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Proc. nº 312/92
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - Por despacho de 31 de Julho de 1991, da Câmara Municipal de Ponte de Sôr, foi aplicada a A. a coima de 750.000$00 (reduzida para 700.000$00 por deliberação de 25 de Setembro de 1991, da mesma autarquia), por, em 28 de Dezembro de 1990, ter procedido à reconstrução de um edifício, no lugar de ---------------, sem que para o efeito se tivesse munido da necessária licença municipal, o que constituía contra-ordenação, prevista no artigo 2º e punível pelo artigo 162º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de Agosto de 1951, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 463/85, de 4 de Novembro, com coima de 5.000$00 a
5.000.000$00.
O arguido impugnou judicialmente esta decisão, defendendo dever ser isento do pagamento de qualquer coima ou, no caso de assim não ser entendido, na sua redução a 200.000$00 com perdão de metade do seu valor.
Por sentença de 27 de Janeiro de 1992, a senhora Juíza do Tribunal Judicial de Ponte de Sôr, declarou extinto, por amnistia, o procedimento contra-ordenacional e mandou que os autos se arquivassem.
Para tanto, suportou-se, na fundamentação seguinte:
'Nos termos do artigo 168º, nº 1, alínea d) da Constituição da República Portuguesa é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
- Regime Geral de punição a infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e respectivo processo. Como escreveu Gomes Canotilho e Vital Moreira `in' Constituição da Rep. Port. anotada 2º edição, vol. II, pág. 197 `à Assembleia da Rep. compete definir o regime comum ou normal da matéria sem prejuízo de regimes especiais que podem ser definidos pelo Governo ou inclusivamente pelas Assembleias regionais'. Daí que possa dizer-se que existe uma competência concorrente dos dois Órgãos de Soberania que permite definir contra-ordenações alterando-as, eliminando-as e modificando a sua punição dentro dos limites do regime geral o que, por outro lado, respeitado o quadro traçado pelo D.L. nº 433/82 de 27/10 alterado pelo D.L. nº 356/89 de
17/10, permite ainda desgraduar contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade em contra-ordenações - neste sentido conferir Acórdão do Tribunal Constitucional nº 114/90 processo 610/88-.
- Ora a Câmara aplicou uma coima de 700.000$00 prevista pelo artº 162 do R.G.E.U. aprovado pelo D.L. 38382 de 7 de Agosto decreto do Governo como mencionado do preâmbulo do referido diploma legal.
- Ora, é certo, como já ficou acima explanado, que o Governo ou Câmara com autorização pode transformar uma contravenção não punida com pena não restritiva de liberdade em contra-ordenações e definir a respectiva punição desde que obedeçam aos moldes gerais que `in casu' são os definidos pelo D.L. 356/89 de
17/10.
- Isto quererá, pois dizer que as coimas assim determinadas não poderão ir aquém dos mínimos nem exceder os máximos previstos naquele diploma legal. Ou seja, a prevista no artº 17 do já citado diploma legal com a nova redacção que lhe foi dada pelo D.L. 356/89 de 17/10 que dispõe: `Se o contrário não resulta de lei, o montante mínimo de coima aplicável às pessoas singulares será de
500$00 e o máximo de 500.000$00.
- De harmonia com exposto recuso-me a aplicar o montante da coima referida no art. 162º do R.G.E.U por inconstitucionalidade parcial e em consequência aplico o regime geral, a saber o regime fixado no já mencionado D.L. 356/89 de 17/10.
- Porém, dada a prática dos factos - 28/12/90 - e o disposto no art. 1º al. dd) da Lei nº 23/91 de 4/7 o limite máximo da coima está amnistiado.
- Assim, e de harmonia com o disposto no art. 126º nº 1 do C. Penal aplicável
`ex vi' do art. 32 do D.L. 433/82 de 27/10 declaro extinto, por amnistia, o procedimento contra-ordenacional e, em consequência, determino o arquivamento dos autos'.
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2 - Em conformidade com o disposto nos artigos
280º, nº 1, alíneas a) e 3, da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, o Ministério Publico interpôs, desta decisão, recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional.
Nas alegações entretanto oferecidas pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto, concluiu-se do modo seguinte:
'1º - O Governo, sem autorização da Assembleia da República, só tem competência para fixar os montantes mínimos e máximos das coimas aplicáveis se respeitar os limites estabelecidos no regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social, constante do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro;
2º - Envolve violação do regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social a fixação pelo Governo de limite máximo da coima de montante superior ao constante do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, como acontece com a norma desaplicada na decisão recorrida;
3º - Termos em que se deve:
a) - Julgar inconstitucional, por violação do artigo 168º, alínea d), da Constituição, a norma constante do artigo 162º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de Agosto de
1951), na redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 463/85, de 4 de Novembro, na parte em que fixa em valor superior ao do regime geral o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa cometida por pessoa singular consistente na execução de quaisquer obras em violação das disposições desse Regulamento, sem licença ou em desacordo com os seus termos ou com o projecto aprovado;
b) - Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada'.
O arguido não contra-alegou.
Foram corridos os vistos de lei, cabendo agora apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - Avaliando pela primeira vez a legitimidade constitucional da norma que aqui se questiona - artigo 162º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, na redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
463/85, de 4 de Novembro - este Tribunal, pelo seu Acórdão nº 324/90, Diário da República, II série, de 13 de Dezembro, proferido em processo de fiscalização concreta de constitucionalidade, decidiu no sentido da sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição.
E na esteira dessa primeira decisão, firmou-se depois uma jurisprudência pacífica e uniforme reiteradora daquele julgamento inicial.
Neste interim, a coberto do disposto no artigo
281º, nº 3, da Constituição, na versão da revisão constitucional de 1989, o Procurador-Geral Adjunto em exercício de funções no Tribunal Constitucional, requereu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma já julgada inconstitucional em três casos concretos, declaração essa que veio a ser produzida no Acórdão 329/92, Diário da República, I série-A, de 14 de Novembro de 1992, cuja parte decisória contém a seguinte formulação:
'Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 162º do RGEU, na redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
463/85, de 4 de Novembro, mas apenas no segmento em que estabelece, para as coimas nele previstas aplicadas a pessoas singulares um limite máximo superior ao fixado no regime geral do ilícito de mera ordenação social (artigo 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 17 de Outubro), por violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), parte final, da Constituição'.
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2 - Tem vindo a ser entendido na jurisprudência e na doutrina que a caracterização e densificação do conceito de força obrigatória geral está dependente de dois elementos. (1) vinculação, pelas sentenças declarativas da inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), de todos os órgãos constitucionais, de todos os tribunais e de todas as autoridades administrativas
(efeito de vinculação); (2) força de lei das decisões de declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), o que implica o alargamento da obrigatoriedade das sentenças a todas as pessoas físicas e jurídicas (e não apenas aos poderes políticos) juridicamente afectados, nos seus direitos ou obrigações, pela norma declarada inconstitucional (ou ilegal) - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª. ed., pp. 535 e 536.
Deste modo, uma vez que foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma objecto de desaplicação na decisão recorrida não é já consentido, que este tribunal, proceda à avaliação da legitimidade constitucional da referida norma, pois que a vinculação a que também se acha sujeito perante a declaração com força obrigatória geral, lhe impõe a mera aplicação, no caso concreto, daquela sua anterior decisão.
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III - A decisão
Nestes termos, fazendo aplicação ao caso concreto da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nega-se provimento ao recurso e confirma-se na parte impugnada, a decisão recorrida.
Lisboa, 30 de Março de 1993
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa