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Proc. nº 850/93 Plenário Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I
1. Através de telecópia recebida na secretaria do Tribunal Constitucional no dia 22 de Dezembro de 1993, pelas catorze horas e dezasseis minutos, A., mandatário do partido MOVIMENTO O PARTIDO DA TERRA (MPT) no concelho de Esposende, veio interpor recurso para este Tribunal, nos termos dos arts. 103º e 104º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, 'das irregularidades cometidas no decurso do processo eleitoral, da votação e das deliberações tomadas pela Assembleia de Apuramento Geral (AAG) do Município de Esposende sobre as reclamações apresentadas na secção de voto nº 1 da Assembleia de voto da Freguesia de Vila-Chã, daquele concelho.'
Depois de ter justificado a sua legitimidade para interpor o recurso e de ter alegado factos tendentes a demonstrar a tempestividade do mesmo, fundamentou do seguinte modo a impugnação por si deduzida, relativamente às denunciadas irregularidades:
- O actual presidente da Junta de Freguesia de Vila-Chã é candidato à assembleia desta freguesia nas eleições de 12 de Dezembro de 1993 pelo Partido Social Democrata - PPD/PSD, tendo adoptado durante todo o processo eleitoral dos órgãos das autarquias locais uma actuação contrária à prevista na respectiva lei eleitoral e às regras mais elementares de um Estado de Direito democrático, nomeadamente tudo tendo feito para não dar cumprimento ao disposto no art. 37º, nº 1, do Decreto-Lei nº 701-B/76, respeitante à designação dos membros das mesas das assembleias de voto, situação que só foi corrigida por intimação do tribunal de comarca;
- Com tal actuação, pretendia controlar plenamente as mesas das assembleias de voto, 'no sentido de permitir as maiores arbitrariedades no decorrer da votação, principalmente porque tinha a convicção plena de que as pessoas que votaram acompanhadas votariam na lista que encabeçava', assim conseguindo a maioria na secção de voto nº 1, onde ocorreram várias irregularidades;
- O mesmo autarca apregoara várias vezes que '«votaria toda a gente[»]: os dementes, os que já não residem na freguesia e os duplamente inscritos', atitude que levou o ora recorrente a solicitar cópias dos cadernos eleitorais. Tal pedido não foi despachado, a pretexto da necessidade de obtenção de parecer da Câmara Municipal, tendo o ora recorrente requerido depois a passagem de tais cópias ao Juiz de Esposende. Tal pedido foi, porém, indeferido, tendo tal decisão espantado o recorrente;
- O MPT, partido de que o recorrente é mandatário, só foi constituído em Agosto de 1993, não tendo, por isso, os seus militantes e representantes tido 'acesso à fiscalização dos cadernos eleitorais no prazo de exposição e reclamação';
- O recorrente apurou, apesar de não ter conseguido cópias dos cadernos eleitorais, que existem eleitores inscritos noutras freguesias, além de constarem do recenseamento de Vila-Chã (casos dos eleitores A., B. e C., eleitores nºs --------, ----------- e -------------, também recenseados pelas freguesias de Palme, o primeiro, e Belinho os dois últimos), eleitores esses que
'provavelmente, terão votado em mais do que uma assembleia de voto' (isto, porque a descarga nos cadernos de Vila-Chã 'foi feita com cruzes a lápis, susceptíveis de serem apagadas a posteriori e, como tal, não merecem credibilidade'). Na medida em que o MPT não teve acesso, em tempo, aos cadernos eleitorais, não foi possível a este partido, contrariamente ao PSD, 'identificar os eleitores que residem fora da freguesia mas que lá vão votar e levarmos até eles a nossa campanha, violando-se descaradamente o art. 47º do Dec.-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro, bem como o art. 42º';
- Durante a votação foram cometidas irregularidades de diverso tipo. Assim, as descargas de voto nos cadernos eleitorais não respeitaram o estipulado no art.
84º, nº 3, da citada lei eleitoral, não tendo sido 'rubricadas pelos escrutinadores na coluna a isso destinada, mas apenas assinaladas, a lápis, com uma cruz', o que torna 'muito fácil a falsificação das descargas. ou o seu apagamento, não merecendo, por esse motivo, qualquer credibilidade';
- Por outro lado, 'os membros da mesa da secção de voto nº 1 não apensaram à acta os protestos apresentados pelo delegado do PS, violando, desse modo, e descaradamente o art. 86º, nº 2 do citado D.L.';
- Tais protestos foram elaborados 'por um médico, com conhecimento directo dos doentes como se demonstrará de seguida, e clínica e cientificamente fundamentados, como resulta aliás de decisão da mesa', o qual é médico de família, nomeadamente do eleitor E., abaixo referido;
- É mais estranho ainda que a assembleia de apuramento geral (AAG) tenha
'apreciado os referidos protestos sem aqueles terem sido, aparentemente, apensos
à acta da secção de voto onde foram apresentados';
- Os referidos protestos foram apresentados pelo representante do PS, a pedido do MPT, atendendo a que os candidatos do PSD 'já tinham prevenido os eleitores de que «os novos (isto é, o partido dos novos-MPT) iriam impedir que os velhos e deficientes votassem acompanhados [»]'. Face a tal prevenção e 'atendendo ao baixo nível cultural da população daquela freguesia, tal facto seria, certamente, contraproducente, levando à revolta contra o MPT';
- Existe uma contradição, porque é referido na acta, a fls 7, que a decisão da mesa foi tomada, quanto à eleitora nº ------, F., por unanimidade, e a fls. 19, apenas por maioria;
- As deliberações da mesa sobre os protestos do PS carecem de fundamentação, sendo apenas invocado o artigo ao abrigo do qual a mesa permitiu que certos eleitores votassem acompanhados, mostrando-se violado o nº 4 do art. 86º do Decreto-Lei nº 701-B/76, e tais deliberações 'apontam no sentido da demência notória dos eleitores nºs ------ e ----- e das dúvidas sobre a deficiência visual relativamente ao eleitor nº -----'. A mesa reconhece a demência notória dos eleitores F. e E. - o que implica a sua incapacidade eleitoral - mas socorre-se do art. 70º da lei eleitoral autárquica para fundamentar de direito a sua decisão, preceito que apenas permite que votem acompanhadas as pessoas afectadas por deficiência física notória, e não por anomalia psíquica. Ora, mesmo que esses eleitores não sofressem de incapacidade eleitoral, não podia ser invocado aquele art. 70º, visto que tais situações não cabem na sua previsão;
- Impõe-se a discordância com a decisão constante da acta da assembleia de apuramento geral (AAG) relativamente ao eleitor H., visto que 'aquela assembleia de apuramento aceitou de bom grado a convicção da mesa relativamente à alegada cegueira, e já não em relação às deficiências mentais', o que traduz notória dualidade dos critérios adoptados, dualidade que se revela perfeitamente arbitrária;
- A situação de demência notória dos dois eleitores em causa é comprovada por dois médicos conhecedores da anomalia dos mesmos;
- A eleitora F. votou acompanhada de sua mãe, sendo irmã de um dos candidatos do PSD à assembleia de freguesia de Vila Chã (G.), relação de parentesco que é comprovada pelas certidões de nascimento juntas aos autos;
- Relativamente ao protesto do PS sobre o modo por que o eleitor nº -----, H., votou acompanhado, resulta claro da decisão da mesa que a alegada deficiência visual não é notória, pelo que teria de ser exigido o comprovativo previsto no nº 2 do art. 70º da referida lei eleitoral;
- Verificaram-se durante o acto eleitoral várias irregularidades, mostrando-se violados os arts. 3º, b), 37º, 42º, 47º, 70º, nº 2, 84º, nº 2, e 86º, nºs 2, 3 e
4, do Decreto-Lei nº 701-B/76, tendo a decisão da AAG confirmado a decisão da mesa da secção, o que desde logo se impugna, havendo as mesmas irregularidades sido, 'quando possível, objecto de protesto apresentado no acto em que se verificaram';
- O partido recorrente perdeu a eleição para assembleia de freguesia por uma diferença de dois votos (410-412 votos);
- O atendimento do recurso quanto às irregularidades denunciadas é susceptível de alterar o resultado geral da eleição em causa.
Conclui pela procedência do recurso, com a consequente anulação da eleição para a assembleia de freguesia indicada.
2. Com a petição de recurso, o recorrente juntou onze documentos:
- certidão, passada em 21 de Dezembro de 1993 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, respeitante a vários documentos, requerimentos e decisões extraídos do processo de candidatura às eleições da assembleia de freguesia de Vila Chã (Doc. nº 1);
- certidão da afixação do edital previsto no art. 99º do Decreto-Lei nº
701-B/76, passada pela Câmara Municipal de Esposende em 21 de Dezembro de 1993
(Doc. nº 2);
- certidões de algumas folhas dos cadernos de recenseamento eleitoral das secções de voto nº 2 da freguesia de Vila Chã, e nº 2 da freguesia de Belinho passadas pelo Governo Civil do Distrito de Braga em 21 de Dezembro de 1993 (docs nº 3 e 5);
- certidão passada pelo presidente da comissão recenseadora da freguesia de Palme, do concelho de Barcelos, em 20 de Dezembro de 1993 (Doc. nº 4);
- certidão, passada em 21 de Dezembro de 1992 pelo Governo Civil do Distrito de Braga, da acta das operações eleitorais da secção de voto nº 1 da assembleia de freguesia de Vila-Chã (doc. nº 6);
- certidão, passada pela Câmara Municipal de Esposende em 20 de Dezembro de
1993, dos resultados eleitorais na freguesia de Vila Chã e das deliberações constantes da acta da assembleia de apuramento geral relativas à secção de voto nº 1 da mesma freguesia (doc. nº 7);
- atestado subscrito por dois médicos respeitante ao estado de saúde mental de dois eleitores (F. e E.) (Doc. nº 8);
- duas certidões de nascimento de F. e de G. (Docs. nºs 9 e 10);
- conjunto de três requerimentos subscritos pelo recorrente a pedir a passagem de certidões da acta de operações eleitorais e de cadernos de recenseamento eleitoral e certidão passada pela Câmara Municipal de Esposende (Doc. nº 11)
3. Distribuído o processo ao ora relator, foram recebidos os originais da petição de recurso e dos documentos anexos em 23 de Dezembro de 1993, isto é, no dia seguinte ao do recebimento da telecópia dos mesmos. Foi ordenada a sua junção aos autos.
II
4. Importa verificar se é tempestivo o presente recurso e se se verificam os restantes pressupostos processuais que permitam ao Tribunal Constitucional conhecer do seu objecto.
Recorde-se que o recorrente interpõe o presente recurso nos termos dos arts. 103º e 104º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, e 102º da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando pretender impugnar, através do mesmo, 'irregularidades cometidas no decurso do processo eleitoral, da votação e das deliberações tomadas pela Assembleia de Apuramento Geral (AAG) do Município de Esposende sobre as reclamações apresentadas na secção de voto nº 1 da Assembleia de Freguesia de Vila-Chã, daquele concelho'.
5. Na parte inicial da petição de recurso, o recorrente alega os factos que justificam a sua legitimidade para a interposição desse recurso e a tempestividade do mesmo.
Assim, alega ser 'mandatário da lista do «MOVIMENTO O PARTIDO DA TERRA», concorrente à eleição da Assembleia de freguesia de Vila-Chã, do concelho de Esposende' (art. 1º) afirmando que, apesar de não ter sido o apresentante dos protestos que servem de fundamento ao presente recurso, a sua legitimidade está assegurada nos termos do nº 2 do art. 103º da referida lei eleitoral.
Indica, ainda, que o presente recurso é tempestivo,
'já que o edital a que se refere o art. 99º do citado DL [nº 701-B/76] foi afixado no dia 20 do corrente mês, pelas 16h 00, conforme certidão emitida pela Câmara Municipal de Esposende que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais' (art. 4º).
Analisados os documentos remetidos com a petição de recurso, mostra-se comprovada a qualidade invocada pelo recorrente, de mandatário concelhio do Movimento O Partido da Terra (MPT) (Doc. nº 1, a fls. 9 e 10 dos autos), bem como a circunstância de o MPT ter concorrido às eleições para a assembleia de freguesia de Vila Chã (doc. nº 7).
A circunstância de não ter o recorrente sido o autor de protestos apresentados perante a mesa de uma secção de voto ou perante as assembleias de apuramento parcial ou geral não impede que aquele possa impugnar a decisão proferida na sequência desses protestos. De facto, e como sustenta o recorrente, a Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais exige como pressuposto do recurso que as irregularidades 'hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentados no acto em que se verificaram' (art. 103º, nº 1), mas para a impugnação têm legitimidade 'além do apresentante da reclamação, protesto ou contraprotesto, os candidatos, os seus mandatários e os partidos políticos que na área do município concorram à eleição' (nº 2 do citado art. 103º).
Entende-se igualmente que o presente recurso foi tempestivamente interposto, tal como é alegado pelo recorrente.
De facto, as telecópias da petição de recurso e dos documentos anexos deram entrada na secretaria do Tribunal Constitucional em 22 de Dezembro de 1993, pelas 14 horas e 16 minutos, dentro do prazo de 48 horas previsto no nº 1 do art. 104º da Lei Eleitoral referida, visto que a afixação do edital previsto no art. 99º desta última lei ocorreu no dia 20 de Dezembro, pelas 16 horas (Doc. nº 2 junto aos autos).
6. Como se viu, o recurso em apreciação foi interposto ao abrigo dos arts. 103º e 104º do Decreto-Lei nº 701-B/76. Na verdade, estes artigos foram expressamente invocados pelo recorrente na sua petição de recurso.
Resulta, porém, da leitura desta petição que nem todas as irregularidades invocadas pelo recorrente ocorreram 'no decurso da votação e no apuramento parcial e geral' (art. 103º, nº 1, do Decreto-Lei nº
701-B/76).
O recorrente alega como fundamentos do recurso irregularidades que teriam sido praticadas durante o processo eleitoral, mas antes do acto de votação, a par de irregularidades ocorridas durante a votação e no apuramento parcial e geral. Indicam-se, em seguida, as irregularidades do primeiro tipo:
- ilegal denegação de cópias fiéis dos cadernos eleitorais pelo presidente da Junta de Freguesia de Vila Chã, não obstante o ora recorrente ter pedido tais cópias em 18 de Novembro de 1993, ao abrigo dos arts. 34º, nº 3, e 70º, nº 2, da Lei do Recenseamento Eleitoral (Lei nº 69/78, de 3 de Novembro);
- duplicação de inscrição no recenseamento eleitoral de duas freguesias distintas dos mesmos cidadãos eleitores (no número de três), enquanto indiciadora da probabilidade de os mesmos terem exercido o seu direito de sufrágio mais de uma vez, em diferentes freguesias;
- violação do princípio da igualdade de oportunidades das candidaturas assegurado pelo art. 47º do Decreto-Lei nº 701-B/76, decorrente da ilegal denegação de cópia dos cadernos eleitorais ao recorrente, na medida em que teria, assim, sido impedido o MPT de levar ao conhecimento dos eleitores já residentes fora da área da freguesia de Vila-Chã, mas ainda inscritos nos cadernos do recenseamento desta última, as propostas e o programa do partido, divulgados durante a campanha eleitoral.
Ora, considera-se manifesto que nenhuma destas irregularidades pode constituir fundamento do recurso de contencioso eleitoral interposto ao abrigo dos arts. 103º e 104º do Decreto-Lei nº 701-B/76, não podendo o Tribunal Constitucional delas tomar conhecimento.
