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Processo nº 111/93
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por despacho de 11 de Junho de 1991 do juiz do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Viseu, proferido no processo de querela nº 306/91 da 3ª Secção desse Juízo, foram pronunciados A., como autor material, em concurso real, de um crime de furto qualificado e de um crime de introdução em casa alheia, e B., como autor material de um crime de receptação (fls. 6 a
8).
Este último, em 14 de Maio de 1992, veio requerer, ao abrigo do artigo 61º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal, que lhe fosse nomeado seu defensor o solicitador C., por ser pessoa sua conhecida e da sua confiança, em substituição do defensor que lhe havia sido nomeado, que mal conhece, o que constitui motivo de justa causa para a substituição, nos termos do artigo 66º, nº 3, do Código de Processo Civil (fls. 11).
Este requerimento foi indeferido por despacho do Mmº Juiz daquele Tribunal de 19 de Maio de 1992 (fls. 12) e notificado ele por carta registada expedida em 20 de Maio de 1992 (cfr. cota de fls. 12 verso), veio o requerente, em 26 seguinte, interpor recurso para o Tribunal da Relação, que, segundo ele, deveria 'subir imediatamente e nos próprios autos, pois pretende que no dia de audiência de discussão e julgamento seja seu defensor o por si escolhido' (fls. 13).
Porém, o despacho de 2 de Julho de 1992, que admitiu o recurso, determinou que o mesmo subiria 'com o primeiro que, depois dele, tenha de subir imediatamente' (fls. 14).
Notificado deste despacho por carta registada expedida em 8 de Julho de 1992 (cfr. cota de fls. 14), dele veio o requerente, em 9 de Setembro de 1992, reclamar para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, sustentando que, nos termos do artigo 734º, nº 2, do Código de Processo Civil, o recurso deve ser admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, pois, pretendendo o reclamante que seja o solicitador por si escolhido o seu defensor no dia da audiência de discussão e julgamento, a admissão do recurso nos termos em que o foi torna-o absolutamente inútil (fls. 2 e 3).
Mantido o despacho reclamado, pelo seu autor (fls.
4), o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, por despacho de 23 de Outubro de 1992 (fls. 21), julgou improcedente a reclamação, com a seguinte fundamentação:
'Já tem o réu, nos autos, procuração passada a esse solicitador, que por sua vez substabeleceu, com reserva, em advogado [cfr. fls. 20 e verso].
Mas o que está agora em causa é apenas saber se o apontado recurso deve subir imediata ou diferidamente.
Não cabe, a hipótese que nos ocupa, em nenhum dos números do artigo 655º do Código de Processo Penal e é entendimento pacífico que o recurso cuja retenção o tornaria absolutamente inútil é apenas aquele cujo resultado, ainda que favorável ao recorrente, já em absoluto lhe não pode aproveitar, ou, dizendo de outra maneira, já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo. Não está nessas circunstâncias aquele cujo provimento possibilite a anulação de alguns actos, incluindo o do julgamento, por isso ser um risco próprio dos recursos diferidos.
Ora, se, por hipótese, houvesse que reconhecer razão ao reclamante (que já passou procuração ao dito solicitador, repete-se), haveria então que anular os actos posteriores àquele despacho recorrido e o recurso sortiria o seu efeito normal.
Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação (...).'
Notificado deste despacho por carta registada expedida em 26 de Outubro de 1992 (cfr. cota de fls. 22 verso), dele veio o requerente, em 6 de Novembro de 1992 (fls. 24 e 25), interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, aduzindo que a leitura feita no despacho recorrido do artigo 655º do Código de Processo Penal de 1929, numa interpretação literal, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 20º da Constituição, acrescentando que : 'A peça processual onde fica suscitada a questão da inconstitucionalidade em causa é esta mesma de interposição de recurso'.
Tal recurso não foi admitido por despacho de 4 de Janeiro de 1993 do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 29), do seguinte teor:
'Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, [nº 1,] alínea b), da Lei nº 28/82, das decisões dos Tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Acontece que, conforme entendimento do mesmo Tribunal várias vezes expresso,
'suscitar a inconstitucionalidade de uma norma durante o processo é fazê-lo em termos e em tempo de o Tribunal recorrido poder pronunciar-se sobre tal questão - o que pressupõe que ela seja suscitada antes de proferida a decisão de que se recorre e, bem assim, que o seja em termos de o Tribunal recorrido ficar a saber que tem que a decidir'.
No presente caso, o recorrente pela pena do seu solicitador (que, além do mais, não tem competência técnica para abordar questões de direito, como claramente resulta dos termos do presente recurso) diz que 'a peça processual onde fica suscitada a questão da inconstitucionalidade em causa é esta mesma de interposição de recurso.' E isso é verdade! Mas porque assim é, o recurso é inadmissível.
Nos termos, pois, do artigo 76º, nºs 1 e 2, da citada Lei nº 28/82, não admito o recurso (...).'
Notificado deste despacho por carta registada expedida em 5 de Janeiro de 1993 (cfr. cota da fls. 30 verso), dele veio o recorrente reclamar, em 15 dos mesmos mês e ano (fls. 32 e 33), para o Tribunal Constitucional, sustentando, em suma, que 'a introdução [por lapso, escreveu instrução] nesta vexata quaestio do conceito de funcionalidade é, em boa verdade, um requinte que a leitura da lei, formal ou não formal, não cobre', pelo que, 'dado que a inconstitucionalidade foi suscitada efectivamente no processo, o recurso deve ser admitido'.
O Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, ao determinar, por despacho de 1 de Fevereiro de 1993 (fls. 39), a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, implicitamente manteve o despacho reclamado.
2. Neste Tribunal Constitucional, o Ministério Público, no seu visto, emitiu Parecer no sentido de que 'deve ser indeferida a presente reclamação', com o fundamento essencial de que 'o reclamante teve oportunidade processual para suscitar a questão da inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida: podia e devia tê-lo feito na própria reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra'.
'E não pode dizer que foi colhido de surpresa pela interpretação dada nessa decisão à norma do artigo 655º do Código de Processo Penal de 1929, pois essa interpretação foi a mesma que havia sido acolhida na decisão do juiz da comarca de Viseu de que reclamou para o Presidente da Relação de Coimbra.
Não tendo suscitado a questão de inconstitucionalidade quando o podia e devia ter feito, foi o próprio recorrente que tornou inadmissível o recurso de constitucionalidade, que assim, bem rejeitada foi.'
3. Colhidos os vistos, e por determinação do Relator, foi junta aos autos fotocópia do Acórdão do Tribunal Colectivo da comarca de Viseu, de 9 de Junho de 1993, proferido no Processo de Querela nº
306/91, 3ª Secção, 2º Juízo, relativamente à absolvição do réu B., ora reclamante, por ter sido julgada 'a acusação improcedente, por não provada', certificando-se ainda que o Acórdão 'transitou em julgado em 18.06.93'.
4. Tudo visto, cumpre agora decidir, não sendo obstáculo à decisão a circunstância registada no Parecer do Ministério Público de não ter sido 'processada em apenso próprio' a presente reclamação, 'mas nos próprios autos de reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra', o que constitui mera irregularidade da tramitação processual sem reflexos imediatos no julgamento neste Tribunal Constitucional.
E o que avulta desde logo é a nota da utilidade ainda da decisão, face ao resultado definitivo do processo criminal em que o ora reclamante foi réu, tendo nele sido absolvido por Acórdão transitado do Tribunal Colectivo da comarca de Viseu (ponto 3.).
Com efeito, a presente reclamação prende-se com uma decisão judicial proferida na sequência do citado Processo de Querela nº 306/91, relativamente ao indeferimento da pretensão do réu e ora reclamante B. de que
'lhe fosse nomeado seu defensor o solicitador C., por ser pessoa sua conhecida e da sua confiança, em substituição do defensor que lhe havia sido nomeado'. Por consequência, matéria relacionada com o patrocínio judiciário, vindo apenas questionado o ponto do regime de subida e os efeitos do recurso entretanto interposto pelo réu e ora reclamante de tal decisão judicial para o Tribunal de Relação.
Ora, com a sua absolvição, por ter sido julgada 'a acusação improcedente, por não provada', deixou de ter qualquer interesse a questão levantada a propósito do patrocínio judiciário e, consequentemente, também perdeu qualquer interesse o resultado do recurso que o reclamante havia interposto, nele discutindo o seu regime de subida e os seus efeitos.
Tanto basta para concluir que se verifica uma inutilidade superveniente da presente reclamação, como causa obstativa ao seu conhecimento (artigo 287º, e), do Código de Processo Civil), levando à extinção da instância.
5. Termos em que, DECIDINDO, acordam em julgar extinta a reclamação, com a condenação do reclamante em custas, fixadas em cinco unidades conta a taxa de justiça.
Lx. 19.1.94
Guilherme da Fonseca Messias Bento José de Sousa e Brito Bravo Serra Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa