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Proc. nº 558/92
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente o arguido A. e como recorrido o Ministério Público, pelas razões constantes da exposição do relator a fls. 389 e sgts., que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.
Lisboa, 30 de Março de 1993
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa
Proc. nº 558/92
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição do relator elaborada nos termos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro
1 - No Tribunal de Instrução Criminal de Macau, nos autos de instrução preparatória nº 494/91, ali pendentes, por despacho da Senhora Juíza de 9 de Outubro de 1991, foi decidido determinar 'com natureza excepcional' e ao abrigo do disposto no artigo 291º, alínea b) do Código de Processo Penal, que o arguido A. aguardasse os ulteriores termos do processo em liberdade provisória, sob condição de proceder à entrega imediata de todos os seus documentos, mediante a prestação de caução fixada em 10.000 patacas e ainda ficar sujeito a apresentações quinzenais no respectivo tribunal.
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2 - Deste despacho interpôs recurso o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 18 de Fevereiro de 1992, lhe concedeu provimento, determinando a revogação do despacho impugnado e a sua substituição por outro que ordene a prisão preventiva do arguido.
Não conformado com esta decisão, levou dela recurso o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 11 de Junho de
1992, lhe negou provimento, confirmando por inteiro o acórdão recorrido.
Ainda inconformado, o arguido interpôs daquele aresto recurso para o Tribunal Constitucional aduzindo no respectivo requerimento haver sido ali violado o disposto nos artigos 13º, 27º, 28º e 32º da Constituição.
Este recurso foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça, transitando depois o processo para este Tribunal.
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3 - Entende o ora relator não poder conhecer-se do objecto do recurso por força das razões que a seguir, sucintamente, se vão deixar expostas.
Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº
1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais
'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
A admissibilidade desta particular espécie de fiscalização concreta de constitucionalidade depende, além de outros, da concorrência de dois requisitos essenciais: (1) a inconstitucionalidade de certa norma há-de ter sido previamente suscitada pelo recorrente durante o processo;
(2) tal norma, não obstante a arguição da sua inconstitucionalidade, terá de vir a ser depois utilizada na decisão objecto do recurso, como fundamento normativo do próprio julgamento da causa.
O primeiro destes pressupostos de admissibilidade do recurso apenas se pode ter por verificado quando o recorrente haja suscitado a questão de constitucionalidade de modo perceptível e directo, indicando a disposição legal arguida de inconstitucional ou, no caso de apenas questionar certa interpretação que dela foi feita, enunciando qual o sentido ou a dimensão normativa que tem por violadora da Constituição, sendo certo que esta suscitação há-de ocorrer durante o processo.
E este Tribunal vem entendendo, em jurisprudência uniforme e reiterada que a locução 'durante o processo' utilizada nos referidos artigos 280º da Constituição e 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, deve ser tomada não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso. Isto só não será assim, em contadas e muito particulares situações em que o recorrente não haja tido oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade (cfr. sobre esta matéria, por todos, os Acórdãos nºs 62/85,
94/88, 479/89 e 439/91 , Diário da República, II série, de, respectivamente, 31 de Maio de 1985, 22 de Agosto de 1988, 13 de Julho de 1989 e 24 de Abril de
1992).
Por seu turno, e quanto ao segundo daqueles pressupostos, a norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada, haverá de servir de fundamento à decisão recorrida, aí sendo aplicada na sequência do desatendimento do vício de inconstitucionalidade que lhe era assacado.
De outro lado, importa ainda assinalar que o legislador constituinte elegeu como elemento identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização de constitucionalidade - nomeadamente no domínio da fiscalização concreta - o conceito de norma jurídica, pelo que apenas as normas podem ser objecto de sindicância constitucional e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas.
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4 - À luz das considerações e dos princípios sumariamente expostos, há-de dizer-se que o recorrente não suscitou válida e adequadamente, a questão da constitucionalidade de qualquer norma jurídica utilizada na decisão sob recurso como sua ratio decidendi.
Com efeito, durante o processo, quer na contralegação do recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa, quer na alegação do recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, não desencadeou qualquer actividade ou diligência susceptível de ser interpretada ou entendida como denúncia da inconstitucionalidade de uma qualquer norma, em termos de, por essa forma, vir implicada a obrigatoriedade de pronúncia sobre tal questão por parte do tribunal recorrido, e de, simultaneamente, ficar aberta a via do acesso e do recurso a este Tribunal.
Ora, como é sabido, a fiscalização da constitucionalidade acha-se limitada aos actos de carácter normativo, com exclusão dos actos de outra natureza, nomeadamente os actos judiciais em si mesmos considerados, do que decorre que os recursos de constitucionalidade só podem ter por objecto normas e não decisões dos tribunais (cfr. neste sentido a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, citando-se por todos o Acórdão nº 125/90, Diário da República, II série, de 4 de Abril de 1990, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra,
1991, pp. 246 e ss. e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 2ª ed., revista, tomo II, Coimbra, 1987, pp. 373 e ss.).
O recorrente limitou-se naquelas peças processuais a tentar demonstrar a 'inexistência de pressupostos de facto e de direito para aplicação da prisão preventiva', centrando nessa linha de fundamentação todo o suporte do seu posicionamento jurídico.
Não questionando explícita ou sequer implicitamente a inconstitucionalidade de uma qualquer norma que haja servido de suporte legal
à decisão recorrida é manifesto, à luz do que vem exposto, não se verificarem no caso, os pressupostos indispensáveis ao conhecimento do objecto do recurso.
Cumpra-se o disposto no nº 1 do artigo 78º A, da Lei nº 28/82, aditado pela Lei nº 85/89.
Lisboa, 27 de Outubro de 1992
Antero Alves Monteiro Dinis