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Processo nº 724/93
2ª/Plenário Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. A., invocando ser 'candidato pelo Partido Socialista à Câmara Municipal da Lourinhã', e 'porque está em tempo e tem legitimidade', veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional da deliberação da Comissão Nacional de Eleições tomada na acta nº 79/VI, da sessão de 23 de Novembro de 1993, que, relativamente a uma queixa 'apresentada pelo PSD contra o Presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, por utilização simultânea da qualidade de presidente da câmara e de candidato' determinou: 'A Câmara Municipal da Lourinhã deve proceder à imediata remoção da propaganda do candidato do Partido Socialista que contenha referências à sua qualidade de Presidente da Câmara.
Porque os factos descritos são susceptíveis de integrar o ilícito eleitoral previsto no artº 48º do DL 701-B/76, de 29 de Setembro, será a presente queixa remetida ao Delegado do Procurador da República junto do Tribunal Judicial da Lourinhã, para os efeitos tidos por convenientes.'
Na alegação o recorrente refere o 'facto de constar nos cartazes afixados para apresentação à população da C.M. da Lourinhã do Candidato do Partido Socialista, a seguinte frase: 'Presidente A., já nos conhecemos', mas entende que o 'slogan da candidatura do Partido Socialista tem uma mensagem que de modo algum se apoia no facto de o actual Presidente da Câmara da Lourinhã ser o candidato do P.S.', e conclui deste modo:
'A mensagem inscrita nos cartazes do candidato do P. S. à C. M. da Lourinhã não pode ser associada ao exercício da Presidência da C.M.. Nem o candidato pode ser acusado de aproveitamentos políticos ou de violação dos princípios de imparcialidade e neutralidade.
E muito menos por violar disposições constitucionais, com o princípio da igualdade.
Porquanto, nos referidos cartazes não se faz qualquer alusão ao cargo que o candidato ocupa e nem tal atitude se poderá igualmente inferir da utilização da palavra 'Presidente', ou do símbolo heráldico da CM, que, têm sido utilizados por todo o País pelas diversas candidaturas.
Esta interpretação extensiva, a ser feita, ultrapassa os limites do razoável, como sucede no caso em apreço, e tornará inviável toda e qualquer campanha eleitoral.
E, mais grave ainda, restringiria o direito à liberdade de expressão previsto no artº 37º da CRP'.
2. Foi notificado, por fax, 'o Partido Social Democrata para se pronunciar, querendo, sobre o objecto do recurso', conforme despacho do Exmº Cons. Vice-Presidente, mas nada disse.
3. Cumpre decidir.
Não estando em causa a legitimidade do recorrente, nem a tempestividade do recurso (cfr. o artigo 102º-B, nº 2, da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, aditado pelo artº 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), e não oferecendo dúvidas que a deliberação em causa constitui acto administrativo, nas perspectivas material, horizontal e vertical, há que apreciar o mérito da causa e saber se procede ou não a invocada violação de lei.
A Comissão Nacional de Eleições fundou-se essencialmente na ideia de que 'qualquer campanha que contenha uma mensagem em que se confunde a figura do candidato do Partido Socialista com a do Presidente da respectiva Câmara Municipal vem chamar a atenção dos cidadãos para essa mensagem comum e pode influenciar o voto do eleitorado', havendo que 'reconhecer que, objectivamente, aquela similitude favorece em certa medida o Partido Socialista' (e registando-se ainda que 'parece clara a utilização simultânea da qualidade de Presidente da Câmara, ao inserir o símbolo heráldico do município e a referência 'Presidente A.’ (...)')
'Acrescente-se que o referido candidato sendo simultaneamente Presidente da Câmara Municipal da Lourinhã está particularmente obrigado ao cumprimento do dever de neutralidade e imparcialidade, previsto no artº 48 do DL 701-B/76, de
29 de Setembro, do qual depende, como já foi dito, o princípio da igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas e igualdade de tratamento dos cidadãos.'
4. O eixo da questão está essencialmente em saber se foi ou não com a decisão administrativa violado o artº 48º do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro, que estabelece o dever de neutralidade e imparcialidade a que todas as entidades públicas estão especialmente obrigadas durante o decurso do processo eleitoral. E, independentemente de tal violação, se foi ou não violado o princípio de igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas acolhido naquele artigo 48º e no artigo 116º, nº 3, alínea b), da Constituição. Por último, se foram ou não ultrapassados 'os limites do razoável', restringindo-se 'o direito à liberdade de expressão previsto no artº 37º da CRP', talqualmente se expressa o recorrente.
Lê-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº
605/89:
'A própria Constituição da República erige a participação directa e activa dos cidadãos na vida política em condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático (artigo 112º).
A participação que, nomeadamente se concretiza no direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos políticos do país (artigo 48º, nº 1), afirma-se no direito de sufrágio cujo exercício é pessoal e constitui um dever cívico (artigo 49º, também da Lei Fundamental).
No decurso de uma campanha eleitoral, ao cabo da qual o exercício desse direito ocorrerá, as mensagens propagandísticas das forças políticas concorrentes, dirigidas aos cidadãos-eleitores abstracta e indiscriminadamente considerados, orientam-se, naturalmente, pelos parâmetros constitucionalmente estabelecidos para a liberdade de expressão e informação (artigo 37º do texto básico).
No entanto, o exercício da liberdade esgota-se, como o exercício de qualquer outro direito fundamental, nos próprios limites naturais deste.
Esses limites máximos estão expressamente previstos na Constituição e regulados por lei quando, em períodos eleitorais, se trate de recorrer a tempos de antena na rádio e na televisão, como o ilustra o nº 3 do artigo 40º - e legislação ordinária complementar.
Nem por isso inexistem nos demais casos permitindo-se o seu exercício em termos ilimitados.
Como qualquer direito fundamental, há que atender aos limites implícitos, se outros não existem, e que resultam, como observa J.C. Vieira de Andrade 'da parcela da realidade incluída na respectiva hipótese normativa' (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 1983, p.215).
Ora, se a mensagem propagandística é susceptível de seduzir o cidadão eleitor determinando-lhe a escolha, por via lateral, inquinando a formação da sua vontade que deve exprimir-se livremente, sem coacção ou vício algum, de modo a votar na lista de quem lhe prometa o sorteio de um automóvel, no caso de vitória dessa lista, o abuso é evidente, os limites são ultrapassados e, mais concretamente, cria-se uma situação de desigualdade entre candidaturas, subsumível à (...) alínea d) do nº 1 do artigo 5º da Lei nº 71/78 (de 27 de Dezembro).
Como refere Fulco Lanchester, na perspectiva do ordenamento jurídico-constitucional italiano, a actividade propagandística eleitoral deve desenvolver-se com respeito por um parâmetro fundamental na disciplina desta matéria: o da igualdade de oportunidades aos concorrentes, a par da possibilidade do cidadão-eleitor formar a sua opinião livremente (cfr.
'Propaganda elettorale' in Enciclopedia del Diritto, ed. Giuffrè, XXXVII, pp.
142 e 147)'(in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. XIV, pgs. 594/595).
Tais considerações podem perfeitamente transpor-se para a presente hipótese, com o condicionalismo registado na deliberação da Comissão Nacional de eleições, e vendo nela que:
- não há violação do artigo 48º do Decreto-Lei nº
701-B/76, pois, sendo ainda o recorrente Presidente da Câmara Municipal da Lourinhã (portanto, órgão da pessoa colectiva de direito público que é o município da Lourinhã) e também candidato do Partido Socialista à mesma Câmara, deveria ter sido observado a 'rigorosa neutralidade' estabelecida naquele preceito, o que não acontece com actos publicitários que o favorecem directamente perante os outros concorrentes com o apelo à figura actual de Presidente, e com a utilização do símbolo heráldico do município respectivo.
A mensagem levada ao eleitorado com tal publicidade coloca o recorrente em posição de possível vantagem, transmitindo-lhe a figura do Presidente da Câmara, como ele é no presente e quer continuar a ser com a vitória eleitoral, e funcionando como efeito subliminar atraente.
De igual modo, a deliberação em causa, ao ordenar à Câmara Municipal da Lourinhã a imediata remoção da propaganda do candidato ora recorrente, mostra-se conforme com o citado princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas.
- não há também compressão desmedida do direito fundamental da liberdade de expressão, consagrado no artigo 37º da Constituição, uma vez que a decisão administrativa em causa, ditada ao abrigo do citado artigo 48º, se contem nos limites do exercício desse direito. Pois que, esses limites decorrem dos princípios da igualdade e da imparcialidade a que está submetida a Administração Pública e, consequentemente, um Presidente de Câmara Municipal, por força do normativo do artigo 266º, nº 2, da mesma Constituição, conjugado com o artigo 13º, sobrelevando estes no confronto com o artigo 37º.
Com o que, e em suma, não merece censura a deliberação em causa da Comissão Nacional de Eleições, improcedendo a alegação do recorrente.
5. Termos em que, e DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 7 de Dezembro de 1993
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra com a declaração junta) Fernando Alves Correia Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves (com a declaração de voto junta).
Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta).
Antero Alves Monteiro Dinis (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
António Vitorino (vencido, nos termos da declaração de voto junta).
José de Sousa e Brito (vencido, pelo essencial das razões das declarações de voto dos Srs. Conselheiros Luís Nunes de Almeida, Monteiro Dinis e António Vitorino)
José Manuel Cardoso da Costa [Vencido. Cingindo-me ao estrito tema do requerimento de recurso - e deixando de lado, pois, outras e complexas questões, como, v. f., a da competência da Comissão Nacional de Eleições - entendi, para tudo dizer muito resumidamente, o seguinte: - que o artigo 48º do Decreto-Lei nº 701-B/76 não era convocável para apreciar a situação submetida à análise daquela comissão, tal como vejo essa situação desenhada e julgo que foi considerada, na deliberação recorrida; - que o princípio constitucional e legal da 'igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas' (art. 116º, nº 3-C, da Constituição e art. 5º, nº
1-d, da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro) não é violado quando um candidato a um cargo político, que exerce já o mesmo cargo, utiliza esta circunstância na sua propaganda eleitoral nos termos precisos em que, na hipótese sub judice, o fez o recorrente. Concederia, assim, provimento ao recurso].