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Proc. nº 799/92
1ª secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - O Tribunal do Trabalho de Leiria, em autos de execução para pagamento de coima, instaurados pelo Ministério Público contra B., com sede em ----------, -----------, e outros, expediu carta precatória ao Tribunal Judicial de Alcobaça para penhora de bens da executada necessários e suficientes para pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos legais.
O senhor juiz do tribunal deprecado, porém, por despacho de 16 de Outubro de 1992, julgou o tribunal judicial de Alcobaça incompetente, em razão da matéria, para proceder à realização do acto que lhe fora solicitado, atendo-se para tanto à fundamentação seguinte:
'Supõe-se que o pedido de proceder à penhora se baseia no disposto no art.
26º nº 1 do Cod. Processo Trabalho na redacção que lhe foi dada pelo art. 1º do Dec.Lei 315/89 de 21 de Setembro o qual dispõe que `quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o Tribunal tem a sua sede, são solicitadas ao Tribunal do Trabalho sediado naquela comarca, se o houver, e, não havendo, ao Tribunal de competência genérica com sede naquela comarca...'
Porém, esta disposição foi julgada `organicamente' inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 7 de Abril de 92, publicado no D.R. II série de 21 de Agosto 92.
Assim a inconstitucionalidade do preceito em que se baseia a remessa da presente carta precatória determina que se considere aplicável a anterior redacção do art. 26º nº 1 do C. Processo Trabalho que conjugada com o D.Lei
214/88 regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais confere competência para realização da diligência deprecada ao próprio Tribunal deprecante.
Em síntese, decide-se considerar este Tribunal Judicial de Alcobaça incompetente em razão da matéria considerando competente para a realização da diligência o Tribunal do Trabalho de Leiria'.
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2 - Deste despacho, em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nºs 1, alínea a) e 3 da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) e
72º, nºs 1, alínea a) e 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, trouxe o Ministério Público recurso obrigatório ao Tribunal Constitucional.
Nas alegações entretanto oferecidas, o Senhor Procurador-Geral Adjunto formulou as seguintes conclusões:
'1º - A norma constante do nº 1 do artigo 26º do Código de Processo do Trabalho, na redacção do Decreto-Lei nº 315/89, de 21 de Setembro, é organicamente inconstitucional por incidir sobre matéria contida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e ter sido editada pelo Governo sem a necessária autorização legislativa (artigo 168º, nº
1, alínea q), da Constituição da República).
2º - Termos em que deve ser confirmada, na parte impugnada, a decisão recorrida'.
Os recorridos não produziram contra-alegação.
Considerando a simplicidade da causa a decidir e por já existir, relativamente a ela, uma jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal, foram dispensados os vistos de lei.
Cabe agora apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - O Código de Processo do Trabalho de 1963, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45497, de 30 de Dezembro de 1963, dispunha no seu artigo 34º, o seguinte:
'1 - As citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede, serão solicitadas ao tribunal do trabalho que tenha sede nessa comarca ou, não o havendo, ao respectivo tribunal de comarca ou julgado municipal, dentro da esfera da sua competência, ou à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente.
2 - Na falta de tribunal do trabalho com sede na comarca, as citações e notificações serão, em princípio, requisitadas à autoridade administrativa ou policial'
Entendia-se então, com base no preceituado na norma do nº 2, que a intervenção das autoridades policiais ou administrativas, quando não existisse tribunal de trabalho na sede da respectiva comarca, constituía a regra ou princípio geral orientador.
Na prática, porém, os tribunais do trabalho remetiam já, preferentemente, as deprecadas aos tribunais judiciais utilizando a via das autoridades administrativas ou policiais em raras situações.
Esta norma veio a ter correspondência no artigo 26º do Código de Processo de Trabalho de 1981, aprovado pelo Decreto-Lei nº
272-A/81, de 30 de Setembro, cujo texto, subordinado à epígrafe (citações, notificações e outras diligências em comarca alheia) dispunha assim:
'As citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área ou
à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente'.
O sentido e alcance desta norma, foi entendido divergentemente pela jurisprudência que adoptou, quanto a ela duas linhas interpretativas: (a) uma, considerava competentes para o cumprimento de deprecadas extraídas de processos do foro laboral os tribunais de competência genérica, salvo se na respectiva comarca se achasse sediado um tribunal de trabalho (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 1986, Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, p. 444 e ss); (b) outra, entendia que o cumprimento dessas deprecadas competia ao tribunal de trabalho em cuja área territorial de jurisdição estivesse incluída a comarca onde devia ser realizada a diligência (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 1986, Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, pp. 420 e ss).
Face a este quadro jurisprudencial, e com vista ao esclarecimento das 'dúvidas que têm surgido relativamente à questão da competência para o cumprimento de deprecadas, cujas diligências devem ter lugar em comarcas onde não haja tribunais de trabalho' (cfr. a exposição preambular do respectivo diploma), foi editado o Decreto-Lei nº 315/89, de 21 de Dezembro, que, no seu artigo 1º, deu nova redacção ao artigo 26º do Código de Processo de Trabalho de 1981, em termos de a sua formulação passar a ser a seguinte:
'1 - As citações e notificações que não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal do trabalho sediado naquela comarca, se o houver, e, não o havendo, ao tribunal de competência genérica com sede naquela mesma comarca ou ainda, em qualquer destes casos, à autoridade administrativa ou policial territorial competente.
2 - No caso de existir mais de um tribunal do trabalho na mesma comarca, a competência de cada um, para cumprimento do referido no número anterior, é determinada de acordo com a área de jurisdição dentro dessa comarca'.
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2 - A desaplicação da norma que vem de se transcrever operada pelo despacho recorrido fundou-se, como já se observou, na sua inconstitucionalidade orgânica derivada do facto de, por versar tal norma matéria relativa à competência dos tribunais, incluída na reserva legislativa da Assembleia da República, não poder ser emitida pelo Governo a descoberto da indispensável autorização legislativa, sob pena de afrontamento ao disposto no artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição.
Na verdade o Decreto-Lei nº 315/89, foi publicado pelo Governo no uso da competência legislativa a que se refere o artigo 201º, nº
1, alínea a) da Constituição, isto é, no uso da competência que lhe consente
'fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República'.
Ora, é sabido que se compreende na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a elaboração de leis sobre
'organização e competência dos tribunais', como decorre do disposto no artigo
168º, nº 1, alínea q), da Constituição.
Por outro lado, o Decreto-Lei nº 315/89, na parte em que alterou a redacção do artigo 26º, assume confessadamente natureza interpretativa, pretendendo determinar autenticamente o sentido da versão originária daquela norma. Mas, semelhante interpretação só poderia ser empreendida pela Assembleia da República ou pelo Governo desde que munido de credencial parlamentar, na medida em que a solução legislativa ali consagrada envolve alteração da competência material dos tribunais comuns e da competência territorial dos tribunais do trabalho.
É que, como tem sido sustentado em inúmeros acórdãos deste Tribunal (cfr. por todos os Acórdãos nº 139/92 e 242/92, Diário da República, II série, de, respectivamente, 21 de Agosto e 18 de Novembro de
1982), seja qual for a amplitude da reserva da competência parlamentar neste domínio, 'o certo é que dentro dela não pode deixar de se incluir a produção de matéria normativa que modifique a distribuição jurisdicional do País, em termos de resultar afectada a competência material dos diversos tribunais.
Ora, no caso da norma desaplicada no despacho recorrido, sempre se há-de considerar relevante que através dela se verifique modificação de regras de competência em razão da matéria, afectando tribunais de competência genérica e tribunais especializados, do mesmo passo que é também modificada a área territorial de competência dos próprios tribunais de trabalho, fixada anteriormente à modificação de 1989 pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1987 e pelo respectivo Regulamento.
De tudo isto decorre a conclusão de que o artigo 1º do Decreto-Lei nº 315/89, de 21 de Setembro, na parte em que alterou a redacção do artigo 26º do Código de Processo do Trabalho, é organicamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea q) da Constituição.
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III - A decisão
Nestes termos, face ao exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão impugnada.
Lisboa, 17 de Março de 1993
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Vítor Nunes de Almeida (vencido, nos termos de declaração aposta ao Acórdão nº 139/92)
José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme declaração junta ao Acórdão nº 139/92)