Verifica-se mesmo que a denegação de cópia dos cadernos de recrutamento eleitoral foi impugnada pelo recorrente através de um requerimento dirigido ao Juiz de Direito de Esposende a solicitar a intimação judicial do presidente da Junta de Freguesia de Vila-Chã para a passagem da certidão solicitada (Doc. nº 1, a fls. 24 a 30). Tal requerimento foi indeferido por despacho judicial, não podendo este Tribunal Constitucional censurar esse despacho no presente momento (poderia, é claro, o recorrente ter impugnado a eventual omissão da prática de um acto da administração eleitoral nos termos do art. 102º -B da Lei do Tribunal Constitucional, mas tal não sucedeu).
Tão-pouco pode o Tribunal Constitucional apreciar a irregularidade decorrente da violação dos arts. 42º e 47º do Decreto-Lei nº
701-B/76. Independentemente de o recorrente não ter logrado demonstrar que requerera cópia dos cadernos eleitorais ao presidente de Câmara Municipal de Esposende nos termos do art. 42º, nº 3, daquele diploma legal, a verdade é que qualquer irregularidade, a ter existido, deixou de poder ser invocada, a partir do momento em que ocorreu o acto eleitoral de 12 de Dezembro de 1993. Todo o processo eleitoral decorre segundo um sistema faseado 'em cascata', ficando sanadas eventuais irregularidades ocorridas numa fase anterior e que não hajam sido tempestivamente impugnadas (princípio de aquisição progressiva dos actos do processo eleitoral - cfr. Acórdãos nºs 262/85 e 322/85 deste Tribunal, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6º, págs. 1003 e segs., e 1113 e seguintes).
Por último, e no que toca à alegada duplicação de inscrições nos recenseamentos eleitorais de duas freguesias diferentes dos mesmos cidadãos, não pode tal irregularidade praticada no domínio das operações de recenseamento ser vista como uma irregularidade do acto de votação, independentemente de ter sido objecto ou não de reclamação, nos termos dos arts.
34º e seguintes da Lei do Recenseamento Eleitoral. Os três eleitores indicados pelo recorrente exerceram o seu dever de sufrágio na freguesia de Vila-Chã, mostrando-se descarregados os respectivos nomes nos cadernos eleitorais da secção de voto nº 2 dessa freguesia (Doc. 3). O recorrente provou documentalmente que constam do recenseamento de outras freguesias cidadãos eleitores com o mesmo nome (Docs. nº 4 e 5), mas, relativamente a duas dessas pessoas inscritas na freguesia de Belinho, não se mostram descarregados os respectivos votos nessa freguesia na eleição de 12 de Dezembro de 1993 (Doc. nº
5), razão por que não existem, quanto a essas pessoas, indícios de que tenham cometido o ilícito previsto no art. 125º do Decreto-Lei nº 701-B/76 (voto plúrimo). Não pode, por isso, conhecer-se deste fundamento do recurso, por razões análogas às referidas quanto aos dois fundamentos acabados de analisar.
7. Restam as irregularidades invocadas pelo recorrente e que se podem reconduzir às previstas no art. 103º, nº 1, do Decreto-Lei nº 701-B/76.
São as seguintes:
- não observância do estipulado no nº 3 do art. 83º desta lei eleitoral, no que toca às descargas de voto nos cadernos eleitorais;
- não observância do nº 2 do art. 86º do Decreto-Lei nº 701-B/76, no que toca aos protestos apresentados pelo delegado do Partido Socialista na secção de voto nº 1 da freguesia de Vila-Chã;
- violação do disposto nos arts. 3º, alínea b), e 70º, nº 2, do mesmo diploma, na medida em que a mesa da secção de voto nº 1 autorizou que votassem acompanhadas duas pessoas que alegadamente sofreriam de demência notória e uma que não comprovou sofrer de deficiência visual;
- falta de fundamentação das deliberações da mesa da secção de voto nº 1 da freguesia de Vila-Chã, tomadas relativamente aos protestos apresentados pelo delegado do Partido Socialista;
- contradição do relato feito na acta das operações eleitorais sobre se houve ou não unanimidade da mesa no que toca à tomada de deliberação respeitante à eleitora F.;
O ora recorrente impugna ainda a deliberação tomada pela assembleia de apuramento geral de contar os boletins de voto dos três eleitores, objecto de protestos apresentados pelo delegado do P.S. (cfr. art.
97º. nº 2, do Decreto-Lei nº 701-B/76) contagem que decorreu de uma deliberação de indeferimento dos mesmos protestos. Mas tem de entender-se que tais deliberações não se revestem de autonomia, porque está colocada ao Tribunal Constitucional a questão da legalidade das deliberações da mesa da secção de voto nº 1 da freguesia de Vila-Chã respeitantes aos protestos formulados quanto aos três eleitores que teriam votado indevidamente acompanhados.
Considerando as cinco irregularidades acima indicadas, é manifesto que o Tribunal Constitucional não pode conhecer da primeira delas, visto não ter o recorrente provado que sobre tal irregularidade haja sido formulado protesto na assembleia de voto ou durante o apuramento parcial (cfr. Documentos nºs 6 e 7). O mesmo se diga quanto à irregularidade indicada em segundo lugar, sendo certo que a assembleia de apuramento geral tomou deliberações sobre esses protestos, fazendo fé nos elementos constantes da acta das operações eleitorais da citada secção de voto nº 1 da freguesia de Vila Chã.
Quanto à irregularidade indicada em terceiro lugar, acham-se reunidas as condições para o Tribunal Constitucional apreciar este fundamento do recurso.
Na verdade, houve protesto durante a votação (cfr. Docs. nºs 6 e 7), acha-se junta fotocópia autenticada da acta das operações eleitorais na secção de voto em causa, tendo o recorrente demonstrado através de certidão que os votos protestados foram contados pela assembleia de apuramento geral e que tais votos protestados, a terem sido ilegalmente admitidos, são susceptíveis de influir no resultado geral de eleição para a assembleia de freguesia de Vila-Chã, visto o PSD ter triunfado sobre o MPT por uma diferença de dois votos (Doc. nº 7)
Relativamente às irregularidades indicadas em quarto e quinto lugares, revelam-se as mesmas de natureza instrumental relativamente à indicada em terceiro lugar, não dispondo por isso de autonomia como fundamentos cumulados neste recurso.
8. Há, assim, que conhecer do objecto do recurso apenas quanto à irregularidade indicada em terceiro lugar, como se viu.
III
9. As irregularidades alegadas pelo recorrente têm a ver com o sufrágio exercido por três eleitores da secção de voto nº 1 da freguesia de Vila-Chã. Por um lado, os eleitores F. e E., com os números ----- e
------ respectivamente, votaram acompanhados por outros eleitores, apesar de serem notoriamente dementes. Por outro lado, o eleitor nº -----, H., votou acompanhado por apresentar deficiência visual, apesar de não comprovada pelo meio previsto na lei.
Tratar-se-ia de alegadas violações do disposto no art. 70º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 701-B/76, normas que se transcrevem:
'1 - Os cegos e quaisquer outras pessoas afectadas por doença ou deficiência física notórias que a mesa verifique não poderem praticar os actos descritos no artigo 84º votam acompanhadas de um cidadão eleitor por si escolhido que garanta a fidelidade de expressão do seu voto, que fica obrigado a absoluto sigilo.
2. Se a mesa decidir que não pode verificar a notoriedade da cegueira, da doença ou da deficiência física, deve ser apresentado no acto de votação certificado comprovativo da impossibilidade da prática dos actos descritos no artigo 84º, emitido e subscrito pelo delegado de saúde municipal ou seu substituto legal e autenticado com o selo do respectivo serviço.'
10. O sufrágio exercido pelos eleitores F. e E..
Da acta das operações eleitorais (Doc. nº 6, a fls.
55), consta o seguinte:
'O eleitor nº ------- F. votou acompanhada por apresentar incapacidade física e de coordenação motora. Esta decisão foi tomada por unanimidade da mesa e protestada pelo P.S. [...]
O eleitor nº ------- E. votou acompanhado por apresentar incapacidade de coordenação motora. Esta decisão foi tomada por maioria da mesa e protestada pelo P.S.' (fls. 7 da acta)
A fls. 19 do mesmo Doc. nº 6 (a fls. 67 dos autos), em impresso anexo de modelo AL-20 ('Decisão da mesa'); transcrevem-se os protestos apresentados por I., delegado do Partido Socialista, bem como as deliberações tomadas pela mesa da secção de voto:
'Os eleitores F. e E. votaram apesar de serem notórias as suas deficiências mentais e não terem apresentado certificado comprovativo da impossibilidade da prática dos actos descritos no artigo 84º da Lei Eleitoral [...] deliberou esta mesa por unanimidade, que o eleitor(es) F. votou acompanhada ao abrigo do artigo 70º da lei eleitoral e os eleitores E. [...] por maioria absoluta ao abrigo do mesmo artigo'.
Na assembleia de apuramento geral, a deliberação de contagem dos votos destes dois eleitores decorreu da deliberação, tomada por unanimidade, 'de indeferir tais protestos com os seguintes fundamentos: relativamente aos eleitores F. e E., não obstante constar da decisão da Mesa serem notórias as suas deficiências mentais, não constam da acta quaisquer elementos que permitam concluir pela existência de uma falta do domínio de vontade, sendo de realçar, no que concerne a esse aspecto que a decisão da Mesa de Secção de voto foi tomada por maioria e na presença das pessoas em causa'
(Doc. nº 7, a fls. 70 dos autos).
Entretanto e no presente recurso foi junto um atestado, subscrito conjuntamente pelos médicos I. e J., datado de 21 de Dezembro de 1993, com as assinaturas reconhecidas notarialmente por semelhança, que reza o seguinte:
'... atestam sob compromisso de honra e para efeitos de recurso contencioso eleitoral junto do Tribunal Constitucional que F. e E., residentes e eleitores na Freguesia de Vila-Chã, do concelho de Esposende, são por nós, bem como naquela freguesia, notoriamente reconhecidos como dementes, apresentando sinais evidentes de oligofrenia com atraso psico-motor.
Mais, declara o primeiro dos médicos que presta serviço na extensão de Forjães do Centro de Saúde de Esposende, à qual pertencem aquela freguesia e aqueles doentes, sendo inclusivamente médico de família do E..
Por último, declaram que, tendo sido delegado efectivo e suplente, respectivamente do PS, junto à secção de voto nº 1 da Assembleia de voto daquela freguesia apresentaram protesto, por incapacidade eleitoral, à votação daqueles eleitores'. (Doc. nº 8, a fls. 72 dos autos)
Dos elementos documentais referidos, verifica-se, pois, que houve oposição de um delegado do Partido Socialista, médico a prestar serviço na extensão do Centro de Saúde municipal que abrange a freguesia de Vila-Chã, a que estes dois eleitores exercessem o seu direito de voto acompanhados, por estarem notoriamente afectados de deficiências mentais 'e não terem apresentado certificado comprovativo da impossibilidade da prática dos actos descritos no artigo 84º da Lei Eleitoral'. Tais protestos foram indeferidos, num caso por deliberação unânime e noutro caso por deliberação tomada por maioria absoluta (não parece haver contradição entre o que consta da acta das operações eleitorais e o teor do documento avulso de fls. 19 anexo ao Doc. nº 6, ao contrário do que alega o recorrente: de facto, a mesa nas suas deliberações aproveitou uma parte impressa do modelo fornecido pelo S.T.A.P.E. tendo riscado a expressão 'por maioria absoluta dos membros', querendo significar que a 1ª deliberação foi tomada por unanimidade)
O art. 3º do Decreto-Lei nº 701-B/76 considera que carecem de capacidade eleitoral, não sendo, por isso, eleitores 'os notoriamente reconhecidos como dementes, ainda que não estejam interditos por sentença, quando internados em estabelecimento psiquiátrico, ou como tais declarados por uma junta de dois médicos' [alínea b)].
Nos termos da lei do recenseamento, todos os cidadãos que gozem de capacidade eleitoral devem ser inscritos no recenseamento (art. 2º da Lei nº 69/78, de 3 de Novembro). Sendo a validade do recenseamento permanente
(art. 7º, nº 1, da mesma lei), bem se compreende que devam ser eliminadas dos cadernos de recenseamento 'as inscrições de cidadãos abrangidos pelas incapacidades eleitorais previstas na lei' (art. 31º, nº 1, alínea e), da citada Lei nº 69/78, redacção introduzida pela Lei nº 81/88, de 20 de Julho).
A inscrição de um cidadão no caderno de recenseamento
'implica a presunção de que tem capacidade eleitoral', só podendo tal presunção ser 'ilidida por documento, que a entidade recenseadora possua ou lhe seja apresentado, comprovativo da morte do eleitor ou de alteração da respectiva capacidade eleitoral' (art. 8º, nºs 1 e 2, da Lei nº 69/78).
Traçado o quadro das disposições legais relevantes, importa apreciar se merece provimento o recurso quanto à deliberação de autorização de estes dois eleitores votarem acompanhados.
Cabe notar que os referidos eleitores dispunham de uma capacidade eleitoral presumida, a qual podia ser ilidida nos termos da alínea b) do art. 3º do Decreto-Lei nº 701-B/76. No caso presente, não ocorreu tal ilisão da presunção, não podendo, por isso, os mesmos ser eliminados supervenientemente dos cadernos de recenseamente.
Significará esta afirmação que o recurso deve ser rejeitado?
Seria precipitada tal conclusão.
De facto, o recorrente invoca que se mostram violados não só o art. 3º, alínea b), desta lei eleitoral, como o nº 2 do art. 70º da mesma. Sustenta efectivamente que a deliberação da mesa foi ilegal, na medida em que o delegado de um dos partidos concorrentes na autarquia municipal, médico de profissão, suscitou a questão de falta de capacidade eleitoral, invocando o seu conhecimento das deficiências mentais que afectariam ambos os eleitores, exigindo a apresentação do certificado comprovativo da impossibilidade da prática dos actos descritos no artigo 84º da Lei Eleitoral referida.
Que dizer desta argumentação?
Afigura-se que a mesma é procedente.
Na verdade, a mesa da secção de voto foi confrontada com a afirmação de um médico, a desempenhar funções de delegado de um partido político, de que estes dois eleitores estavam afectados de notórias deficiências mentais (precisadas no atestado médico conjunto como demência notória com sinais evidentes de oligofrenia com atraso psico-motor: a oligofrenia é uma
'deficiência mental congénita ou de origem perinatal' que se classifica, quanto ao grau de deficiência intelectual, em debilidade mental ou debilidade mental de grau médio, imbecilidade, e idiotia ou debilidade mental profunda, com quocientes de inteligência variáveis entre 70% e 30%, consoante o grau respectivo - cfr. Schneeberger Athayde, vocábulo 'oligofrenia', in Verbo-Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. 14º, Lisboa, sem data, colunas 559 a 561). Face a tais afirmações de um delegado de um partido, que é médico e exerce localmente, seria exigível à mesa que procurasse averiguar se os eleitores em causa dispunham da possibilidade de manifestar pessoalmente uma vontade de escolha eleitoral minimamente perceptível e, em caso de dúvida sobre a existência de demência notória e sobre a imparcialidade do juízo médico feito por um delegado partidário, que só admitisse os eleitores a votar acompanhados, desde que exibissem no acto de votação certificado comprovativo da impossibilidade da prática dos actos descritos no art. 84º do Decreto-Lei nº
701-B/76, subscrito pelo delegado de saúde municipal ou o seu substituto legal. Na verdade, nestes casos de demência notória imputada ao eleitor, o delegado de saúde seguramente não deveria passar tal certificado, de onde haveria de decorrer a impossibilidade de votar daquele eleitor.
