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Proc. nº 195/92
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - No Tribunal do Trabalho de Lisboa, A. propôs contra a B., (E. P.) acção de impugnação de despedimento com processo ordinário, pedindo a condenação da ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe todas as remunerações vencidas e vincendas, desde a data da aplicação daquela sanção até final.
A B. contestou, frustrou-se a tentativa de conciliação e tiveram lugar o despacho saneador, a especificação e o questionário.
O autor, em 30 de Outubro de 1991, requereu ao tribunal que decretasse a amnistia da infracção disciplinar que lhe fora imputada, em razão da entrada em vigor da Lei nº 23/91, de 4 de Julho (Lei da Amnistia), cujo artigo 1º, alínea ii), lhe seria, no caso, aplicável.
Notificada, a B. sustentou a tese da inconstitucionalidade material daquela norma da Lei da Amnistia, por violação dos artigos 13º, 62º, nº
1, 81º, alínea c) e 82º, nº 2, da Constituição. Segundo a B., aquela norma seria inaplicável ao caso tanto em razão desse fundamento quanto ainda pelo significado da expressão 'decisão definitiva e transitada' nela contida, expressão que, aduz, 'só pode referir-se ao processo interno da empresa e não a decisão definitiva dos tribunais e transitada em julgado'.
Em despacho de 21 de Novembro de 1991, o senhor Juiz indeferiu o requerimento do autor, recusando, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação da norma do artigo 1º, alínea ii), da Lei nº 23/91, de 4 de Julho.
Desta decisão recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro. Em alegações aqui produzidas, o Sr. Procurador-Geral Adjunto, sustentou em síntese:
'1º - A parte final da alínea ii) do artigo 1º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho) ('por decisão definitiva e transitada'), deve considerar-se juridicamente inexistente porque não foi votada e aprovada na Assembleia da República, antes acrescentada em sede de redacção final com extravasamento dos limites regimentais, pois, implicando um alargamento do universo dos amnistiáveis, não se cingiu ao aperfeiçoamento da sistematização e/ou estilo do texto do diploma;
2º - Devem, assim, considerar-se excluídas da amnistia as infracções disciplinares dos trabalhadores das empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos puníveis ou punidas com despedimento;
3º - Caso assim se não entenda, deve a aludida norma, apenas na parte em que amnistia infracções sancionadas com despedimento, ser julgada inconstitucional, por violação do princípio do Estado de direito democrático'.
Alegou também a B., reiterando a tese da inconstitucionalidade material da norma do artigo 1º, alínea ii), da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, concluindo que essa norma seria 'pelo menos' contrária ao artigo 13º e ao princípio do Estado de direito consagrados na Constituição.
II - A questão de constitucionalidade respeita à norma do artigo
1º, alínea ii), da Lei nº 23/91, de 4 de Julho. Essa norma dispõe assim:
'Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada'.
O Tribunal Constitucional já teve ocasião de julgar a questão de constitucionalidade desta norma. Fê-lo, designadamente, no Acórdão nº 153/93, de
3 de Fevereiro (D.R., II Série, nº 69, de 23-3-1993), tirado em processo de fiscalização concreta, com intervenção do plenário, nos termos do artigo 79º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Esse acórdão julgou não inconstitucional a norma do artigo 1º, alínea ii), da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, e teve oportunidade de esclarecer que o inciso 'decisão definitiva e transitada', significando todos os casos de despedimento ainda não firmes (ou seja, ainda susceptíveis de reclamação ou recurso hierárquico, ou de impugnação judicial, ou ainda não definitivamente decididos por esta via) não leva implicada uma opção arbitrária ou desproporcionada do legislador.
É essa jurisprudência que agora se reafirma, remetendo-se para os fundamentos e o conteúdo decisório daquele acórdão, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
III - Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, que deverá ser reformulada em harmonia com o precedente julgamento de constitucionalidade.
Lisboa, 30 de Junho de 1993
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa