g.: Investido o requerente na posse da coisa, com ou sem a citação e audiência do esbulhador; embargada a obra; removido o obstáculo; arrestado ou arrolado o bem, incorre no crime de desobediência qualificada o requerido que esbulhe ou perturbe a posse; que continue a obra embargada; que volte a colocar o obstáculo (pedras, pedregulhos ou valas); que dê sumiço aos bens arrestados ou arrolados, etc., etc..
Ou seja,
4º
A providência cautelar decretada, senão executada oficiosamente ou voluntariamente cumprida, executa-se, como também aconteceu, in casu; a providência cautelar cumprida, executada, se infringida, «faz incorrer o infrator/requerido na pena do crime de desobediência qualificada...
5º
Sem prejuízos das medidas adequadas (havendo-as, acrescentamos nós!) à sua execução coerciva» (art. 391 CPC),
6º
Assim funcionando, no caso, aquela garantia penal da providência cautelar cível e, ainda, a execução coerciva (v.g.: demolição da parte aumentada da obra embargada; retirada do pedregulho novamente colocado; arrasamento da vala novamente aberta; retirada do portão ou cancela novamente colocados, etc., etc.), que, quanto ao descaminho do bem arrestado ou arrolado, parece impossível opor também execução, restando a cominação penal respetiva.
Desta sorte,
7º
A decisão instrutória de pronúncia do Tribunal recorrido (Juízo de Instrução Criminal), pela prática do crime de desobediência qualificada, por referência ao art. 391 do CPC, viola, pelo menos (e a este propósito se voltará mais adiante!) o princípio constitucional “NULLUM CRIMEN SINE LEGE”, consagrado no art. 29º da Constituição da República Portuguesa,
8º
Como vai aduzido no requerimento de abertura da INSTRUÇÃO e, assim – como em momento bem mais azado se dirá –, o despacho que lhe subjaz, que ordena a execução da providência decretada, «sob pena da prática do crime de desobediência qualificada», não corresponde a mandado legítimo, por violação do dispositivo citado,
9º
Que o não seria nem será, se proferido fosse e pessoalmente notificado houvesse sido ao requerido, prevenindo-o da cominação pela infração da providência decretada, depois de cumprida, voluntária ou oficiosamente, ou executada.
Por isso que,
10º
A aplicação da referência da norma (art. 391 do CPC), no caso concreto, quando interpretada como o foi na douta decisão instrutória, comprovando a da acusação, conduz à irrecorribilidade da pronúncia (art. 310-1 CPC) pela prática do crime que aquela mesma norma não contempla, sujeitando 2 velhos ao vexame de um julgamento, nas circunstâncias que também se aduzirão atempadamente, a este nível interno (vide dispositivos adiante referidos: arts. 75-A2 e 70-1 b) da L.T.C.).
NESTES TERMOS e nos mais de direito (disposições combinadas, entre outros, dos arts. 280 da Const. Rep. Portuguesa, 70-1 b), 73, 75, 75-A2 e 78, todos da L.T.C. Nº 28/82, de 15/11, atualizada pela Lei nº 13-A/98, de 26/2), por terem legitimidade e estarem em tempo, a decisão ser recorrível e terem-no fundamentado, deve admitir-se o presente recurso, com subida imediata ao Tribunal Constitucional, nos próprios autos e com efeito suspensivo.”
O requerimento posteriormente junto dispõe o seguinte:
“A. e esposa B., nos autos de Instrução á margem referenciados, tendo interposto atempadamente recurso para o Tribunal Constitucional, mas no último dia do termo do prazo, dão-se agora conta, pela análise dos seus fundamentos, ínsitos no seu requerimento, que os ali sinteticamente elencados nos arts. 7º a 10º e podem prestar a confusões e/ou ser suscetíveis eventual suprimento, nos termos do art. 76-5 da L.T.C..
Como assim, pretendem os requerentes prestar o seguinte esclarecimento: pelo fundamentado resumidamente nos arts. 7º a 10º, atento o citado princípio constitucional «nullum crimen sine lege», a norma tida como referência, no caso, constante do art. 391 do Cód. de Processo Civil, é inconstitucional, na interpretação segundo a qual incorre no crime de desobediência qualificada todo aquele que não cumpre ou não executa de imediato uma providência cautelar decretada, podendo em tal caso o juiz ordenar o seu cumprimento, com aquela cominação (“crimen sine lege”); sendo que, tal conduta, portanto não é subsumível à norma ou lei referenciada.
Termos em que requerem a V. Exa. se digne ter em conta a bondade do esclarecimento ora prestado ao fundamentado naqueles arts. 7º a 10º do seu requerimento de interposição do recurso.”
2. O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC). Nos termos deste preceito, cabe recurso das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
A fiscalização da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional reveste, no sistema português, um caráter exclusivamente normativo. O Tribunal conhece da inconstitucionalidade de normas ou dimensões normativas, não lhe competindo fiscalizar as decisões proferidas pelos outros tribunais. Isto significa que o objeto do recurso de constitucionalidade, cuja construção compete ao recorrente, deve revestir uma natureza exclusivamente normativa. Ora, o que os recorrentes integram como objeto deste seu recurso traduz, na realidade, a sindicância da própria decisão judicial ao dar por preenchidos os pressupostos necessários à pronúncia dos arguidos nos termos em que a mesma foi proferida.
Na realidade, a fiscalização do princípio da tipicidade penal na dimensão que vem questionada acabaria por redundar no controlo da decisão judicial propriamente dita e não de qualquer interpretação normativa. Quando os recorrentes invocam a violação do princípio da tipicidade penal, sustentando que os factos que lhes são imputados não cabem na previsão legal do crime, integram como objeto do recurso, na realidade, a operação judicial de subsunção dos factos às normas legais aplicáveis. Como salientou este Tribunal no acórdão n.º 183/2008 (publicado no Diário da República, I série, de 22 de abril de 2008), “[o] controlo de constitucionalidade das ‘interpretações normativas’ (…) não atribui, porém, ao Tribunal a competência que ele não pode ter, desde logo face ao disposto no artigo 221º da Constituição. Um ‘tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional’ não pode, evidentemente, transformar-se em instância revisora do modo como os demais tribunais interpretam e aplicam o direito infra-constitucional, substituindo-se-lhes na tarefa (que exclusivamente lhes pertence) de subsunção de certos factos a certo tipo de determinação legal. Tal em caso algum poderá ocorrer (…).”
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar os recorrentes nas custas, com 7 UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.»
2. Os recorrentes reclamaram para a conferência, com os seguintes fundamentos:
«(…)
2.º
O que está aqui em causa, no caso concreto, é a norma constante do art. 391 do Cód. Proc. Civil, quando interpretada, como o está a ser, no sentido de ela abranger ou cominar o crime qualificado para a não execução voluntária da providência cautelar, que não, como deve e nela é expresso, de estabelecer a cominação para todo aquele que infrinja ou viole (como requerido e disso notificado) a providência cautelar decretada.
De resto,
3.º
A inconstitucionalidade da norma em causa, quando interpretada como decorre dos autos, ainda é mais patente, à luz da seguinte realidade factual que dele promana:
- já pelos requeridos e aqui recorrentes terem sido condenados, em sede da mesma decisão cautelar, «a abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam ou limitem a passagem dos requerentes ou de terceiros por estes autorizados, quando necessário, a pé, com carros de tração animal, trator ou outros veículos automóveis, sobre o prédio dos ora recorrentes, em favor do prédio dos requerentes e, consequentemente, a proceder, no prazo de 10 dias, à retirada da pedra que ali colocaram» (sic);
- já por se ter julgado, no caso, ter existido violência por banda do filho dos recorrentes, autor material da colocação da dita pedra, mas muito antes da decisão da providência cautelar;
- já por a providência decretada, no que concerne à prestação do facto positivo e entrega da coisa (servidão) não ter sido, como é em regra, diretamente pelo Tribunal, com o recurso aos meios postos à sua disposição pelos requerentes da providência, com a notificação pessoal e imediata dos requeridos, com a cominação pela eventual infração ou violação da providência decretada e executada;
- já por terem sido os requerentes da providência cautelar, recorrentes da decisão de indeferimento liminar ou inicial da mesma, quem removeu todos os obstáculos postos ao exercício da servidão de passagem e que, por isso, levaram a que o filho dos ora recorrente procedesse à colocação da pedra (ou pedregulho) no leito da servidão;
- já por os requerentes da providência cautelar terem reconhecido, em sede de transação, homologada por sentença, que, de facto, agravaram a servidão de passagem, com a construção da sua casa de habitação no prédio rústico beneficiário daquele;
- já por os requerentes da providência, em sede da execução instaurada para prestação do facto positivo (retirada da pedra) terem apurado o custo da prestação do facto em causa e penhorado o próprio prédio serviente, quando podiam e deviam tê-lo feito, pondo à disposição do Tribunal os meios à remoção;
- já por, finalmente, os ora recorrentes estarem aconselhados, como sempre o declararam, que não poderiam nem deveriam violar ou infringir a providência decretada, até ao desfecho da ação principal, obstruindo de novo a servidão de passagem, se desimpedida fosse.
Donde,
4.º
Como bem se colhe, quer dos autos de inquérito (do auto de interrogatório como arguidos); quer dos autos de Instrução (com interrogatório), jamais os recorrentes tiveram a intenção de desobedecer, por não terem sequer a consciência de infringir ou violar uma providência cautelar decretada, tendo como pano de fundo ou fundamentos, (e ainda por cima) os factos praticados pelo seu filho, embora fossem também do seu conhecimento pessoal.
Ora,
5.º
Sob pena de a providência cautelar decretada ter garantia superior à da sentença definitiva e, sobretudo, que a norma em causa se aplique às medidas que ordenem um comportamento, um facto fungível, como é o caso (retirada da pedra), idêntico àquele que, no caso da procedência da ação principal, virá a constituir objeto da condenação,
DEVE SEMPRE CONDUZIR À INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO PRECEITO em causa: art. 391 do Cód. Proc. Civil.
E isto,
6.º
Tanto mais que, o fim último daquela norma, como vem sendo exposto, também é, no fundo, impedir que aquele que não acate uma providência, crie, afinal, uma situação que impossibilite a futura execução específica da sentença que contra ele venha a ser proferida, caindo também no mesmo âmbito da norma as atuações de quem tem conhecimento da providência e impossibilita, por qualquer meio, a futura execução (v.g.: ocultação de bem apreendido, arrestado ou arrolado, sua destruição, danificação).
Ora,
7.º
Se alguém, como é o caso dos recorrentes, se afirma disposto a não infringir ou violar, até à decisão final, o que lhes foi imposto provisoriamente (não voltar a perturbar a posse da servidão de passagem, não voltar a colocar quaisquer obstáculos, se removidos forem), bem como a aconselhar ou ordenar que outrem (seu filho) não infrinja a providência...
8.º
…mesmo assim, comete o crime de desobediência qualificada, por ser essa a interpretação a fazer da norma em causa...
9.º
…Então não só o crime em causa, atento o princípio da tipicidade, não pode subsumir-se a tal norma, que o não prevê, que só abarca os comportamentos infratores / violadores da providência (“nullum crimen sine lege”)...
10.º
Como os ora recorrentes estão desde já confrontados com uma decisão instrutória, baseada na interpretação da norma em causa, que conduzirá fatalmente, atentos os factos apurados, à irremediável condenação dos ora recorrentes pela prática do crime de desobediência qualificada, por não saberem nem poderem, afinal, aduzir amanhã, em sua defesa, quaisquer outras circunstâncias, subjetivas e objetivas...
11.º
Com o que, a interpretação da norma em causa do art. 391 do Cód. Proc. Civil, (imagine-se) conduziria, no caso, como tudo o indica, a priori, à violação de princípios e direitos gerais fundamentais, consignados, entre outros, nos arts. 18º, 29º e, sobretudo, a garantia pessoal, consagrada no art. 32-2, todos da Constituição da República Portuguesa, com inversão da presunção e, assim, «presumindo-se desde já os recorrentes como autores do crime de desobediência qualificada, por violação daquela referenciada norma».
12.º
A interpretação da norma em causa conduziria, afinal, a que nosso sistema jurídico fosse, até, bastante mais gravoso ou punitivo do que o alemão que, estabelece a “prisão coerciva”, mas apenas no caso da sentença provisória que condene «no cumprimento de uma obrigação de facto infungível ou negativo», como ensina Lebre de Freitas in «Ação executiva», citado nos comentários que tece à referida norma do art. 391 CPC.
d) Conclusão única
13.º
É a norma do art. 391 do Cód. de Processo Civil que é inconstitucional, na interpretação que acima já foi referida, bem como nos fundamentos do recurso, a que alude a douta decisão sumária reclamanda.»
3. O Ministério Público responde nos termos seguintes:
“1º
Tem sido variada a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a sua competência para conhecer de eventual violação do princípio da legalidade penal.