Este Tribunal teve já ocasião de precisar o comportamento legalmente exigido às mesas quando se trate de autorizar certos eleitores a votar acompanhados:
'Sendo o direito de sufrágio um direito pessoal que o eleitor deve exercer directamente (cfr. os artigos 66º e 69º do Decreto-Lei nº 701-B/76), a normação vertida naquele preceito [o art. 70º do mesmo diploma] traduz um quadro de previsão excepcional que a lei apenas consente desde que sejam rigorosamente respeitados os contornos dentro dos quais aquela previsão se há-de conter.
Assim, e desde logo, a faculdade concedida às mesas das assembleias eleitorais de autorizar o eleitor a votar acompanhado não lhes confere um poder discricionário, pois aquela faculdade apenas deverá ser exercida no âmbito de apertados e vinculados limites estabelecidos pela lei.
Com efeito, para que a mesma consinta que o eleitor vote acompanhado não basta que este revele sinais de cegueira ou de doença ou deficiência física notórias, sendo ainda necessária e indispensável a verificação, caso a caso, de que tais enfermidades ou deficiências impeçam ao eleitor, isoladamente, a prática dos actos correspondentes ao exercício do voto descritos no artigo 84º. E sempre que tal verificação, em concreto, não se mostre possível, deverá a mesa exigir, no acto de votação, que o eleitor apresente certificado comprovativo da impossibilidade da prática de tais actos, certificado emitido, subscrito e autenticado pela autoridade médica competente'
(Acórdão nº 3/90, in Diário da República, II Série, nº 95, de 24 de Abril de
1990, pág. 4392)
Entende-se, por isso, que a deliberação tomada pela mesa foi ilegal, por se afastar infundamentadamente do prescrito no nº 2 do art. 70º do Decreto-Lei nº 701-B/76.
Para formular este juízo, não tem de afirmar o Tribunal Constitucional que o diagnóstico feito pelo médico local, que exercia simultaneamente as funções de delegado partidário, se reveste de um especial valor probatório (o mesmo se pode dizer do atestado médico, apresentado em tempo
útil neste recurso, junto como Doc. nº 8). Basta-lhe considerar que, face à questão suscitada, a mesa - colocada, como foi, pelo mesmo uma dúvida séria sobre a capacidade mental dos eleitores em causa - não devia deliberar sem fundamentar a sua decisão num juízo pericial oficial. O nº 4 do art. 70º desta lei eleitoral mostra que a decisão da mesa sobre a admissibilidade do voto não prejudica que qualquer dos respectivos membros ou dos delegados dos partidos políticos possa lavrar protesto, o qual há-de ser apreciado pelo Tribunal Constitucional (de harmonia com o disposto no art. 97º desta lei eleitoral, a assembleia de apuramento geral carece de competência para apreciar tal protesto, razão por que não pode este Tribunal levar em conta a deliberação sobre essa matéria constante do Doc. nº 7, a fls. 70 dos autos, o que justifica que o recorrente não tivesse o ónus de juntar o atestado médico nessa assembleia).
Para concluir, importa referir que os eleitores F. e E. não foram referenciados nas actas como sofrendo de deficiência mental, sendo certo que a mesa autorizou que votassem acompanhados dois eleitores, afectados de doença mental (eleitor nº -------, afectado de 'deficiência mental'; eleitor nº ------, afectado de incapacidade mental'. Estes votos não foram protestados, tendo a mesa deliberado por unanimidade).
11. O sufrágio exercido pelo eleitor H..
Resulta da acta das operações eleitorais da secção de voto nº 1 da freguesia de Vila-Chã que este eleitor 'votou acompanhado por apresentar deficiência visual. Esta decisão foi tomada por maioria da mesa, e protestada pelo PS'. (a fls. 7 da acta; fls. 55 dos autos).
Do documento anexo à acta (a fls. 19 da mesma e a fls. 67 dos autos) consta por transcrição o teor do protesto formulado pelo delegado do Partido Socialista:
'O eleitor H. votou apesar das dúvidas que persistem da sua deficiência visual
(cegueira?), e não apresentou certificado comprovativo da impossibilidade da prática dos actos descritos no artigo 84º da lei eleitoral'.
A deliberação da mesa foi tomada por maioria absoluta e não se acha fundamentada.
Da leitura da acta das operações eleitorais, verifica-se que votaram acompanhados onze eleitores. Descontados os casos dos dois eleitores alegadamente afectados por demência notória, verifica-se que a mesa autorizou que votassem acompanhados, apenas com invocação de deficiência visual, quatro eleitores. Desses eleitores, dois apresentaram atestado médico, tendo a mesa deliberado em três desses casos por unanimidade. No caso em apreciação, a mesa votou por maioria.
Face aos elementos disponíveis, entende este Tribunal que a deliberação da mesa não pode ter-se por ilegal. De facto, este protesto apresentado pelo delegado do Partido Socialista não contém uma afirmação peremptória de que o eleitor em causa dispunha da acuidade visual suficiente para votar sozinho, limitando-se a sustentar - a acreditar na referência transcrita no documento anexo da decisão da mesa, visto não ter sido anexado o protesto à acta - persistirem dúvidas acerca da sua deficiência visual.
Não obstante a falta de fundamentação da decisão e a não exigência de certificado oficial comprovativo da deficiência visual, considera-se que o recorrente não demonstrou, apesar de ter o ónus de o fazer, que este eleitor dispunha da necessária acuidade visual para votar sozinho. Não pode, por isso, o Tribunal invalidar a deliberação da mesa, por não estar demonstrada a sua ilegalidade (neste sentido, veja-se o Acórdão nº 235/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12º, págs. 858-859)
IV
Nos termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional:
a) Não tomar conhecimento dos fundamentos do recurso respeitantes a actos ou omissões de órgãos da administração eleitoral anteriores ao acto de votação, ou de invocadas irregularidades sem autonomia, de natureza instrumental relativamente a outras irregularidades também invocadas como fundamento do recurso;
b) Não tomar conhecimento do recurso relativamente a deliberações da assembleia de apuramento geral sobre impugnações apresentadas quanto a certos eleitores que votaram acompanhados, por este órgão não ter competência legal para deliberar nessa matéria;
c) Anular as deliberações tomadas pela mesa da secção de voto nº 1 da freguesia de Vila-Chã, do concelho de Esposende, relativamente à possibilidade de os eleitores nºs --------, F., e -------, E., votarem acompanhados, por violação do nº 2 do art. 70º do Decreto-Lei nº 701-B/76, concedendo nessa medida provimento ao recurso e anulando os votos desses eleitores relativamente aos três órgãos autárquicos;
d) Negar provimento ao recurso no que toca à deliberação da mesa tomada no sentido de permitir que o eleitor nº ------, H., votasse acompanhado;
e) Em consequência da anulação das indicadas deliberações da mesa, conceder provimento ao recurso, anulando a votação na secção nº 1 da freguesia de Vila Chã, concelho de Esposende, e, por consequência, determinar a repetição do acto eleitoral naquela secção de voto mas tão somente quanto à assembleia de freguesia.
Lisboa, 30 de Dezembro de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Luís Nunes de Almeida
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
José de Sousa e Brito
Messias Bento (vencido nos termos da declaração de voto que junto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido quanto à decisão de anular a votação da secção de voto nº 1 da freguesia de Vila Chã, do concelho de Esposende, para a respectiva assembleia de freguesia.
Fi-lo, porque o recorrente não logrou provar que a mesa tenha cometido uma irregularidade, ao admitir dois eleitores (F. e E.) a votar acompanhado, com o fundamento de que eles sofriam de 'incapacidade de coordenação motora'. E era a ele, recorrente, que cumpria essa prova, como este Tribunal sempre entendeu e decidiu no presente caso quanto a uma outra irregularidade invocada pelo recorrente, consistente no facto de a mesa ter deixado votar acompanhado um outro eleitor (H.) que se apresentou como tendo dificuldades de visão.
2. Só podem votar 'acompanhados de um cidadão eleitor por si escolhido que garanta a fidelidade do seu voto' 'os cegos e quaisquer outras pessoas afectadas por doença ou deficiência física notórias que a mesa verifique não poderem praticar os actos descritos no artigo 84º' - prescreve o nº 1 do artigo 70º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro.
É que, sendo 'o sufrágio directo, secreto e periódico' (cf. artigo
116º, nº 1, da Constituição da República), bem se compreende que, só quando o eleitor, por doença ou deficiência física notórias, não possa, sozinho, dirigir-se à câmara de voto e, depois de aí entrar, marcar com uma cruz o quadrado correspondente à lista em que deseja votar, dobrar o boletim em quatro, dirigindo-se, de novo, à mesa para entregar o voto assim dobrado ao respectivo presidente, bem se compreende - dizia - que só então seja permitido que outro cidadão eleitor, da sua confiança, o ajude nestas operações.
O exercício do direito de voto, indo o eleitor acompanhado de um outro eleitor de sua confiança, pressupõe, naturalmente, que quem assim vai votar tem capacidade de entender (e, assim, de expressar) um voto numa determinada lista, pois que, de um lado, como bem decorre dos próprios dizeres do nº 1 do artigo 70º já citado, o voto tem que ser expressão da vontade daquele que vota acompanhado, como há-de ser também um acto livre da sua vontade a escolha do eleitor que o há-de ajudar nas operações de voto atrás indicadas. E, por outro lado, embora se presuma que todo aquele que está inscrito nos cadernos de recenseamento eleitoral tem capacidade eleitoral activa [cf. o artigo 8º, nºs
1 e 2, da Lei nº 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), conjugado com o artigo 31º, nº 1, alínea e), e 33º, nº 1, da mesma Lei, na redacção da Lei nº 81/88, de 20 de Julho), não são, porém, eleitores 'os notoriamente reconhecidos como dementes, ainda que não estejam interditos por sentença, quando internados em estabelecimento psiquiátrico, ou como tais declarados por uma junta de médicos'[cf. artigo 3º, alínea b), do citado Decreto-Lei nº 701-B/76].
3. O facto, porém, de ter sido afirmado pelo delegado de uma das listas concorrentes à eleição - que é médico (e, inclusive, médico de família do referido E.) - que este eleitor e a referida F. sofriam de 'notórias [...] deficiências mentais', não impunha, só por si - contrariamente ao que parece decorrer do acórdão -, que a mesa só os admitisse a votar acompanhados, 'desde que exibissem no acto de votação certificado comprovativo da impossibilidade da prática dos actos descritos no artigo 84º do Decreto-Lei nº 701-B/76, subscrito pelo delegado de saúde municipal ou seu substituto legal'. De contrário, qualquer eleitor se poderia ver forçado a ter que ir munir-se de um tal certificado para poder votar: bastava, para tanto, que um delegado de lista resolvesse implicar com ele.
Aos delegados de lista cumpre, é certo, 'fiscalizar plenamente todos os actos eleitorais' [cf. artigo 41º, alínea a), do citado Decreto-Lei nº
701-B/76], por isso que devam 'ser ouvidos em todas as questões que se suscitarem durante o funcionamento da assembleia de voto, quer durante a votação, quer durante o apuramento' [cf. a alínea b) do mesmo artigo 41º]. É, no entanto, à mesa da assembleia de voto que compete 'promover e dirigir as operações eleitorais' (cf. artigo 34º, nº 1, do mesmo Decreto-Lei nº 701-B/76): compete-lhe, designadamente, exigir a apresentação daquele certificado, como condição para permitir o voto acompanhado, mas apenas quando entender 'que não pode verificar, por si, a notoriedade da cegueira, da doença ou da deficiência física' a que se refere o citado artigo 70º, nº 2.
Quando admite o voto acompanhado, a mesa só comete uma irregularidade, se age injustificadamente, seja porque é claro que o eleitor não está afectado de doença ou incapacidade física notória que o incapacite de praticar sozinho as operações do voto atrás apontadas, seja porque se evidencia, de forma notória, padecer ele de demência que o torna incapaz de entender (e, assim, de expressar) o seu voto numa das listas concorrentes.
Por isso - contrariamente à posição que fez vencimento -, entendo que o protesto de um delegado de lista de que determinados eleitores sofrem de
'notórias [...] deficiências mentais' só torna 'exigível à mesa' que procure
'averiguar se os eleitores em causa dispunham da possibilidade de manifestar pessoalmente uma vontade de escolha eleitoral minimamente perceptível' e que,
'em caso de dúvida sobre a existência de demência notória e sobre a imparcialidade [desse] juízo médico', só admita 'os eleitores a votar acompanhados', exibindo eles, no acto de votação, o mencionado certificado comprovativo da impossibilidade da prática das operações do voto, quando as circunstâncias forem tais que, justamente, devam levá-la a convencer-se da veracidade da alegação de anomalia psíquica. Num tal caso (isto é: quando tudo indica que aqueles eleitores, embora apresentando deficiências motoras, do que eles padecem é de anomalia psíquica), se a mesa os admite a votar acompanhados, está a agir, de um modo que, se não for arbitrário, é, no mínimo, temerário - e, por isso, mesmo, injustificado.
O voto acompanhado é, num tal caso, um modo indevido de votar, pois que, como já se viu, não é para ele que rege o nº 1 do citado artigo 70º. E, então, verifica-se uma irregularidade na votação. Mas só, então.
4. Pois bem: no presente caso, a mesa considerou notória, sem necessidade de exigir certificado a 'incapacidade de coordenação motora' dos eleitores referidos e deixou-os, por isso, votar acompanhados, ao abrigo do artigo 70º já citado. Ela não teve, porém, como 'notórias as deficiências mentais' dos mesmos eleitores.
Cumpria, por isso, ao recorrente provar que, face às circunstâncias do caso, a mesa devia ter concluído pela veracidade da alegação de anomalia psíquica dos eleitores em causa, pois que só desse modo provaria que a decisão de permitir o voto acompanhado fora ilegal.
O recorrente não fez, porém, tal prova.
Na verdade, para haver aquele facto como provado, é insuficiente o documento (passado, naturalmente, a pedido do recorrente, que o juntou à petição de recurso), em que dois médicos (o delegado de lista que apresentou o protesto e o subdelegado da mesma lista) - cujas assinaturas vêm reconhecidas por notário
- atestam, sob compromisso de honra, que os referenciados eleitores (F. e E.) são por eles, 'bem como naquela freguesia' (a freguesia de Vila Chã, do concelho de Esposende), 'notoriamente reconhecidos como dementes, apresentando sinais evidentes de oligofrenia com atraso psíqico-motor'.
Trata-se, com efeito, de uma declaração feita por quem é interessado no acto eleitoral - de alguém que, em virtude de poder ser recorrente (cf. artigo 103º, nº 2, do citado Decreto-Lei nº 701-B/76), ali onde fosse admitida prova pericial, podia ser recusado como perito [cf. artigo 584º referido ao
122º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil], tal como, se no processo fosse permitida prova testemunhal, podia ser impedido de depor como testemunha
(cf. artigo 618º, nº 1, alínea a), referido ao artigo 552º, ambos do Código de Processo Civil).
Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto proferida pelo Ex.mº Conselheiro Messias Bento)
Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
Vítor Nunes de Almeida (vencido conforme declaração de voto que junto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Dissenti da decisão apurada nos autos relativamente à anulação das deliberações tomadas pela mesa de voto nº 1 da freguesia de Vila Chã, Esposende quanto aos eleitores nºs --------, F. e nº -----, E., que votaram acompanhados, tendo a decisão assentado na violação do nº 2 do artigo 70º do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro, pelos fundamentos seguintes:
1. - De acordo com o artigo 1º da Lei nº 69/78, de 3 de Novembro, 'o recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório e único para todas as eleições por sufrágio directo e universal', devendo ser inscritos 'todos os cidadãos que gozem de capacidade eleitoral' (artigo 2º), sendo 'a validade do recenseamento permanente', ainda que 'actualizado anualmente' (artigo 7º, da mesma Lei).
Recaindo sobre o cidadão o 'direito e o dever de promover a sua inscrição no recenseamento, bem como de verificar se está inscrito, e, em caso de erro ou omissão, de requerer a respectiva rectificação' (artigo 4º, nº 1, da Lei do Recenseamento), cabe, obrigatoriamente, à entidade recenseadora a inscrição dos eleitores no recenseamento (artigo 4º, nº 2).
Como contrapartida do carácter oficioso e obrigatório do recenseamento eleitoral, a lei estabelece uma presunção de capacidade eleitoral decorrente do mero facto da inscrição do cidadão no recenseamento (artigo 8º, nº
1), sendo certo que tal presunção 'só pode ser elidida por documento, que a entidade recenseadora possua ou lhe seja apresentado, comprovativo da morte ou de alteração da respectiva capacidade eleitoral' (artigo 8º, nº 2).
Portanto, qualquer cidadão que se encontre inscrito nos cadernos de recenseamento eleitoral goza, só por esse facto, de uma presunção legal de capacidade eleitoral, a qual se mantém até que a inscrição no recenseamento venha a ser eliminada, até 60 dias antes do acto eleitoral, pela forma prevista no artigo 31º da Lei do recenseamento.
Neste aspecto, a lei do recenseamento remete para a lei eleitoral, na parte relativa às incapacidades eleitorais. Efectivamente, o artigo 31º da Lei do Recenseamento, estabelece que 'devem ser eliminadas dos cadernos de recenseamento (...)as inscrições de cidadãos abrangidos pelas incapacidades eleitorais previstas na lei'.
2. - No âmbito da eleição para as autarquias locais, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, estabelece as seguintes incapacidades eleitorais com interesse para o caso em apreço:
a) - Não são eleitores: os interditos por sentença com trânsito em julgado;
b) - os notoriamente reconhecidos como dementes, ainda que não estejam interditos por sentença, quando internados em estabelecimneto psiquiátrico, ou como tais declarados por uma junta de dois médicos.
Assim, nos termos da disposição transcrita, a incapacidade eleitoral comprova-se através de uma sentença judicial de interdição, com trânsito em julgado, ou, no caso de não haver qualquer interdição judicial, relativamente aos notoriamente reconhecidos como dementes, quer através da comprovação do internamento em estabelecimento psiquiátrico quer através da declaração de uma junta médica, integrada por dois médicos.
Obtido documento comprovativo da falta de capacidade eleitoral, cessa a presunção legal de tal capacidade através da apresentação à entidade recenseadora daquele documento, deixando de existir capacidade com a eliminação definitiva do nome do cidadão em questão dos cadernos de recenseamento.
3. - Fixados os princípios legais relativos à existência e demonstração da capacidade eleitoral activa, vejamos agora o que se passa com o direito de exercício daquela capacidade, ficando desde já assente que ali onde existir capacidade eleitoral há-de afirmar-se, também a existência da respectiva capacidade de exercício.
Com efeito, é princípio geral do nosso direito eleitoral o da pessoalidade do voto, pelo que o direito de sufrágio (concretização da capacidade eleitoral activa) é exercido directamente pelo cidadão eleitor
(artigo 66º do Decreto-Lei nº 701-B/76), constituindo um direito e um dever
(artigo 68º, do mesmo diploma, adiante designado Lei Eleitoral, L.E.).
Os requisitos de exercício do direito de voto consistem não só na respectiva inscrição no caderno eleitoral como também no reconhecimento pela mesa da sua identidade (artigo 71º da L.E.).
O modo como vota cada eleitor vem referido no artigo 84º da L.E.: cada eleitor, apresentando-se perante a mesa, identificar-se-á ao presidente. Este, depois de reconhecer o eleitor como o próprio, dirá o seu nome em voz alta e entregar-lhe-á os boletins de voto respectivos; de seguida, o eleitor entrará na câmara de voto situada na assembleia e, aí, sózinho, marcará com uma cruz no quadrado respectivo a lista em que vota para cada órgão autárquico e dobrará cada boletim em quatro.
No caso de se tratar de pessoa cega ou de quaisquer outras pessoas afectadas por doença ou deficiência física notórias que a mesa verifique não poderem praticar os actos necessários à votação, votam acompanhados de um cidadão eleitor por si escolhido que garanta a fidelidade de expressão do seu voto, que fica obrigado a absoluto sigilo (artigo 70º, nº 1 da L.E.)
Assim, uma vez verificada a identidade do eleitor e a sua inscrição nos cadernos eleitorais, a mesa tem de decidir se o eleitor se encontra afectado ou por doença notória ou por deficiência fisica notória que o impeça de praticar, só por si, os actos necessários à votação, hipótese em que deve poder votar acompanhado.
Caso a mesa decida que não pode verificar a notoriedade da doença ou da deficiência física, deve exigir que o eleitor apresente no acto da votação um certificado comprovativo da impossibilidade da prática daqueles actos passado pelo delegado de saúde e autenticado com o respectivo selo branco.
Parece, portanto, que a exigência do certificado comprovativo da cegueira, da doença ou da deficiência físicas só deverá ocorrer no caso de a mesa decidir que não pode verificar a notoriedade daquelas situações justificadoras da votação acompanhada.
4. - No caso em apreço, entendeu a maioria, confortando-se na doutrina contida no acórdão nº 3/90 deste Tribunal, 'que a deliberação tomada pela mesa foi ilegal, por se afastar infundadamente do prescrito no nº 2 do art.
70º do Decreto-Lei nº 701-B/76'.
Ora o que, por sobre a letra do nº 2 do artigo 70º citado, vem implícito na orientação que levou ao acórdão nº 3/90 é um princípio de preferência pelo exercício directo e pessoal do voto, o qual só pode ser deslocado em circunstâncias excepcionais, designadamente quando, caso a caso, for verificada a existência de enfermidades ou deficiências que impeçam ao eleitor a prática isolada do acto de voto, sendo que, quando tal verificação não for possível, deverá o eleitor apresentar certificado da autoridade médica competente. Tudo isto é clara e perfeitamente compatível com a norma citada e não merece censura nem o mais pequeno reparo.
Não se compreende porém como daqui, sem qualquer vislumbre de conexão lógica e sem arrimo na orientação anterior já referida, se passa para a afirmação de que a mesa 'não devia deliberar sem fundamentar a sua decisão num juízo pericial oficial'.
O facto é que a mesa, na acta das operações eleitorais, afirma, quanto à eleitora F. que votou acompanhada 'por apresentar incapacidade física e de coordenação motora' e, quanto ao eleitor E., que votou acompanhado por
'apresentar incapacidade de coordenação motora'. Não são estas considerações da mesa o resultado da verificação, nos dois casos concretos, de enfermidades ou deficiências? Não revelam as mesmas que os votantes não poderiam votar a não ser acompanhados ? Deve o Tribunal Constitucional considerar que as incapacidades física e de coordenação motora eram tão recônditas ou mínimas que por si só não constituiriam fundamento bastante para a decisão da mesa de permitir o voto acompanhado? Sendo a resposta afirmativa, a que título: apenas com base num protesto de alguém cuja imparcialidade não é em caso algum exigível
?
