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Proc. nº 104/93
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Nos presentes autos de recurso, em que é recorrente A., (E.P.) e recorrida B., o relator elaborou Exposição, nos termos do art. 78º - A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, em que sustentou que a decisão recorrida, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não havia recusado a aplicação das normas indicadas pela recorrente com fundamento na inconstitucionalidade das mesmas, razão por que se não verificava o pressuposto de admissibilidade do recurso previsto na alínea a) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
2. Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o teor desta Exposição, apenas a recorrente veio tomar posição, através do requerimento de fls. 98 a 116. Com tal requerimento juntou um parecer jurídico da autoria dos Drs. C. e D. onde se aborda, entre outros, o problema de admissibilidade do recurso de constitucionalidade em casos como o presente.
Após proceder a uma análise detalhada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 1992, impugnado através do presente recurso, concluiu a recorrente da seguinte forma:
'a) O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro;
b) As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie são as seguintes:
- A norma contida no artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, porquanto a atribuição a decretos regulamentares da competência para adaptar o respectivo regime na sua aplicação às empresas públicas não viola o artigo 115º nº 5 da Constituição.
- As normas contidas nos artigos 13º e 14º do Decreto nº 381/72, de 9 de Outubro, porquanto a remissão nelas efectivada para as convenções colectivas não viola o princípio do congelamento do grau hierárquico (cfr. art. 115º nºs 1 e 5 da Constituição) e a sua não aplicação viola os arts. 55º e 56º da Constituição.
- A norma contida na clª 89ª do Acordo Colectivo de Trabalho publicado no BTE nº
3, 1ª série, de 22 de Janeiro de 1981, porquanto as condições de trabalho que a mesma estabelece não violaram o direito ao repouso e aos lazeres, consagrado no art. 59º nº 3 al. d) da Constituição' (a fls. 115-116 dos autos).
Concluiu, por isso, a recorrente que o Tribunal Constitucional devia conhecer do objecto do recurso, concedendo-lhe provimento.
3. Entende-se que não assiste razão à recorrente e que não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso. As razões de tal juízo acham-se expressas na exposição do relator, e, com maior desenvolvimento, no Acórdão nº 266/92 da 2ª Secção deste Tribunal (publicado no Diário da República, II Série, nº 271, de 23 de Novembro de 1992), a cuja fundamentação integralmente se adere.
4. Importa, por isso, deixar afirmado que as normas do Decreto-Lei nº 409/71 e do Decreto nº 381/72 são normas pré-constitucionais, integradas em diplomas publicados numa ordem constitucional pretérita, que deixou de vigorar - sem considerar as alterações pontuais decorrentes das leis constitucionais subsequentes à Revolução de 25 de Abril de 1974 - a partir da entrada em vigor da Constituição de 1976.
No acórdão recorrido, afirma-se que o Decreto-Lei nº
409/71, de 27 de Setembro , tem aplicação nos seus termos gerais, tendo-se previsto a adaptação pontual do mesmo no que toca às empresas concessionárias de serviço público - como é o caso da recorrente - por decreto regulamentar. E escreve-se de seguida:
'Já esta delegação de poderes legislativos ou a desvalorização formal do diploma a operar a adaptações dando natureza regulamentar às alterações do regime legal de duração do trabalho é passível de criticas [...].
Tal como já o nº 3 do artigo 109º da Constituição de 1933, também a alínea c) do artigo 202º da actual Lei Fundamental, estabelece «compete ao Governo elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a boa execução da lei».
Donde que o decreto não pode ser «contra legem», o seu desenvolvimento não se integra na abóbada da ordem legislativa, antes se colocando ao nível inferior das instruções ou providências dinamizadoras.
Autoriza o nº 2 do artigo 1º do D.L. nº 409/71 a publicação do decreto regulamentar para proceder às adaptações do regime nele definido às empresas concessionárias de serviço público e às empresas públicas.
Mas «adaptações» significa ajustamentos, adequações, sem alterar o essencial. Não podem, pois, essas «adaptações» consistir na revogação dos princípios da lei autorizadora.