2.º
Para alguma jurisprudência invocar a violação do princípio da legalidade, significa, em última análise, questionar o próprio processo interpretativo, pelo que o Tribunal não seria competente para conhecer dessa questão.
3.º
Para outra, já “teria natureza normativa a questão consubstanciada na impugnação de um critério interpretativo de índole generalizante, explicitamente adotado pela decisão recorrida” (Carlos Lopes do Rego “As interpretações normativas sindicáveis pelo TC”, Jurisprudência Constitucional, n.º 3, pág. 13)
4.º
Com este entendimento, no entanto, o Tribunal Constitucional acabaria “por expropriar de forma radical, os tribunais que integram as restantes ordens jurídicas do seu poder – e competência – para interpretar as normas de direito infra constitucional, passando sempre a competir ao Tribunal Constitucional a última palavra acerca da interpretação correta e adequada de todas as normas de direito ordinário vigente, em áreas sujeitas ao princípio da legalidade” (Carlos Lopes do Rego, ob. cit, pág. 14).
5.º
No caso dos autos, no entanto, a questão não se coloca sequer a este nível.
6.º
Efetivamente como muito bem se diz na decisão reclamada, a fiscalização do princípio da legalidade penal acabaria por redundar no controlo da decisão judicial e não de qualquer interpretação normativa.
7.º
Essa conclusão parece-nos evidente se se cotejar a “norma” que o recorrente enuncia, com o que na decisão recorrida se disse quanto ao não cumprimento do decidido, no caso a remoção de um obstáculo, tendo também, ali, sido levado em consideração as dificuldades de que, no caso concreto, essa remoção se revestiria.
8.º
Pelo exposto, deve a reclamação ser indeferida.”
4. A reclamação não procede. Como os recorrentes dizem, o que está em causa no presente recurso “é a norma constante do art. 391 do Cód. Proc. Civil, quando interpretada, como o está a ser, no sentido de ela abranger ou cominar o crime qualificado para a não execução voluntária da providência cautelar, que não, como deve e nela é expresso, de estabelecer a cominação para todo aquele que infrinja ou viole (como requerido e disso notificado) a providência cautelar decretada”. Pretendem os recorrentes que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade desta norma por violação do princípio da tipicidade penal. As demais violações de normas e princípios constitucionais que invocam são decorrência desse que, na sua argumentação, é o vício fundamental da qualificação dos factos como crime de desobediência, quando não preenchem o ilícito típico.
Ora, não constitui questão de constitucionalidade normativa, suscetível de ser conhecida em recurso de fiscalização concreta pelo Tribunal Constitucional, saber se implica violação do princípio constitucional da legalidade ou da tipicidade criminal a interpretação do artigo 391.º do Código de Processo Civil de modo a compreender determinada conduta. Nos termos em que a questão de constitucionalidade é colocada ao Tribunal, não se pretende censurar uma deficiência estrutural dos enunciados normativos do preceito em causa de modo a cumprir as exigências constitucionais do princípio da legalidade (i.e., as exigências acrescidas da determinabilidade da lei em matéria criminal). Nem sequer é objeto de apreciação uma norma (ou uma determinada interpretação dela pela decisão recorrida, ainda que implícita) que verse sobre os critérios de interpretação da lei penal (uma norma contendo princípios ou regras de interpretação ou aplicação da lei penal) a propósito da qual se discuta se habilita os tribunais à aplicação das normas penais tipificadoras de modo que possa contrariar o princípio constitucional da legalidade. Para julgar o presente recurso, o que o Tribunal teria de apreciar não consiste em saber se é constitucionalmente permitido ao legislador estabelecer determinado conteúdo sancionatório ou prescrever determinadas regras de interpretação das normas sancionatórias, mas se o tribunal da causa adotou uma interpretação coincidente com a previsão legal, de modo que esteja a punir o agente de acordo com o conteúdo efetivo (âmbito de previsão objetiva e subjetiva) da lei sancionatória prévia. Aquilo que teria de apreciar-se neste recurso seria se o sistema de direito ordinário previa a punição como crime de determinada conduta ou a responsabilização por ela de determinados agentes nos termos que o juiz entendeu ocorrer, e não se o legislador podia constitucionalmente estabelecer a responsabilidade criminal nesses termos. Essa averiguação não cabe na competência do Tribunal Constitucional, que apenas aprecia a constitucionalidade de normas e não as concretas decisões judiciais.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os recorrentes nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 4 de junho de 2012.- Vítor Gomes – Ana Guerra Martins – Gil Galvão.