5. - A decisão tomada no presente acórdão inverte claramente a ordem dos juízos que o nº 2 do artigo 70º impõe à mesa. O que está estabelecido na lei
é muito simplesmente que haverá dois tipos de cegueira, doença ou deficiência física susceptíveis de impedir a prática, pelo respectivo portador, dos actos descritos no artigo 84º. O primeiro é a deficiência notória, susceptível de ser percepcionada pela mesa. Só quando a notoriedade não for susceptível de verificação - passe a contradição aparente nos próprios termos que vem da terminologia legal - ocorre o segundo tipo de deficiência e, quanto a este, o voto pessoal e directo também só será preterido mediante a exibição de certificado.
No caso em análise, todos os elementos constantes do processo apontam para a ocorrência, verificada pela mesa, de deficiência notória. Não haveria, pois, que passar ao segundo momento previsto na norma, a aplicar apenas a deficiências de notoriedade não imediatamente percepcionável. Sublinhe-se apenas que, a existirem estas, os eleitores votariam também acompanhados, por mais insanos que fossem, pois tal era seu direito, visto que estavam recenseados!
6. - Igualmente devo dizer que discordei da afirmação contida no acórdão de que a assembleia de apuramento geral carece de competência para apreciar protesto sobre a admissibilidade do voto de deficientes. O artigo 97º é bem claro, precisamente no sentido contrário, pois à assembleia cabe pronunciar-se sobre 'se devem ou não contar-se os boletins de voto sobre os quais tenha recaído reclamação ou protesto' (nº 2). Coisa diferente é saber se decidiu bem ou mal; para esse efeito, existe precisamente o recurso para este Tribunal.
7. - Também é pelo menos estranho, e agora quanto à alínea d) da decisão, fazer depender de afirmação peremptória, contida em protesto ou reclamação acerca da deficiência, a exigência de a mesa só poder fundamentar a decisão de permitir o voto acompanhado com base em juízo pericial oficial.
Tal entendimento parece resultar do acórdão. Mas não se vê como possa negar-se à mesa a faculdade de proceder ela própria à verificação da deficiência notória. Não estão lá os respectivos membros também para esse efeito? Não se trata de um juízo presencial e imediato sobre matéria de puro facto? Ou será que os delegados das listas serão também membros constituintes das mesas, com mais peso ainda do que os membros efectivos? A resposta, neste ponto, é obviamente negativa.
O que se afirma a fls. 28 do acórdão ('Na verdade, nestes casos de demência notória imputada ao eleitor, o delegado de saúde seguramente não deveria passar tal certificado, de onde haveria de decorrer a impossibilidade de votar daqueles eleitores') é afirmar uma mera prognose destituída, aqui sim, de qualquer fundamentação, para além de que se traduziria na eliminação administrativa - por mera decisão do delegado de saúde - da capacidade eleitoral do eleitor, o que é legalmente inadmissível, como se mostrou.
Acresce que, o documento (atestado) junto aos autos e que fundamentou a aceitação dos votos em causa não pode ser aceite como documento de prova bastante para tal efeito.
Na verdade, os seus subscritores foram as pessoas que, no acto da votação, suscitaram o problema como delegados (efectivo e suplente) à mesa de voto, de uma força política concorrente à mesma eleição e como tais, inábeis para poderem ser peritos ou testemunhas no caso, dada a sua posição quanto a todo o processo de votação e, independentemente de qualquer juízo que não se fará, sobre a sua idoneidade profissional que não está em causa no presente processo.
Se tal sistema se vier a generalizar - e o impensável é muitas vezes ultrapassado pela realidade - então é bem possível que o mais 'certinho' dos cidadãos tenha que andar munido de um atestado de plena sanidade mental se quiser votar sozinho sob pena de, formulada uma leve suspeita sobre a sua recôndita demência, lhe venha a ser exigido que, dada a falta de notoriedade da mesma, se tenha de apresentar na delegação de saúde para obter o certificado comprovativo de que afinal pode votar acompanhado.
Nestes termos, e pelos fundamentos que ficam expostos, negaria provimento ao recurso quanto aos votos dos dois cidadãos em causa, uma vez que a mesa não tomou quanto a eles, nem uma deliberação descricionária nem temerária ou infundamentada, mas antes, decidiu de acordo com os poderes que a Lei Eleitoral lhe confere, não tendo ocorrido qualquer violação comprovada do artigo
70º, nº 2 do Decreto-Lei nº 701-B/76 de 29 de Setembro.
Fernando Alves Correia (vencido nos termos da declaração de voto do Ex.mº Conselheiro Messias Bento)
José Manuel Cardoso da Costa
Proc. nº 850/93 Plenário Declaração de voto
Não subscrevi a tese do acórdão sobre as deliberações tomadas pela mesa da secção da freguesia de Vila-Chã quanto aos votos dos eleitores F. e E..
Tenho para mim que a operatividade das normas do artigo 3º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, não existe à mercê de diligências de averiguação da capacidade eleitoral dos cidadãos, eventualmente promovidas ou acatadas pelas mesas de voto.
Essas normas devem ser lidas em articulação com a lei do recenseamento (Lei nº 69/78, de 3 de Novembro). Esta lei determina que a inscrição de um cidadão no caderno de recenseamento 'implica a presunção de que tem capacidade eleitoral' (artigo 8º, nº 1) e que essa presunção 'só pode ser ilidida por documento que a entidade recenseadora possua ou que lhe seja apresentado, comprovativo da morte do eleitor ou de alteração da respectiva capacidade eleitoral' (artigo 8º, nº 2). A mesma lei determina ainda que todos os cidadãos que gozem de capacidade eleitoral devem ser inscritos no recenseamento (artigo 2º) e que a validade do recenseamento é permanente (artigo
7º, nº 1), devendo ser eliminadas dos cadernos de recenseamento 'as inscrições de cidadãos abrangidos pelas incapacidades eleitorais previstas na lei' [artigo
31º, nº 1, alínea b)].
O Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, vem precisamente concretizar, no seu âmbito de regulação, as incapacidades para que remete a lei do recenseamento. Não o vem fazer, porém, de modo a infirmar o conteúdo preceptivo das suas disposições. Não pode a lei do recenseamento deixar claro que a presunção de capacidade eleitoral 'só pode ser ilidida por documento que a entidade recenseadora possua ou lhe seja apresentado' e depois o Decreto-Lei nº
701-B/76 criar novas formas ou momentos de ilidir aquela presunção. As incapacidades previstas no artigo 3º deste Decreto-Lei não estão pois 'na disposição' das mesas de voto ou da diligência de cidadãos activos. Destinam-se a preencher um quadro de remissão da lei do recenseamento e existem em harmonia com esta lei.
Não é, aliás, sem razão que a notoriedade da demência se não apresenta, no artigo 3º, alínea b), como requisito suficiente de incapacitação eleitoral. Porque ela tem que ser certificada e comunicada. Não é da competência da mesa de voto averiguar se os eleitores dispõem 'de possibilidade de manifestar pessoalmente uma vontade de escolha eleitoral' porque a inscrição nos cadernos de recenseamento envolve uma presunção que só é afastável no quadro do próprio recenseamento.
A interpretação não pode prescindir da unidade da ordem jurídica. Não pode a lei do recenseamento dispor num sentido quanto ao modo de ilidir a presunção de capacidade eleitoral - definindo-o como único modo - e cometendo-o
à entidade recenseadora, por um lado, e, depois, o Decreto-Lei nº 701-B/76 criar um mecanismo alternativo, de incapacitação 'improvisada' ao tempo da própria eleição, sob pena de a metódica abandonar aquele critério de coerência que é imprescindível ao Direito.
Maria da Assunção Esteves