Assim o Dec. nº 381/72 deve ser entendido em conformidade com a estrutura do Dec.Lei nº 409/71.
Por outro lado, é de rejeitar, por atentado à hierarquia das leis e ao exercício dos poderes regulamentares, que se tenha procedido a uma subdelegação destes poderes intervenientes em contratação colectiva'. (a fls. 22 e 23 dos autos)
Apesar de a recorrente sustentar que o acórdão recorrido desaplicou o nº 2 do art. 1º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, por reputar tal norma inconstitucional face ao nº 5 do art. 115º da Constituição de 1976 (versão introduzida na primeira revisão constitucional, em
1982), nada no texto do acórdão autoriza tal afirmação. Não só tal preceito não
é invocado nesse aresto, como existem elementos claros no mesmo que mostram que esse preceito foi aferido face à ordem constitucional vigente na data da sua elaboração. Faz-se, com efeito, referência ao art. 109º, nº 3, da Constituição de 1933, bem como à posição doutrinal de Marcello Caetano, expressa quanto a essa mesma ordem constitucional, no que toca à admissibilidade de regulamentos modificativos ou derrogativos de uma lei. Ora, a interpretação conforme à Constituição que é feita no transcrito passo do acórdão é uma interpretação conforme a uma constituição pretérita, que já não vigora. Por isso, a admitir-se que tal interpretação correctiva, em conformidade com o art. 109º, nº 3, da Constituição de 1993, implicou uma desaplicação de um outro segmento da norma com fundamento na sua inconstitucionaldade, há-de concluir-se que o Tribunal Constitucional não pode fiscalizar a bondade de tal interpretação correctiva feita pelos tribunais judiciais, por carecer de competência quanto à apreciação da constitucionalidade de leis por confronto com uma constituição pretérita (por todos, veja-se o Acórdão nº. 446/91, in Diário da República, II Série, nº 78, de 2 de Abril de 1992). Como se escreveu no citado Acórdão nº 266/92:
'Simplesmente - como já se sublinhou - o acórdão recorrido conclui do modo que se deixou apontado, lançando mão de um preceito da Constituição de 1933.
Ora, a recusa (implícita) de aplicação de determinada norma legal (a que se reconduz a sua interpretação conforme à Constituição) fundada em que essa norma, se interpretada de um outro modo, violava um preceito da Constituição de 1933, não é, conforme jurisprudência anterior, uma questão de inconstitucionalidade de que este Tribunal possa conhecer.
Assim sendo, não pode conhecer-se do recurso interposto, na parte em que ele tem por objecto a «questão da incconstitucionalidade» da norma do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, no segmento que se deixa indicado'.
(Diário cit., pág. 11047, parágrafo 6).
Ora, não podendo o Tribunal Constitucional sindicar a justiça de interpretação correctiva feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, carece de sentido analisar a argumentação da recorrente tendente a demonstrar a falta de bondade jurídica da mesma.
6. Relativamente à desaplicação parcial dos arts. 13º e 14º do Decreto nº 381/72 e da cláusula 89ª do Acordo Colectivo de Trabalho de
1981, reafirma-se que tal desaplicação foi feita com base num juízo de ilegalidade formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça, tomando como parâmetro a interpretação perfilhada para o nº 2 do art. 1º do Decreto-Lei nº 409/71. Trata-se, pois, da ilegalidade de normas regulamentares, cuja apreciação compete aos tribunais judiciais ou administrativos, mas não ao Tribunal Constituicional, atento o disposto no art. 280º da Constituição. Remete-se, por isso, para a exposição do relator e para o já várias vezes citado Acórdão nº 266/92, onde tal questão é analisada com maior detalhe.
Acrescente-se que a desaplicação operada pelo acórdão recorrido foi determinada por tal juízo de ilegalidade, e não por qualquer violação do disposto nos arts. 55º, 56º, 59º, nº 3, alínea d), ou 115º, nºs 1 e
5, da Constituição vigente.
6. Pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrentes, fixando-se, para o efeito, a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.
Lisboa, 3 de Novembro de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa