Imprimir acórdão
Proc. nº 4/92 Plenário Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - O Procurador-Geral da República, no uso da competência conferida pelo artigo 281º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), da Constituição, em 6 de Janeiro de 1992, veio requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da alínea a), do nº 1, do artigo 3º do Regulamento dos Concursos da Carreira de Enfermagem do Ministério da Saúde, aprovado pelo Despacho nº 11/87, de 13 de Junho de 1987, do Ministro da Saúde, publicado no Diário da República, II série, nº 209, de 11 de Setembro de 1987, com base no seguinte conjunto de fundamentos:
* Como desenvolvidamente se demonstra no parecer nº 71/91, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido, os estrangeiros gozam, em princípio, dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses, com excepção, entre outros, do 'exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico'.
* A expressão 'exercício de funções que não tenham carácter predominantemente técnico' deve ser interpretada, não à luz do seu grau de tecnicidade, mas sim segundo o critério de prevalência das componentes da autoridade ou da tecnicidade do cargo, considerando-se, assim, abrangidas pela excepção ao princípio da equiparação apenas as funções públicas em que a componente da autoridade prevaleça sobre a componente da tecnicidade do cargo.
* Neste sentido, têm carácter predominantemente técnico não apenas as funções exercidas pelos enfermeiros de grau 1, titulares da categoria de ingresso na carreira de enfermagem [artigo 1º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 134/87, de
17 de Março, e artigos 3º e 9º do Decreto-Lei nº 178/85, de 23 de Maio], mas também as funções correlativas às categorias correspondentes aos demais graus da carreira de enfermagem elencados no artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/87, pois, como se assinala na nota 39 do aludido parecer, a técnica da prestação de cuidados de saúde e a técnica de instrução prevalecem sobre a parcela de autoridade que encerram, significando que, no seu exercício, assiste a predominância técnica em detrimento do conteúdo da autoridade.
* Assim, a norma da alínea a), do nº 1, do artigo 3º do aludido Regulamento dos Concursos da Carreira de Enfermagem do Ministério da Saúde, ao considerar requisito geral para o provimento nos lugares da carreira de enfermagem a detenção da nacionalidade portuguesa, está ferida de inconstitucionalidade, por violação do artigo 15º, nºs 1 e 2, da Constituição.
*///*
2 - Em obediência ao disposto no artigo 54º da Lei do Tribunal Constitucional, foi notificado o Ministro da Saúde a fim de, querendo, se pronunciar sobre a matéria do pedido, não havendo porém oferecido qualquer resposta.
Caberia agora passar a apreciar e decidir.
Todavia, porque o Decreto-Lei nº 178/85, de 23 de Maio, com base no qual foi expedido o Regulamento dos Concursos da Carreira de Enfermagem do Ministério da Saúde, em que se inscreve a norma controvertida, veio entretanto a ser revogado, cumpre indagar, antes de mais, das consequências daí decorrentes, nomeadamente no plano da existência de um interesse jurídico relevante no conhecimento do pedido.
*///*
3 - Considerando que a carreira de enfermagem se encontrava 'manifestamente desactualizada e desadequada das necessidades presentes', o Decreto-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro, procedeu à aprovação de um novo regime legal dessa carreira, alterando a sua estrutura, nomeadamente, no âmbito dos conteúdos funcionais das diferentes categorias, das condições de ingresso e de acesso e das regras próprias do recrutamento e selecção do pessoal.
E, como corolário lógico do sistema ali implementado, foi decretada, além de outras, a revogação do Decreto-Lei nº
178/85, de 23 de Maio e legislação complementar e do Decreto-Lei nº 134/87, de
17 de Março (com excepção do artigo 5º), nos quais eram definidas as áreas de actuação da carreira de enfermagem, os graus e categorias do seu desenvolvimento, assim como os respectivos conteúdos funcionais.
A propósito do regime de recrutamento e selecção do pessoal, dispunha o artigo 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 178/85, que 'os concursos de ingresso e acesso previstos para as diferentes categorias da carreira são reguladas por despacho do Ministério da Saúde', sendo nesta norma que se suportou o despacho do Ministro da Saúde que aprovou o Regulamento dos Concursos da Carreira de Enfermagem do Ministério da Saúde, publicado no Diário da República, II série, de 11 de Setembro de 1987, questionado no pedido.
Ora, o Decreto-Lei nº 437/91, numa linha de continuidade do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, que havia definido o novo regime geral de recrutamento e selecção do pessoal para a Administração Pública, como aliás logo se refere no relatório preambular, incluiu no seu articulado (Capítulo IV - artigos 18º a 42º) toda a disciplina respeitante aos concursos e às regras de recrutamento e selecção do pessoal de enfermagem.
Deste modo, a partir da entrada em vigor daquele diploma, os concursos do pessoal de enfermagem passaram a processar-se pelas regras próprias ali definidas, deixando de ter qualquer aplicação a disciplina jurídica contida no Regulamento de 1987.
À luz deste quadro normativo, justificar-se-á a apreciação e julgamento do mérito do pedido?
*///*
4 - Como tem sido definido pela jurisprudência uniforme deste Tribunal, a circunstância de uma determinada norma ter sido revogada não implica, por si só, a falta de interesse jurídico no conhecimento da sua eventual inconstitucionalidade e respectiva declaração com força obrigatória geral (cfr. por todos, os Acórdãos nºs 124/87, 238/88, 175/93 e
397/93, Diário da República, II série, de, respectivamente, 12 de Maio de 1987,
21 de Dezembro de 1988, 29 de Abril e 14 de Setembro de 1993).
Com efeito, uma declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, produzindo efeitos retroactivos, ex tunc (artigo 282º, nº 1, da Constituição) sempre poderia tornar
útil a fiscalização da constitucionalidade, na medida em que tal norma, enquanto em vigor, tivesse produzido efeitos medio tempore, que se mantivessem até ao momento do proferimento daquela decisão.
Aquela jurisprudência tem exigido que, nos casos de apreciação da inconstitucionalidade de normas revogadas em processos de fiscalização abstracta sucessiva, se verifique um interesse 'com conteúdo prático apreciável' que permita justificar o 'accionamento de um mecanismo de
índole genérica e abstracta' como é a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
Ora, na situação em apreço, não se verifica a existência de qualquer interesse de 'conteúdo prático apreciável' susceptível de justificar o conhecimento do objecto do pedido.
A norma impugnada deixou de ter aplicação a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 437/91, em 1 de Janeiro de 1992, não sendo configurável que ainda subsistam, pendentes, efeitos dela decorrentes. Mas, mesmo que assim acontecesse, seria manifestamente excessivo e desproporcionado, fazer prosseguir o presente processo até à eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, apenas para contemplar os litígios porventura existentes na sequência de impugnação judicial.
Conclui-se assim, no sentido da inexistência de interesse jurídico relevante na apreciação do objecto do pedido.
*///*
5 - Na decorrência do exposto, decide-se não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da alínea a) do nº 1 do artigo 3º do Regulamento dos Concursos da Carreira de Enfermagem do Ministério da Saúde, aprovado pelo Despacho nº 11/87, de 13 de Junho de 1987, do Ministério da Saúde, publicado no Diário da República, II série, de 11 de Setembro de 1987.
Lisboa, 27 de Outubro de 1993
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Bravo Serra
Maria da Assunção Esteves
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Messias Bento
Luís Nunes de Almeida