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Proc. nº 397/92
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - Em processo de expropriação por utilidade pública urgente relativa a uma parcela de terrenos sita no lugar de
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23.258.800$00 a indemnização a pagar pela entidade expropriante, correspondendo
5.589.000$00 ao valor do terrenos expropriado e 17.669.800$00 ao valor da desvalorização de uma parcela sobrante não expropriada.
Fundamentando a atribuição destes montantes indemnizatórios, escreveu-se naquela decisão:
'(...) consideramos adequado e equilibrado o relatório elaborado pelos peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados, bem como o montante encontrado, de Esc. 5.589.000$00, e pelo qual optamos atento às garantias de imparcialidade e competência técnica que oferecem, como de resto é jurisprudência dominante
(...).
Quanto à parte sobrante do prédio de que antes fazia parte a parcela em causa, entendemos também ser de indemnizar a área de 1.700 m2 sujeita à proibição de construir, área que não constituiu ponto de discordância entre os peritos, pelo contrário, é pacificamente aceite, já que tal como foi decidido na sentença deste juízo e secção acima referida, tal situação resulta não directamente da lei, o que impediria a sua indemnização, mas da própria expropriação em causa'.
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2 - A entidade expropriante interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto sustentando nas respectivas alegações, relativamente à indemnização atribuída a título de desvalorização da parte sobrante, que tal desvalorização, a existir, sempre resultaria, 'da criação de uma zona non aedificandi, servidão que resultando directamente da lei - artigo 8º, nº 5, do Decreto-Lei nº 64/83, de 3 de Fevereiro, Decreto-Lei nº 341/86, de 7 de Outubro e Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro e suas alterações e não da expropriante - não dá direito a indemnização, como expressamente refere o nº2 do artigo 3º do Código das Expropriações e é jurisprudência firme (...), norma esta que não fere qualquer princípio constitucional'.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 23 de Março de 1992, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença impugnada, suportando-se porém em diversa fundamentação.
Sobre a matéria da indemnização da parte sobrante escreveu-se assim:
'O artigo 35º do Código das Expropriações prevê a depreciação da parte sobrante e que a mesma tem de ser tomada em consideração no cálculo da indemnização.
E mesmo que tal preceito o não dissesse expressamente, ou seja, não tomasse posição sobre tal questão, sempre haveria de concluir-se porque, de outra forma, não se alcançaria a `justa indemnização' a que se refere o artigo 62º, nº 2, da Constituição.
Isto significa que deverá considerar-se inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 3º do Código das Expropriações (as servidões derivadas da lei não dão direito a indemnização, salvo quando a própria lei determinar o contrário), se se considerar existir uma servidão administrativa na `zona non aedificandi', derivada directamente da lei.
Tendo presentes os ensinamentos do Prof. Marcelo Caetano não podem deixar de ser consideradas servidões administrativas as duas faixas marginais das rodovias (Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10ªed., pág. 1052).
Tal servidão será imposta por lei ou resultante de acto administrativo?
Tendo presente a noção de acto administrativo dada pelo Prof. Marcelo Caetano (obra citada, págs. 427 e 203) propendemos para afirmar que a mesma resulta da lei (conforme defendido na apelação nº 9646, 3ª Sec., acórdão de 19 de Dezembro de 1989).
Daqui o ter de se considerar inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 3º do Código das Expropriações por violar não só o disposto no artigo 62º, nº 2, mas também o artigo 13º, ambos da Constituição (inconstitucionalidade declarada no citado acórdão de 19 de Dezembro de 1989).
E face a tal inconstitucionalidade, a `justa indemnização' e o `princípio da igualdade', impõem que se considere indemnizável a desvalorização da parte sobrante'.
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3 - Em obediência ao disposto nos artigos 280º, nºs
1, alínea a) e 3 da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 3, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, o Ministério Público trouxe aquele acórdão em recurso ao Tribunal Constitucional.
E, nas alegações depois oferecidas, o senhor Procurador-Geral Adjunto formulou as conclusões seguintes:
1º - É inconstitucional, por violação dos artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da Constituição, a norma do nº 2 do artigo 3º do Código das Expropriações
(Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro), na medida em que não consente a indemnização do prejuízo efectivamente resultante para o expropriado do facto de a parcela sobrante do prédio expropriado passar a ficar sujeita, em parte, a servidão non aedificandi;
2º Deve, assim, confirmar-se a decisão recorrida, na parte impugnada.
De seu lado, a entidade expropriante, rematou a sua contra-alegação com o seguinte quadro conclusivo:
1 - A servidão de estradas designada por servidão non aedificandi, deriva directamente da lei;
2 - Para as auto-estradas que integram a concessão a que se referem as bases anexas ao Decreto-Lei nº 458/85, de 30 de Outubro, a servidão non aedificandi foi abstracta e genericamente estabelecida pelo Decreto-Lei nº 341/86, de 7 de Outubro;
3 - É contraditório afirmar-se que, por um lado, a servidão non aedificandi resulta directamente da lei e, por outro lado que os terrenos integrados nela sofrem desvalorização por efeito directo da expropriação;
4 - A servidão non aedificandi consiste num encargo negativo imposto genérica e abstractamente a todos os proprietários confinantes (no caso) com a Auto-Estrada, traduzindo-se na impossibilidade de construirem edificações nos terrenos nessa zona integrados, mesmo que tais terrenos não constituam parte sobrante de terrenos expropriados;
5 - Ora se a servidão non aedificandi resulta directamente da lei, não pode o encargo negativo que ela representa derivar directamente da expropriação;
6 - Ou seja, a desvalorização dos terrenos integrados na zona non aedificandi não resulta de qualquer expropriação mas é, antes, uma consequência directa do encargo negativo (não construir) que a lei impõe a todos os proprietários de terrenos confinantes com a auto-estrada e situados na faixa non aedificandi;
7 - Aliás, o momento em que se materializa o encargo negativo que impende sobre os imóveis situados na zona non aedificandi é anterior a qualquer processo expropriativo;
8 - É irrelevante que a Lei de 23 de Junho de 1850, previsse a indemnização pela desvalorização causada pela zona non aedificandi porquanto àquela época vigoravam ideais individualistas e liberais cuja expressão é, no Estado Social ou intervencionista, bastante mais atenuada, cabendo inclusivé ao Estado tarefas e responsabilidades tais que como contrapartida, exigem alguns sacrifícios à liberdade e à propriedade dos cidadãos;
9 - Relevante é, isso sim, o facto de o novo Código de Expropriações ter consagrado no nº 2 do seu artigo 8º, preceito idêntico ao do nº 2 do artigo 3º do anterior Código das Expropriações;
10 - Se o legislador acolheu tal normativo no novo código foi porque o mesmo é constitucional;
11 - As restrições ao direito de propriedade privada decorrem da própria Constituição e baseiam-se no interesse público;
12 - A norma do nº 2 do artigo 3º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, não é inconstitucional.
Por seu turno, os expropriados vieram aos autos fazer suas as alegações oferecidas pelo Ministério Público, concluindo depois que, no pressuposto de ser aplicável à situação material em apreço, a norma do nº 2 do artigo 3º do Código das Expropriações, é inconstitucional por violação dos artigos 62º, nº 2 e 13º, nº 1, da Constituição, na medida em que não consente a indemnização do prejuízo efectivamente resultante para o expropriado, do facto de a parcela sobrante passar a ficar sujeita, em parte, a servidão non aedificandi.
Passados os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - A norma desaplicada pela decisão sob recurso, com fundamento em inconstitucionalidade, inscrevia-se no artigo 3º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, que continha a seguinte formulação:
Artigo 3º
1 - Poderão constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de utilidade pública.
2 - As servidões derivadas directamente da lei não dão direito a indemnização, salvo quando a própria lei determina o contrário.
3 - As servidões constituídas por acto administrativo dão direito a indemnização quando envolverem diminuição efectiva do valor dos prédios servientes.
O Código das Expropriações de 1976, a cuja disciplina se acha sujeito o caso em apreço, veio a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, que aprovou o actual Código das Expropriações, subsistindo porém no articulado em vigor uma norma (artigo 8º) que, quase integralmente, reproduz aquele preceito e mantém intocável o regime ali definido.
A norma do artigo 3º do Código das Expropriações de
1976, regendo sobre a constituição de servidões administrativas, representa mera reprodução do que já constava no artigo 3º, do Decreto-Lei nº 71/76, de 27 de Janeiro e no artigo 3º, da Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1948.
Estas servidões caracterizam-se, além de outras referências, por serem sempre impostas por lei e por só darem lugar a indemnização quando existir disposição expressa da lei em tal sentido.
As servidões administrativas não se constituem por acto jurídico, resultam imediatamente da lei e do facto da existência de uma coisa pública, que a lei considere dominante dos prédios vizinhos. Não há, pois, servidões administrativas constituídas por acto jurídico, como no Direito Civil
(Código Civil, artigo 1547º, nº 1), onde as próprias 'servidões legais' só se constituem por um acto jurídico concreto (artigo 1547º, nº 2).
O que há é casos (servidões militares, p. ex.) em que se torna necessário um acto de definição da área abrangida: mas não há aí servidão constituída por acto administrativo, porque o decreto ou o despacho, nesses casos, não constituem a servidão, apenas se limitam a fixar os respectivos limites, pressupondo-a existente segundo a lei.
Por outro lado, as servidões administrativas não dão direito a indemnização, salvo quando a lei expressamente o determinar, e, a sua constituição deve permitir que o prédio onerado continue a ser utilizado pelo seu proprietário como anteriormente: é o princípio do mínimo prejuízo. Só quando a servidão impedir o prosseguimento da fruição normal de todo ou parte do prédio, envolvendo diminuição efectiva do seu valor, nascerá violação da regra da igualdade dos encargos públicos pela imposição de um sacrifício excepcional ao proprietário, daí decorrendo a necessidade de aplicar o princípio da indemnização, sempre por expressa disposição da lei - Decreto-Lei nº 5786, artigo 126º; Lei das Águas, artigo 56º, e § único; Decreto-Lei nº 35463, artigo
33º, § único; Estatuto das Estradas, artigo 162º; Lei nº 2078, artigos 5º e 20º; Lei nº 2110, artigo 104º; Decreto-Lei nº 43335, artigo 37º (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9ªed., tomo II, 1983, pp. 1052 e ss.).
Pode assim dizer-se que as servidões administrativas derivam directamente da lei e são instituídas à margem de qualquer processo de expropriação por utilidade pública.
É certo que, em determinadas situações - é esse o caso dos autos - a constituição da servidão, da servidão na espécie de servidão non aedificandi aparece associada a um processo expropriativo sem que se verifique, todavia, relativamente ao prédio serviente, transferência do direito de propriedade.
É o que sucede nas expropriações parciais quando a parcela não abrangida pela expropriação (parte sobrante) passa a ficar, no todo ou em parte, onerada com uma servidão non aedificandi, servidão esta que, embora resultante da lei e não directamente da expropriação, acaba por a esta estar associada como causa próxima e eficiente da depreciação do seu valor real.
A norma do artigo 3º, nº 2, do Código das Expropriações de 1976, trata por igual estas situações, a ambas recusando direito a indemnização, sempre que quanto a elas a lei não determinar o contrário.
Sabe-se que os efeitos das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional em processos de fiscalização concreta são indissociáveis do âmbito e dimensão da questão de constitucionalidade objecto do recurso. Esta questão há-de resultar rigorosamente demarcada pelo seu enquadramento material no caso concreto, e há-de coincidir com a moldura factual considerada a tal respeito na decisão recorrida.
Deste modo, e porque a constituição da servidão non aedificandi sobre a parte sobrante emerge na decorrência de um processo de expropriação por utilidade pública, a avaliação da legitimidade constitucional da norma em causa apenas considerará o segmento aplicativo que pressupõe aquela situação plural.
Vejamos então.
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2 - A exigência constitucional da justa indemnização enquanto dimensão legitimadora da expropriação por utilidade pública foi objecto de larga indagação por parte do Tribunal Constitucional a propósito das normas dos artigos 30º, nºs 1 e 2 do Código das Expropriações.
A primeira destas normas foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos nºs 341/86, 442/87, 3/88, 5/88 e 109/88, publicados no Diário da República, II série, de, respectivamente, 19 de Março de 1987, 17 de Fevereiro, 14 de Março e 1 de Setembro, todos de 1988, vindo depois a ser declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº 131/88, Diário da República, I série, de 29 de Junho de 1988.
A segunda norma, depois de ser julgada inconstitucional pelos Acórdãos 109/88, 381/89 e 420/89, publicados no Diário da República, II série, de, respectivamente, 1 de Setembro de 1988, 8 de Setembro e 15 de Setembro de 1989, veio a ser declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº 52/90, Diário da República, I série, de
30 de Março de 1990.
A interferência dos poderes públicos num direito de valor patrimonial do expropriado acarreta para este um prejuízo que o coloca em situação de desigualdade perante os demais cidadãos, visando a indemnização compensar o sacrifício pessoal assim imposto e garantindo a observância do princípio da igualdade violado com a privação do respectivo direito. A indemnização apresenta-se assim como uma reconstituição, em termos de valor, da posição de proprietário que o expropriado detinha.
Determinando a Constituição (artigo 62º, nº 2) que a indemnização há-de ser justa não estabeleceu porém, qualquer critério indemnizatório de aplicação directa e objectiva, deixando para o legislador ordinário a formulação de tais critérios que hão-de respeitar os princípios materiais da Constituição, designadamente os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Segundo o entendimento jurisprudencial, que se vem seguindo, a 'justa indemnização' há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.
O pagamento da 'justa indemnização', para além de ser uma exigência constitucional da expropriação, é também a concretização do princípio do Estado de direito democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os actos lesivos de direitos ou causadores de danos.
E a indemnização para ser justa não pode ser condicionada por sistemas de limitação que violarão, desde logo, o princípio da igualdade perante os encargos públicos.
Ao legislador está vedado, neste domínio, adoptar critérios restritivos (como os impostos no artigo 30º, nºs 1 e 2 do Código das Expropriações de 1976) que não assegurem uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelos expropriados e determinem para estes uma desigualdade de tratamento através de uma onerosidade forçada e acrescida, por inexistência de justificação material para semelhante tratamento discriminatório.
Em suma, o direito à justa indemnização, traduz-se num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, para efeitos do previsto no artigo 17º da Constituição, só podendo sofrer as restrições previstas no texto constitucional, as quais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
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3 - A norma do artigo 3º, nº 2, desaplicada na decisão recorrida, recusa o direito a indemnização no caso das servidões derivadas directamente da lei, com o que a desvalorização advinda para o prédio serviente da constituição de uma servidão non aedificandi, acaba por não ser objecto de qualquer ressarcimento por parte da entidade expropriante.
Deste modo, não só não é assegurada a restauração da lesão patrimonial sofrida pelo proprietário da parcela em causa, como também se gera uma desigualdade de tratamento, impondo-se-lhe uma onerosidade forçada e acrescida, à revelia da existência de justificação material bastante, e sem a tutela do princípio da igualdade.
A aptidão de edificabilidade dos terrenos sujeitos a expropriação funciona ou poderá funcionar como um dos factores a ter em conta na fixação do quantum indemnizatur a atribuir ao expropriado a título de ressarcimento pelo prejuízo decorrente da expropriação.
Mas, como logo se assinalou (no Acórdão nº 341/86. cit.), se assim é nos casos de expropriação por utilidade pública, ainda
'naqueles casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem subtrairem o bem objecto do vinculo, lhes diminuem, contudo, a utilitas rei, se deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados certos pressupostos'.
Com efeito, a diminuição do valor patrimonial da parcela não expropriada, que vai implicado na obrigação de não edificar justifica que também aqui se faça apelo aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, em suma, ao princípio da justa indemnização.
É que, como sustenta Gomes Canotilho, O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, Coimbra, 1974, p. 300, 'os deveres inderrogáveis de solidariedade política, económica e social não podem justificar a exclusão de indemnização no caso de medidas substancialmente expropriatórias que, não operando embora um efeito translativo do domínio, originam uma penetrante incidência no Kerngehalt (núcleo de conteúdo) desse bem constitucionalmente garantido'.
Nesta linha de entendimento e a propósito de uma situação jurídico-material em tudo idêntica à que neste recurso se configura, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 262/93, de 30 de Março de 1993, II série, de 21 de Julho de 1993, traçou um discurso similar assim concebido:
'(...) nenhuma solução legislativa está constitucionalmente legitimada a inviabilizar a ponderação da intensidade ablatória das inferências estaduais e da consistência das posições jurídicas que reclamam uma indemnização.
Os princípios da autonomia, da igualdade e da proporcionalidade vêm delimitar, neste plano, o espaço de prognose do legislador.
À imposição de um vínculo de inedificabilidade imposto no interesse público a um particular, em consequência de um processo de expropriação parcial, sobre a parcela sobrante do terreno expropriado, não pode a lei ligar a exclusão necessária e automática de uma indemnização.
Do mesmo modo que na expropriação clássica, configura-se aí um 'acto de império' (O. Ascensão), incidente sobre uma posição de valor económico juridicamente relevante.
A justa indemnização vem precisamente realizar a 'descompressão' da esfera jurídico-patrimonial do particular onerado, transmudando o resultado do acto lesivo numa situação equivalente à que corresponderia a uma ausência da interferência estadual. Isso traduz uma exigência dos princípios constitucionais do Estado de direito (responsabilidade por actos lesivos dos direitos dos particulares) e da igualdade (o dano não pode implicar um acréscimo desigual e injustificado de contribuição dos cidadãos onerados para os encargos públicos)'.
A determinação constitucionalmente legítima da indemnização há-de orientar-se pelos princípios materiais da igualdade e da proporcionalidade que tanto ilegitimam indemnizações irisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado, como inexistência de indemnização, e tanto valendo para as expropriações em sentido clássico - expropriações translativas do direito de propriedade do solo do particular para a administração - como para as expropriações que sacrificam o jus aedificandi do proprietário do solo por motivos de interesse geral.
Aos cidadãos onerados com a servidão non aedificandi - como sucede no caso em apreço - é retirado o direito a serem ressarcidos pela diminuição efectiva do valor da parcela serviente, impondo-se-lhe uma contribuição injustificada a acrescida na realização do interesse público.
E assim sendo, a norma do artigo 3º, nº 2 do Código das Expropriações de 1976, por afrontar os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização, não dispõe de legitimidade constitucional.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 3º, nº 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, na medida em que não consente a indemnização do prejuízo resultante da imposição de uma servidão non aedificandi sobre parcela sobrante de terreno expropriado, por violação do disposto nos artigos 13º, nº 2 e 62º, nº 2, da Constituição;
b) Negar provimento do recurso e confirmar, na parte impugnada, o acórdão recorrido.
Lisboa, 28 de Outubro de 1993
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme à declaração de voto que apus ao Acórdão nº 262/93)